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Evinis Talon

STJ: o crime de redução a condição análoga à escravidão não exige restrição à liberdade de locomoção

19/09/2025

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STJ: o crime de redução a condição análoga à escravidão não exige restrição à liberdade de locomoção

No REsp 2.204.503-BA, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que “a configuração do delito de redução à condição análoga à de escravo, previsto no art. 149 do Código Penal, não exige a restrição da liberdade de locomoção dos trabalhadores, sendo suficiente a submissão a condições degradantes de trabalho”.

Informações do inteiro teor:

A questão em discussão consiste em saber se a configuração do crime de redução à condição análoga à de escravo, previsto no art. 149 do Código Penal, exige a restrição da liberdade de locomoção dos trabalhadores ou se basta a submissão a condições degradantes de trabalho.

O aludido dispositivo legal estabelece tipo misto alternativo, configurando-se mediante: (i) submissão a trabalhos forçados; (ii) submissão à jornada exaustiva; (iii) sujeição a condições degradantes de trabalho; ou (iv) restrição da liberdade de locomoção. Trata-se de crime plurissubsistente, cuja tipicidade se aperfeiçoa com a verificação de qualquer das condutas previstas, independentemente da ofensa ao bem jurídico liberdade de locomoção.

No caso, o Relatório de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego documentou minuciosamente as condições subumanas a que estavam submetidos as vítimas, destacando-se: 1) trabalhadores alojados no meio do mato, dividindo-se entre os que dormiam em ônibus velho e os que dormiam em barraco de plástico preto, sem piso e sem energia elétrica; 2) água armazenada em caminhão-pipa velho e enferrujado, estacionado sob o sol, consumida sem qualquer tratamento; 3) ausência total de instalações sanitárias, obrigando os trabalhadores a fazer suas necessidades no mato; 4) local para banho improvisado com pedaços de plástico sustentados por forquilhas; 5) refeições preparadas ao lado do ônibus, em fogão improvisado no chão; e 6) área de alojamento suja e desorganizada, dentre outras.

Tais circunstâncias, inequivocamente, configuram condições degradantes de trabalho na acepção jurisprudencial consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, caracterizando, destarte, o delito previsto no art. 149 do Código Penal. Ora, trata-se de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social, aliciadas em contexto de miserabilidade e, consequentemente, propensas à submissão a condições desumanas que objetivam tão somente a redução máxima dos custos da atividade empresarial.

Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Inquérito 3.412/AL, consolidou entendimento de que a escravidão moderna é mais sutil e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos, concluindo que para a configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessária a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva ou a condições degradantes de trabalho (STF. Inq 3.412, relator Ministro Marco Aurélio, relatora p/ acórdão Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJ 30/3/2012).

Desse modo, a interpretação adotada pelo Tribunal de origem, ao exigir demonstração de cerceamento da liberdade de ir e vir para configuração do tipo penal, contraria a jurisprudência consolidada desta Corte Superior, do Supremo Tribunal Federal e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, notadamente a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura (Decreto n. 58.563/1966), a Convenção Americana de Direitos Humanos (Decreto n. 678/1992) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Decreto n. 592/1992).

Leia a ementa:

DIREITO PENAL. RECURSO ESPECIAL. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO. DESNECESSIDADE DE RESTRIÇÃO À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que manteve a absolvição dos recorridos, apesar de reconhecer a existência de condições degradantes de trabalho, por entender que não houve cerceamento da liberdade de locomoção dos trabalhadores. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se a configuração do crime de redução à condição análoga à de escravo, previsto no art. 149 do Código Penal, exige a restrição da liberdade de locomoção dos trabalhadores ou se basta a submissão a condições degradantes de trabalho. III. Razões de decidir 3. A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal estabelece que o crime de redução à condição análoga à de escravo pode ser configurado pela submissão a condições degradantes de trabalho, independentemente da restrição à liberdade de locomoção. 4. O acórdão recorrido aplicou incorretamente o art. 149 do Código Penal ao exigir a demonstração de cerceamento da liberdade de locomoção, contrariando a jurisprudência consolidada e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. 5. A submissão dos trabalhadores a condições degradantes, conforme evidenciado no conjunto probatório, é suficiente para a configuração do delito, sem necessidade de comprovação de restrição física à liberdade. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso provido. Tese de julgamento: “1. A configuração do delito de redução à condição análoga à de escravo, previsto no art. 149 do Código Penal, não exige a restrição da liberdade de locomoção dos trabalhadores, sendo suficiente a submissão a condições degradantes de trabalho. 2. A submissão a condições degradantes de trabalho é suficiente para a tipificação do crime, independentemente de restrição à liberdade de locomoção”. Dispositivos relevantes citados: Código Penal, art. 149; Decreto n. 58.563/1966; Decreto n. 678/1992; Decreto n. 592/1992. Jurisprudência relevante citada: STF, Inq 3.412, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 29/3/2012, DJ 30/3/2012; STJ, REsp 1.952.180, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 14/12/2021, DJe de 25/2/2022; STJ, AgRg no REsp 1.969.868/MT, Rel. Min. Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 18/9/2023. (REsp n. 2.204.503/BA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 9/9/2025, DJEN de 16/9/2025.)

INFORMAÇÕES ADICIONAIS:

Legislação

Código Penal (CP), art. 149.

Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura (Decreto n. 58.563/1966)

Convenção Americana de Direitos Humanos (Decreto n. 678/1992)

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Decreto n. 592/1992)

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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) –  Edição nº 862, de 16 de setembro de 2025 (leia aqui).

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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