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Evinis Talon

Relatórios da investigação criminal defensiva

30/10/2020

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Relatórios da investigação criminal defensiva

Antes de refletirmos sobre a utilização e a importância dos relatórios na investigação criminal defensiva, devemos ter uma visão panorâmica do processo penal brasileiro e de como os relatórios são utilizados no inquérito, nos exames periciais, no júri, nas diligências e em muitos meios de prova.

Sobre o inquérito policial, o art. 10, § 1o, do CPP, diz que “a autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente”. Trata-se do relatório final ou de conclusão, que não é o único relatório possível no inquérito policial.

No art. 169, parágrafo único, do CPP, consta que, em relação ao exame do local onde houver sido praticada a infração, os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos.

Ao preparar o processo para ser levado ao plenário do júri, o Juiz presidente fará “relatório sucinto do processo, determinando sua inclusão em pauta da reunião do Tribunal do Júri” (art. 423, II, do CPP). Aliás, na sessão do júri, o jurado receberá a cópia do referido relatório (art. 472, parágrafo único, do CPP).

Na Lei de Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/2013), há previsão de que, findo o prazo da infiltração de agentes, será apresentado um relatório circunstanciado ao Juiz competente, que imediatamente cientificará o Ministério Público (art. 10, §4º), Além disso, no curso do inquérito policial, o Delegado de Polícia poderá determinar aos seus agentes, e o Ministério Público poderá requisitar, a qualquer tempo, relatório da atividade de infiltração (art. 10, §5º).

A Lei de Organizações Criminosas também prevê, em relação à figura dos agentes de polícia infiltrados virtuais, que, após o prazo, o relatório circunstanciado, juntamente com todos os atos eletrônicos praticados durante a operação, deverão ser registrados, gravados, armazenados e apresentados ao Juiz competente, que imediatamente cientificará o Ministério Público (art. 10-A, §5º). Igualmente, prevê que, no curso do inquérito policial, o Delegado de Polícia poderá determinar aos seus agentes, e o Ministério Público e o Juiz competente poderão requisitar, a qualquer tempo, relatório da atividade de infiltração (art. 10-A, §6º).

Em sentido semelhante, a Lei de Interceptações Telefônicas (Lei n. 9.296/96), no seu art. 6º, §2º, prevê que, cumpridas as diligências, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao Juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas.

Nos inquéritos policiais mais simples, como aqueles que apuram furtos ou outros crimes sem complexidade, observamos depoimentos, documentos, perícias (às vezes) e, ao final, o relatório de conclusão elaborado pelo Delegado de Polícia, que contém um resumo de todas as diligências e sua opinião jurídica sobre ser caso de arquivamento ou de imputação de alguma infração penal. Normalmente, quando o caso não é complexo, o único relatório é o final.

Por outro lado, nos inquéritos que investigam crimes mais complexos, especialmente aqueles conduzidos pela Polícia Federal ou que abordem crimes relativos ao Direito Penal Econômico, é comum encontrarmos mais relatórios, como aqueles mencionados anteriormente (agentes infiltrados, interceptações telefônicas etc.) ou que se refiram a alguma diligência, mencionando informações sobre o local, as pessoas com quem os agentes tiveram contato, o que observaram e outros dados relevantes. Trata-se, portanto, de uma explicação das diligências realizadas.

Assim, de modo geral, um relatório deve:

  • detalhar o que foi feito;
  • possibilitar uma visão geral;
  • analisar os atos, fatos, circunstâncias, locais e pessoas;
  • apresentar conclusões.

Nesse esteio, a documentação dos resultados da investigação defensiva por meio de relatórios é de extrema importância. Pode ser produtivo elaborar relatórios referentes a cada diligência, não se limitando ao relatório final.

Após o cumprimento de uma ordem de serviço, por exemplo, pode-se elaborar um relatório narrando os detalhes da diligência. Caso o Advogado ou algum de seus auxiliares diligencie para obter documentos, tirar fotos ou entrar em contato com pessoas envolvidas, será útil documentar, por meio de um relatório, as circunstâncias da diligência, as informações recebidas e quaisquer outras questões relevantes.

Em uma persecução penal que apure um crime de trânsito, por exemplo, o Advogado poderá instaurar a investigação criminal defensiva e, como diligência, deslocar-se até o local do acidente para tirar fotos, solicitar filmagens, anotar características importantes do local (buracos, curvas, condições do asfalto etc.) e, ao final, elaborar um relatório com tudo que foi realizado durante a diligência, bem como suas conclusões ao interpretar as informações obtidas.

Destaca-se, por oportuno, que o Advogado não precisará juntar aos autos do inquérito policial ou do processo todas as peças da investigação defensiva, razão pela qual o relatório não necessariamente será juntado aos autos oficiais. Em alguns casos, é recomendável que esse documento não seja juntado, sobretudo para permitir ao Advogado utilizar o relatório como local para realizar algumas reflexões/conclusões que poderiam prejudicar o cliente. Nessa linha, utilizaria o relatório para fazer reflexões imparciais e comparar a versão apresentada pelo cliente (investigado ou réu) com os elementos obtidos na investigação defensiva.

