No HC 553.872-SP, jugado em 11/02/2020, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que ainda que a presença de qualificadora no crime de furto possa, à primeira vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias pode demonstrar a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a aplicação do princípio da insignificância (leia aqui).
Informações do inteiro teor:
A admissão da ocorrência de um crime de bagatela reflete o entendimento de que o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, estas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionem.
O referido princípio deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal, observando-se a presença de “certos vetores, como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada” (HC n. 98.152/MG, Rel. Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 5/6/2009).
Na hipótese analisada, verifica-se que os fatos autorizam a incidência excepcional do princípio da insignificância, haja vista as circunstâncias em que o delito ocorreu. Muito embora esteja presente uma circunstância qualificadora — o concurso de agentes — os demais elementos descritos nos autos permitem concluir que, neste caso, a conduta perpetrada não apresenta grau de lesividade suficiente para atrair a incidência da norma penal, considerando a natureza dos bens subtraídos (gêneros alimentícios) e seu valor reduzido.
Confira a ementa:
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. FURTO QUALIFICADO. SUBTRAÇÃO DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS. EXCEPCIONALIDADE DO CASO CONCRETO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso previsto para a espécie. No entanto, deve-se analisar o pedido formulado na inicial, tendo em vista a possibilidade de se conceder a ordem de ofício, em razão da existência de eventual coação ilegal.
2. De acordo com a orientação traçada pelo Supremo Tribunal Federal, a aplicação do princípio da insignificância demanda a verificação da presença concomitante dos seguintes vetores (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
3. O princípio da insignificância é verdadeiro benefício na esfera penal, razão pela qual não há como deixar de se analisar o passado criminoso do agente, sob pena de se instigar a multiplicação de pequenos crimes pelo mesmo autor, os quais se tornariam inatingíveis pelo ordenamento penal. Imprescindível, no caso concreto, porquanto, de plano, aquele que é contumaz na prática de crimes não faz jus a benesses jurídicas.
4. Na espécie, a conduta é referente a um furto qualificado pelo concurso de agentes de produtos alimentícios avaliados em R$ 62,29.
5. Assim, muito embora a presença da qualificadora possa, à primeira vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias demonstra a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a aplicação do princípio da insignificância.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para trancar a ação penal movida em desfavor das pacientes.
(HC 553.872/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 17/02/2020)
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