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Evinis Talon

STJ: não configura o tipo penal de desobediência o não atendimento a requisição judicial de defensor público

30/12/2019

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Direito Penal, Processo Penal, Execução Penal, júri, audiências criminais, execução penal na prática, oratória, produtividade, técnicas de estudos e muito mais.

 

Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 310.901/SC, julgado em 16/06/2016 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. TRANCAMENTO DE INVESTIGAÇÃO PENAL. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. AÇÃO PENAL. RENÚNCIA DE DEFENSOR DATIVO. REQUISIÇÃO JUDICIAL. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR PÚBLICO. NÃO CUMPRIMENTO. ATO DE GESTÃO DO DEFENSOR PÚBLICO GERAL. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA. ATIPICIDADE. OCORRÊNCIA.
1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia.
2. Somente é cabível o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus quando houver comprovação, de plano, da ausência de justa causa, seja em razão da atipicidade da conduta supostamente praticada pelo acusado, seja da ausência de indícios de autoria e materialidade delitiva, ou ainda da incidência de causa de extinção da punibilidade.
3. A autonomia administrativa e a independência funcional asseguradas constitucionalmente às defensorias públicas não permitem a ingerência do Poder Judiciário acerca da necessária opção de critérios de atuação pelo Defensor Geral e a independência da atividade da advocacia.
4. Não configura o tipo penal de desobediência o não atendimento a requisição judicial de defensor público, pois lícita a designação de advogados pelo critério do possível, por seu gestor. Atipicidade reconhecida.
5. Habeas corpus não conhecido, mas concedida a ordem de ofício para trancar o procedimento investigatório nº 0042254-22.2013.8.24.0023, em trâmite no Juizado Especial Criminal da Capital do Estado de Santa Catarina. (HC 310.901/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 16/06/2016, DJe 28/06/2016)

Leia a íntegra do voto do Ministro Nei Cordeiro:

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO NEFI CORDEIRO (Relator):

Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ quando utilizado em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal (HC 213.935/RJ, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, DJe de 22/8/2012; e HC 150.499/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe de 27/8/2012, assim alinhando-se a precedente do Supremo Tribunal Federal (HC 104.045/RJ, Rel. MINISTRA ROSA WEBER, PRIMEIRA TURMA, DJe de 6/9/2012)

Nada impede, contudo, que, de ofício, constate a Corte Superior a existência de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia, o que ora passo a examinar.

Tem-se em debate persecução criminal por crime de desobediência, praticado pelo Defensor Público Geral de Santa Catarina, ora paciente, que respondeu não ser possível atender requisição judicial para nomeação de defensor a acusado nos autos n. 038.09.043421-5, de Joinvile/SC.

Extrai-se do voto condutor do acórdão proferido pelo Tribunal de origem (fls. 157/165):

[…] Efetivamente, da leitura do ato que culminou no presente writ, extrai-se que o Magistrado requisitou à Autoridade Policial a autuação direta do paciente pela prática do crime de desobediência.

Ou seja, nos dizeres de Guilherme de Souza Nucci, “cuida-se de procedimento equivocado, pois indiciamento é ato exclusivo da autoridade policial, que forma o seu convencimento sobre a autoria do crime, elegendo, formalmente, o suspeito de sua prática. Assim, não cabe ao promotor ou ao juiz exigir, através de requisição, que alguém seja indiciado pela autoridade policial, porque seria o mesmo que demandar à força que o presidente do inquérito conclua se aquele o autor do delito” (Código de Processo Penal Comentado. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 96)

Assim, em que pese o equívoco na forma de efetuar a requisição, há elementos suficientes que autorizam o Magistrado a requisitar, à Autoridade Policial, a instauração de inquérito policial, visando apurar a prática, em tese, de delito de desobediência ou, quiçá, de prevaricação.

Consoante os documentos trazidos com a inicial, verifica-se que, após a renúncia do defensor dativo atuante no feito n. 038.09.043421-5 da 1ª Vara Criminal da Comarca de Joinville, o Magistrado oficiante oficiou ao Defensor Público-Geral, ora paciente, a indicação de profissional para atuação na fase de plenário daquele feito, cuja solicitação restou ignorada, sem a apresentação de quaisquer justificativa ou comunicação.

A requisição foi reiterada, com o alerta da responsabilização criminal pelo seu descumprimento, ao que o paciente, de acordo com as informações existente nos autos, entrou em contato telefônico com o Magistrado, assegurando resposta formal à requisição e a nomeação de defensor público para atuar no feito, o que, não foi novamente atendido, sendo determinado pelo Magistrado, por despacho, novo contato telefônico com o paciente.

Na sequência, o Consultor Jurídico da Defensoria Pública do Estado, oficiou ao juízo comunicando que o órgão não efetuaria a designação de Defensor Público ao feito em questão por não ser possível a atuação de defensor fora da divisão administrativa da instituição.

