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Evinis Talon

STJ: o interrogatório do acusado deve ser o último ato (Informativo 683)

19/12/2020

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STJ: o interrogatório do acusado deve ser o último ato (Informativo 683)

No REsp 1.808.389-AM, julgado em 20/10/2020, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é desnecessária a comprovação de prejuízo para o reconhecimento da nulidade decorrente da não observância do rito previsto no art. 400 do Código de Processo Penal, o qual determina que o interrogatório do acusado seja o último ato a ser realizado.

Informações do inteiro teor:

Ao disciplinar a instrução processual no rito comum ordinário, o caput do art. 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 11.719/2008, determina que o interrogatório do acusado seja o último ato a ser realizado. O art. 57 da Lei de Drogas, por sua vez, prevê momento específico e diverso para o interrogatório do réu.

No entanto, por ocasião do julgamento do HC 127.900/AM (Rel. Ministro Dias Toffoli), o Pleno do Supremo Tribunal Federal realizou uma releitura do art. 400 do Código de Processo Penal e firmou o entendimento de que o rito processual para o interrogatório, previsto no referido dispositivo, deve ser aplicado a todos os procedimentos regidos por leis especiais. Isso porque a Lei n. 11.719/2008 (que deu nova redação ao referido art. 400) prepondera sobre as disposições em sentido contrário delineadas em legislação especial, por se tratar de lei posterior mais benéfica ao acusado (lex mitior), visto que assegura maior efetividade a princípios constitucionais, notadamente aos do contraditório e da ampla defesa.

Dito isso, para que eventual nulidade seja reconhecida em decorrência da inversão da ordem do interrogatório, remanescem dois pontos a serem previamente analisados: a) para que seja reconhecida a nulidade do feito, é necessário haver a demonstração de efetivo prejuízo à defesa, à luz do princípio pas de nullité sans grief? e b) a matéria deve ser alegada no primeiro momento processual oportuno, sob pena de preclusão?

Em relação ao primeiro ponto , registra-se que não se desconhece a existência de julgados desta Corte Superior de Justiça que, mesmo depois do julgamento do referido HC 127.900/AM, passaram a exigir, em relação aos processos com instrução ainda em curso, que, naqueles casos em que o interrogatório tivesse sido realizado no início da instrução, deveria haver a comprovação de efetivo prejuízo à defesa para que fosse reconhecida a nulidade processual.

No entanto, ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal, ante a magnitude constitucional de que se reveste o interrogatório judicial, já teve diversas oportunidades de assentar que esse ato processual representa meio viabilizador do exercício das prerrogativas constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Se o interrogatório é um ato essencialmente de autodefesa, não se deu aos recorrentes a possibilidade de, ao final da instrução criminal, esclarecer ao Magistrado eventuais fatos contra si alegados pelas testemunhas, manifestar-se pessoalmente sobre a prova acusatória a eles dirigida e influenciar na formação do convencimento do julgador.

Portanto, se nem a doutrina nem a jurisprudência ignoram a importância de que se reveste o interrogatório judicial – cuja natureza jurídica permite qualificá-lo como ato de defesa -, não há como acolher o argumento do Tribunal de origem, no sentido de que a ausência de demonstração de prejuízo impossibilitaria o reconhecimento da apontada nulidade.

Não há como se imputar à defesa do acusado o ônus de comprovar eventual prejuízo em decorrência de uma ilegalidade, para a qual não deu causa e em processo que já resultou na sua própria condenação. Isso porque não há, num processo penal, prejuízo maior do que uma condenação resultante de um procedimento que não respeitou as diretrizes legais e que nem sequer observou determinadas garantias constitucionais do réu (no caso, a do contraditório e a da ampla defesa). Como avaliar, na perspectiva de exigir-se a demonstração do prejuízo, se o interrogatório realizado no início da instrução não trouxe nenhum prejuízo à defesa (tanto à defesa técnica quanto à do próprio acusado – autodefesa)?

Assim, exigir a comprovação de prejuízo para o reconhecimento da nulidade decorrente da não observância do rito previsto no art. 400 do Código de Processo Penal representa não apenas uma burla (escamoteada) ao que decidido pelo Supremo Tribunal Federal no HC 127.900/AM, como também um esvaziamento das garantias constitucionais do contraditório e, especialmente, da ampla defesa, uma forma de se esquivar do reconhecimento de uma nulidade e uma maneira de se evitar a anulação de uma instrução probatória que, visivelmente, foi realizada em franco desacordo com as referidas garantias constitucionais.

Por fim, uma vez fixada a compreensão pela desnecessidade de a defesa ter de demonstrar eventual prejuízo decorrente da inversão da ordem do interrogatório dos réus, em processo do qual resultou a condenação, e porque o procedimento adotado afrontou os princípios do contraditório e da ampla defesa, não há como condicionar o reconhecimento da nulidade ao fato de a defesa arguir ou não o vício processual já na própria audiência de instrução. Não incide na espécie, portanto, a preclusão.

Confira a ementa relacionada:

RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. MOMENTO DO INTERROGATÓRIO. ÚLTIMO ATO DA INSTRUÇÃO. MAIOR EFETIVIDADE A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. MINORANTE. ANÁLISE PREJUDICADA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Por ocasião do julgamento do HC n. 127.900/AM, ocorrido em 3/3/2016 (DJe 3/8/2016), o Pleno do Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que o rito processual para o interrogatório, previsto no art. 400 do Código de Processo Penal, deve ser aplicado a todos os procedimentos regidos por leis especiais. Isso porque a Lei n. 11.719/2008 (que deu nova redação ao referido art. 400) prepondera sobre as disposições em sentido contrário previstas em legislação especial, por se tratar de lei posterior mais benéfica ao acusado (lex mitior), visto que assegura maior efetividade a princípios constitucionais, notadamente aos do contraditório e da ampla defesa.

2. De modo a não comprometer o princípio da segurança jurídica dos feitos já sentenciados (CF, art. 5º, XXXVI), houve modulação dos efeitos da decisão: a Corte Suprema estabeleceu que essa orientação somente deve ser aplicada aos processos cuja instrução ainda não se haja encerrado.

3. Uma vez que a audiência de instrução e julgamento ocorreu depois da publicação da ata daquele julgamento, prevalece a nova compreensão do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria, qual seja, a de que, em se tratando de crime previsto na Lei n. 11.343/2006, o interrogatório deve ser o último ato da instrução, à luz, especialmente, dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

4. Embora, em regra, a decretação da nulidade de determinado ato processual requeira a comprovação de prejuízo concreto para a parte – em razão do princípio do pas de nullité sans grief -, o prejuízo à defesa é evidente e corolário da própria inobservância da máxima efetividade das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Uma vez que o interrogatório constitui um ato de autodefesa, não se deu aos recorrentes a possibilidade de esclarecer ao Magistrado eventuais fatos contra si alegados pelas testemunhas ao longo da instrução criminal.

5. Porque anulado o processo desde a audiência de instrução e julgamento, fica esvaída a análise da pretendida aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas.

6. Recurso especial provido, para anular o Processo n. 0248691-17.2016.8.04.0001, da 4ª V. E. C. U. T. E. da Comarca de Manaus – AM, desde a audiência de instrução e julgamento, com a determinação de que seja realizada nova instrução probatória, dessa vez com a observância de que o interrogatório dos réus seja o último ato da instrução.

(REsp 1808389/AM, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 20/10/2020, DJe 23/11/2020)

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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