STJ: o erro de proibição pode afastar a aplicação do art. 217-A do CP
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no AgRg no AREsp 2899735/AL, decidiu que “a aplicação do art. 217-A do CP e da Súmula 593 do STJ deve ceder, excepcionalmente, diante de circunstâncias concretas que evidenciem erro de proibição e inexistência de efetiva vulneração ao bem jurídico tutelado”.
Confira a ementa relacionada:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 217-A DO CP. RELACIONAMENTO AMOROSO ENTRE JOVEM DE 19 ANOS E ADOLESCENTE DE 13 ANOS. CONSENTIMENTO DA OFENDIDA. NASCIMENTO DE FILHO. ASSISTÊNCIA MATERIAL. ERRO DE PROIBIÇÃO. SITUAÇÃO EXCEPCIONALÍSSIMA. DISTINGUISHING DA SÚMULA 593/STJ. ABSOLVIÇÃO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo regimental interposto por E. L. de A. F. em relação à decisão monocrática do Relator, que havia negado provimento ao recurso especial para manter sua condenação à pena de 8 anos de reclusão, em regime semiaberto, pela prática de fato tipificado como estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal). A defesa postula a absolvição e alega erro de proibição, dada a pequena diferença de idade, consentimento da vítima e manutenção de vínculo familiar decorrente do nascimento de filho da relação entre réu e vítima. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é possível afastar a aplicação literal do art. 217-A do CP e da Súmula 593 do STJ diante das particularidades do caso concreto; (ii) estabelecer se a conduta do agravante pode ser considerada atípica em razão de erro de proibição inescusável, configurando hipótese de exclusão da culpabilidade. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A jurisprudência consolidada do egrégio Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 593, estabelece que a vulnerabilidade de menores de 14 anos é absoluta e irrelevante o consentimento, a experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento afetivo. Mesmo assim, a subsunção da tese uniforme não pode afastar a análise das circunstâncias do caso concreto. 4. No caso, o relacionamento se deu entre jovem de 19 anos e adolescente de 13 anos, com consentimento da ofendida, ciência e aceitação da família, sobrevindo o nascimento de um filho, ao qual o agravante sempre prestou assistência afetiva e material. O acervo probatório revela que o agravante incorreu em erro de proibição, sem plena consciência da ilicitude de sua conduta no contexto de uma união estável e pública. 5. A proteção integral da criança nascida da relação, garantida pelo art. 227 da Constituição da República e pela Lei 13.257/2016 (Marco Legal da Primeira Infância), justifica solução que preserve o núcleo familiar constituído e evite traumas mais graves decorrentes de condenação penal dpo réu como pai. 6. A técnica do distinguishing autoriza o afastamento da tese sumulada quando as peculiaridades do caso concreto revelam inexistência de lesão relevante ao bem jurídico tutelado. 7. A subsunção formal da conduta ao art. 217-A do CP deixa de se converter automaticamente em infração penal material, diante da ausência de relevante lesão social. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Agravo regimental provido para absolver o recorrente, com fundamento no art. 386, III, do CPP. Tese de julgamento: 1. A aplicação do art. 217-A do CP e da Súmula 593 do STJ deve ceder, excepcionalmente, diante de circunstâncias concretas que evidenciem erro de proibição e inexistência de efetiva vulneração ao bem jurídico tutelado. 2. O erro de proibição pode caracterizar-se em casos de relacionamento amoroso consentido entre adolescentes e jovens de pouca diferença etária, quando do vínculo resultar constituição de núcleo familiar estável. 3. A técnica do distinguishing autoriza a não aplicação de entendimento sumulado em hipóteses excepcionais, desde que presentes fundamentos constitucionais e infraconstitucionais que justifiquem a prevalência da justiça material sobre a subsunção literal ao tipo penal. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 227; CP, arts. 20 e 217-A; CPP, art. 386, III; ECA (Lei 8.069/1990), art. 2º; Estatuto da Juventude (Lei 12.852/2013), art. 1º, § 1º; Lei 13.257/2016. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.480.881/PI, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Seção, j. 26.08.2015 (Súmula 593). (AgRg no AREsp n. 2.899.735/AL, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 19/8/2025, DJEN de 3/9/2025.)
Falo mais sobre esse assunto no Curso Talon. Clique aqui para saber mais.
Leia também:
STJ: HC afasta condenação penal quando há ilegalidade demonstrada por prova incontestável
STJ: relacionamento amoroso não afasta estupro de vulnerável