Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 226.149/RS, julgado em 12/08/2014 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
HABEAS CORPUS. SUCEDÂNEO DO RECURSO ADEQUADO. INADMISSIBILIDADE. ESTELIONATO. ATIPICIDADE NÃO DEMONSTRADA.
1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não têm mais admitido o habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais, o que não ocorre no presente caso.
2. O trancamento da ação penal em sede de habeas corpus só é possível em situações excepcionais, quando estiver comprovada, de plano, a atipicidade da conduta, a causa extintiva da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria, não se admitindo ampla incursão no campo probatório. Precedentes.
3. Habeas corpus não conhecido. (HC 226.149/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 12/08/2014, DJe 03/08/2015)
Leia a íntegra do voto do Relator Min. Sebastião Reis Júnior:
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (RELATOR):
Primeiramente, saliento que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não têm mais admitido a utilização do habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais.
Contudo, no caso, não há excepcionalidade a justificar a concessão da ordem de ofício.
A paciente, denunciada como incursa no art. 171 do Código Penal, pretende, com o presente writ, o trancamento da ação penal, sob a alegação de que a emissão de cheques pré-datados não configuraria a prática do crime previsto no referido artigo, sendo que também não estaria evidenciado que a vítima tenha sido induzida a erro, mediante ardil, artifício ou qualquer outro meio.
A magistrada de primeiro grau rejeitou a denúncia por entender ser atípica a conduta (fls. 49/51):
Vistos.
Trata-se de caso de rejeição da denúncia por atipicidade. Com efeito, narra a peça acusatória que os denunciados teriam praticado o crime de estelionato por ter emitido seis cheques para pagamento de mercadorias, os quais, quando levados a cobrança, teriam retornado por insuficiência de fundos.
Com efeito, narra a peça acusatória que a denunciada teria praticado o crime de estelionato por ter emitido um cheque para pagamento de mercadorias, o qual, quando levado à cobrança, teria retomado por insuficiência de fundos.
A peça acusatória descreve como fraude o fato de a acusada ter prévia ciência de que não dispunha de fundos em sua conta. Ocorre que a cártula foi emitida para pagamento futuro, vez que nela consta data embaixo, conforme praxe no meio comercial. Assim, descaracterizado o título como ordem de pagamento à vista, não há falar em fraude. Aliás, a peça acusatória sequer enquadra a conduta no tipo específico do art. 171, § 2º, VI, do CP, possivelmente por se ter constatado a figura do cheque “pré datado”, que na realidade é pós datado.
Destarte, singelo concluir-se que os fatos narrados não passam de ilícito civil, vez que a emissão de cheque para compensação futura não significa fraude, pois em nenhum momento houve promessa de pagamento à vista.
Conforme ilustra o autor Guilherme de Souza Nucci (in Código Penal Comentado, 2007 ed. Revista dos Tribunais, p.738), grifo no original:
O título de crédito tem por característica principal ser uma ordem de pagamento à vista. Por isso, quando alguém aceita o cheque para ser apresentado futuramente, em data posterior à da emissão, está recebendo o título como mera promessa de pagamento. Caso não seja compensado, por falta de suficiente provisão de fundos, é apenas um ilícito civil, mas não um crime.
[…]
Isso posto, rejeito a denúncia, com fulcro no art. 395, III, CPP.
O acórdão atacado, por sua vez, entendeu haver a necessidade do prosseguimento da ação penal pelos seguintes fundamentos (fls. 111/112):
[…] Assiste razão ao Ministério Público quando sustenta que a atipicidade do fato não poderia ser prontamente reconhecida tão-somente porque os estelionatos imputados teriam sido praticados mediante a emissão de cheques pôs-datados, de titularidade da indiciada, não compensados por insuficiência de fundos.
Com efeito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a conduta de emissão de cheque “em garantia’ (pós- datado) não se amolda nas previsões típicas do art. 171, caput, e art. 171, § 2º, inc. VI, do CP. A jurisprudência deste Colegiado conta com diversos precedentes em que aplicado esse entendimento. Entendo, contudo, que, em tese, no caso de restar seguramente demonstrada a intenção deliberada e prévia do agente de obter vantagem ilícita (sendo a emissão de cheques pós-datados simples meio ardil), é possível a configuração do crime de estelionato
Em sendo assim, é imperioso o processamento da presente demanda para a investigação, no caso dos autos, acerca do elemento subjetivo especifico do tipo, verificando-se se do conjunto probatório será possível depreender com a certeza necessária tal intenção antecipada, por parte da indiciada PABIANI, de frustrar os negócios jurídicos indicados na inicial acusatória pelo não pagamento das obrigações assumidas.
Assim, tenho que a denúncia ofertada no caso deve receber juízo positivo de admissibilidade.
[…]
Por esses fundamentos, dou parcial provimento ao recurso para receber a denúncia e determinar o prosseguimento da ação penal movida contra PABIANI FÁTIMA DA SILVA MAZZUTTI.
Quanto à alegada ausência de crime de estelionato por cheque sem fundo, entendo que, em princípio, poderia incidir no caso a já antiga jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de que não há crime nessa hipótese, mas mero ilícito civil, pois a emissão de cheques como garantia de dívida (pré-datados), e não como ordem de pagamento à vista, não constitui crime de estelionato na modalidade prevista no art. 171, § 2°, VI, do Código Penal (RHC n. 13.793/SP, Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ 19/12/2003). Ocorre, porém, que não é possível, na espécie, chegar à conclusão de que os mencionados cheques não foram passados com o intuito de fraudar, mas de simplesmente garantir um negócio, mediante o simples cotejo entre os fatos deduzidos na peça inaugural e os documentos que a acompanham. Tal conclusão, aqui e agora, demandaria profundo reexame de todas provas, procedimento que não se coaduna com a via do habeas corpus.
Por fim, cumpre destacar que o trancamento da ação penal em sede de habeas corpus só é possível em situações excepcionais, quando estiver comprovada, de plano, a atipicidade da conduta, a causa extintiva da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria, não se admitindo ampla incursão no campo probatório, como pretende a impetrante.
Confiram-se, nesse sentido:
[…] Do mesmo modo como no trancamento de uma ação penal, o trancamento do inquérito policial também exige que a ausência de justa causa, a atipicidade da conduta ou uma causa extintiva da punibilidade estejam evidentes, independente de investigação probatória. […] Ordem parcialmente conhecida e denegada. (HC n. 106.216/MG, Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG), Sexta Turma, DJe 28/10/2008 – grifo nosso)
[…] 1. O trancamento de ação penal é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito. […] (HC n. 219.396/SP, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 20/6/2012 – grifo nosso)
Ante o exposto, não diviso constrangimento ilegal no prosseguimento da ação penal.
Assim, não conheço do presente habeas corpus
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