Aqui, precisamos explicar o sentido de fazer essas reflexões imparciais nos relatórios. Não se trata de uma conduta que tenha o condão de prejudicar o cliente, mas, pelo contrário, de evitar uma participação despreparada no processo, sem o conhecimento do máximo possível de informações. Deve-se tentar descobrir tudo que poderá ser utilizado pela acusação nos autos oficiais, evitando que a versão do investigado ou réu seja superada, de forma surpreendente, por informações obtidas por peritos ou declaradas por testemunhas.

Voltando ao exemplo do crime de trânsito, após a diligência realizada no bojo da investigação criminal defensiva, pode ser necessário inserir no relatório, por exemplo, que o réu havia informado que o local era uma reta e que era permitida a ultrapassagem, mas foi constatado que se tratava de uma curva com sinalização proibindo a ultrapassagem. Essa comparação entre a versão do cliente e a realidade constatada na diligência evitará uma surpresa desagradável durante a instrução processual.

Percebe-se que, na investigação defensiva, não se pode seguir irrefletidamente a versão do réu, investigando apenas o que lhe é favorável e distorcendo a realidade observada durante as diligências. A investigação precisa ser fiel às apurações, o que equivale a dizer que precisa ser, de certa forma, imparcial. Apenas depois, ao selecionar o que será levado aos autos oficiais, é que se exige uma atuação parcial (em favor do cliente).

Por esse motivo, o relatório deve ser um resumo das diligências realizadas, com as interpretações, apreciações e conclusões do Advogado, ainda que essa deliberação seja inicialmente contra a narrativa do investigado. O relatório é um “debate em forma de monólogo”, apreciando as informações e comparando dados e fatos.

Sugere-se, preferencialmente, a elaboração de um relatório ao final de cada diligência realizada na investigação defensiva, seguindo o mesmo parâmetro já mencionado acerca das perícias e dos meios de obtenção de provas.

Nesse esteio, Bulhões (2019, p. 136-137):

Se possível, cada diligência, seja de mão própria ou por terceiros profissionais, deve gerar um relatório acerca do método empregado, as condições de tempo, lugar e outras informações que possam ser pertinentes e relevantes ao contexto de determinação, desenvolvimento e apresentação das provas obtidas/produzidas em cada atividade investigativa.

No que concerne ao método empregado, essa informação tem especial relevância quando se trata de diligência que envolva algum conhecimento especializado, como uma perícia.

Ainda que não se fale em método propriamente dito, é fundamental narrar as circunstâncias da diligência, como o deslocamento até determinado lugar, a comunicação a algum órgão público, o protocolo de uma petição, um requerimento formulado, as condições de transporte de algum objeto ou qualquer outro dado sobre a origem ou a forma de obtenção de uma informação.

Também é recomendável inserir no relatório informações sobre o tempo, lugar e outras condições relevantes, possibilitando uma revisão sobre o objeto da diligência, bem como uma reflexão sobre circunstâncias não pensadas durante o ato.

Imaginemos, por exemplo, uma investigação criminal defensiva sobre um crime de trânsito que causou uma morte, havendo dúvidas sobre o crime ter ocorrido de forma culposa ou dolosa. Durante a investigação, o Advogado se desloca até o local do acidente com o perito, tira fotos, documenta e faz anotações sobre o local.

Nesse caso, se o acidente/crime tiver ocorrido em um dia muito movimentado e com chuva, mas a diligência tiver sido feita em um dia/horário ensolarado e pouco movimentado (talvez em um feriado), há condições distintas que podem atrapalhar as conclusões do Advogado.

Tendo a anotação dessas condições no relatório, o Advogado poderá perceber a necessidade de ir ao local novamente em outro dia da semana ou horário para observar as circunstâncias e condições semelhantes àquelas do dia do fato, o que permitirá uma comparação entre o que investigou e o que consta no inquérito ou processo.

Ademais, é relevante inserir no relatório qualquer outra informação que possa ajudar na elucidação do fato, na contextualização e na formação da tese defensiva: nomes de pessoas com quem teve contato, estabelecimentos comerciais no local, endereços, fotografias, mapas e até desenhos. Na diligência, recomenda-se que o Advogado (a)note como é a rua, quais são as características da calçada, o que existe do lado do local (uma casa, um terreno baldio…) e outras informações relevantes.

Conclui-se, portanto, que o relatório não deve apresentar apenas o método empregado na pesquisa e na diligência, mas também as condições de tempo e lugar, fotos, mapas, desenhos, características, adjacências e tudo mais que se entenda necessário, acrescentando, ainda, as conclusões do profissional que cumpriu a diligência.

Referências:

BULHÕES, Gabriel. Manual prático de investigação defensiva: um novo paradigma na advocacia criminal brasileira. Florianópolis, SC: EMAIS, 2019.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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