Destarte, por meio da decisão supramencionada, foi que o Magistrado de primeiro grau requisitou o indiciamento do paciente, de modo que, ultrapassada a impossibilidade de se requisitar o indiciamento diretamente, mostra-se plenamente viável e possível a instauração de investigação policial para apurar a eventual prática de delito de desobediência e/ou prevaricação, na espécie.

[…] Diante disto, tendo em vista que o trancamento do inquérito policial é medida de exceção, limitada, à luz da evidência, a patente atipicidade da conduta, ausência de indícios da autoria, extinção da punibilidade ou outras situações comprováveis de plano, suficientes para o prematuro encerramento da persecução penal, inviável o seu reconhecimento no caso, onde existem elementos capazes de justificar a investigação policial.

Por todo o exposto, concede-se em parte a ordem, apenas para impedir o indiciamento direto do paciente requisitado pelo Magistrado, por se tratar de ato privativo da Autoridade Policial, permitindo, no entanto a instauração de inquérito policial para a apuração de eventual prática de delito.

Com efeito, somente é cabível o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus quando houver comprovação, de plano, da ausência de justa causa, seja em razão da atipicidade da conduta supostamente praticada pelo acusado, seja da ausência de indícios de autoria e materialidade delitiva, ou ainda da incidência de causa de extinção da punibilidade.

Na espécie, o Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Joinville requisitou junto à Autoridade Policial da Capital a autuação por crime de desobediência (art. 330, do CP) por parte do Defensor Público-Geral do Estado, Ivan Ranzolin (fl. 50).

O crime de desobediência assim está tipificado no Código Penal:

Desobediência

Art. 330 – Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

Por sua vez, a Carta Magna determina que às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º (art. 134, §2º, da CF).

Verifica-se que a acusação sofrida pelo paciente, Defensor Público Geral, consistente em não designar um defensor para atuar em um determinada ação penal, ante a renúncia do defensor dativo do réu, viola a autonomia da instituição.

Isso porque, a autonomia administrativa e a independência funcional asseguradas constitucionalmente às defensorias públicas não permitem a ingerência do Poder Judiciário acerca da necessária opção de critérios de atuação pelo Defensor Geral e a independência da atividade da advocacia.

Nessa moldura, o ato de não atendimento por parte do ora paciente da requisição emanada do juiz de direito para destacar um defensor para a ação penal que preside não se confunde com crime de desobediência por falta de cumprimento por autoridade pública de decisão legal ou judicial. Mutatis mutandis:

CRIMINAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DESOBEDIÊNCIA. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. PRESIDENTE DE AUTARQUIA ATIPICIDADE RELATIVA. A autoridade coatora, mormente quando destinatária específica e de atuação necessária, que deixa de cumprir ordem judicial proveniente de mandado de segurança, pode ser sujeito ativo do delito de desobediência (art. 330 do CP). A determinação, aí, não guarda relação com a vinculação – interna – de cunho funcional-administrativo e o seu descumprimento ofende, de forma penalmente reprovável, o princípio da autoridade (objeto da tutela jurídica). Recurso desprovido. (REsp 422.073/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23/03/2004, DJ 17/05/2004, p. 267)

Essa é a linha de entendimento manifestada pelo parecer ministerial, da lavra da Subprocuradora Geral da República CÉLIA REGINA SOUZA DELGADO (fls. 273/285):

[…] Para a caracterização do crime de desobediência, é indispensável que a ordem esteja fundada em lei e que o seu destinatário tenha a obrigação jurídica de cumpri-la. O paciente, que exerce o cargo de Defensor Público Geral do Estado de Santa Catarina, sendo, portanto, agente político e chefe da instituição, não tinha, evidentemente, o dever de atender à ordem do magistrado para que designasse defensor público para assumir a defesa do réu cujo defensor dativo havia renunciado ao encargo. […]

De fato, não é o processo penal a via adequada para a solução de conflito dessa natureza, principalmente se a conduta atribuída ao investigado nem de longe configura o crime de desobediência.

No caso, a ordem não foi fundada em lei, e, além disso, o destinatário não tinha obrigação jurídica de cumpri-la. A Defensoria Pública é instituição dotada de autonomia funcional e administrativa, de modo que um Juiz de Direito não tem o poder de entrar na discricionariedade do chefe de uma instituição e dizer onde esse deve ou não alocar os defensores públicos da instituição a qual chefia. Se tal ordem é ilegal e inconstitucional, não é apta a tipificar o crime de desobediência.

[…] A conduta do paciente não se reveste, portanto, dos elementos caracterizadores do tipo previsto no art. 330 do Código Penal e, registre-se, tampouco da prevaricação tipificada no art. 319 do mesmo Código, como corretamente consignado no voto vencido no julgamento do habeas corpus impetrado na origem […]

Conclui-se, portanto, configurado o constrangimento ilegal porque atípica a conduta imputada ao paciente.

Ante exposto, voto por não conhecer do habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício para a trancar o procedimento investigatório nº 0042254-22.2013.8.24.0023, em trâmite no Juizado Especial Criminal da Capital do Estado de Santa Catarina.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de pós-graduação com experiência de 11 anos na docência, Doutorando em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca – cursando), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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