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Evinis Talon

STJ: desobediência a acordo judicial não se insere no conceito de “ordem legal” para configurar o crime de desobediência

23/12/2019

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Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no RHC 67.452/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, julgado em 01/09/2016 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA EVIDENCIADA. RECURSO PROVIDO.
1. O texto penal previsto no art. 330 do Código Penal tem como elementar a desobediência a “ordem” legal de funcionário público, não se podendo incluir em tal conceito jurídico a desobediência a acordo judicial.
2. Ademais, em respeito ao princípio da subsidiariedade do Direito Penal, soa desarrazoado punir, com sanção criminal, condutas que encontram em outros ramos do direito a proteção necessária para a efetivação da decisão judicial que lhe subjaz.
3. Recurso provido para, confirmados os efeitos da liminar anteriormente concedida, trancar o Processo n. 0014787-91.2013.8.19.0028. (RHC 67.452/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 01/09/2016, DJe 12/09/2016)

Confira a íntegra do voto do Ministro Rogerio Schietti Cruz:

VOTO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):

I. Contextualização

Depreende-se dos autos que o recorrente, ao não devolver suas filhas no dia previsto, descumpriu o tempo de visitação ajustado no acordo homologado pelo Juízo de Direito da 1ª Vara de Família da Comarca de Petrópolis/RJ, no feito de separação litigiosa e de alimentos.

Em razão dessa conduta, foi instaurado inquérito policial em desfavor do recorrente para averiguar a prática, em tese, do tipo previsto no art. 359 do Código Penal (desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito).

Remetidos os autos para o Ministério Público do Rio de Janeiro, foi requerida sua autuação como procedimento do Juizado Especial Criminal, por tratar-se de delito de menor potencial ofensivo, capitulado no art. 330 do Código Penal. Na ocasião, o Parquet requereu a designação de audiência preliminar, ofertando, desde logo, os termos da sua proposta de transação penal, sendo esse pedido acolhido pelo MM. Juiz de Direito do Juizado Especial Adjunto Criminal da Comarca de Macaé – RJ.

II. Trancamento do processo

Conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior, o trancamento de processo em habeas corpus, por ser medida excepcional, somente é cabível quando ficarem demonstradas, de maneira inequívoca e a um primeiro olhar, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria ou a existência de causa extintiva da punibilidade.

Na hipótese, considero caracterizada a atipicidade da conduta imputada ao recorrente.

A questão versada nos autos cinge-se ao descumprimento de acordo, efetivado pelo recorrente e por sua ex-cônjuge, em autos de separação litigiosa cumulada com pedido de alimentos, relativamente à guarda das filhas comuns do casal.

Segundo o acórdão impugnado, o recorrente teria descumprido “cláusula de devolução das filhas, na data fixada no acordo realizado perante o Juízo da 1ª Vara de Família da Comarca de Petrópolis” (fl. 76).

Como bem colocou o Subprocurador-Geral da República Juliano Baiocchi Villa-Verde de Carvalho: “o descumprimento dos termos de visitação lá previstos, não se adéqua ao crime de desobediência e muito menos ao do art. 359 do CP (desobediência a ordem judicial referente à suspensão de poder); é que referido acordo não equivale a ordem judicial direta, no caso, ao paciente. Outra situação seria se inobservados os termos da visitação a ex-mulher do paciente tivesse obtido ordem judicial específica da Vara de Família, determinando que ele observasse as condições de visita e a inobservância persistisse” (fls. 211-212).

Nesse sentido, pertinente julgado citado pelo Ministério Público Federal ilustra a matéria aqui debatida:

CRIMINAL. RHC. DESOBEDIÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO. ATIPICIDADE EVIDENCIADA. RECURSO PROVIDO. I. Só se configura, o delito de desobediência, quando há descumprimento à ordem legal endereçada diretamente para quem tem o dever legal de cumpri-la. II. Recurso provido para determinar o trancamento da ação penal por atipicidade. (RHC n. 10.648/SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, 5ª T., DJ 19/3/2001, p. 120)

Ficou assentado no referido voto que, para configuração do delito, “seria necessário, em tese, que tivesse havido a reclamação do pai junto à autoridade competente, relativamente ao não-cumprimento do acordo estabelecido entre as partes e homologado em juízo, com a posterior emissão de ordem direta do Poder Judiciário ao cônjuge, e posterior recusa ao cumprimento de tal ordem”.

Certo é que o texto penal previsto no art. 330 do Código Penal tem como elementar a desobediência à “ordem” legal de funcionário público, não se podendo incluir em tal conceito jurídico a desobediência a acordo judicial.

Além disso, o descumprimento de acordo efetivado no âmbito cível, de per si, não pode se traduzir em conduta que importe em ilícito penal, sob pena de transformar-se o direito penal em mero instrumento coercitivo das decisões proferidas naquele âmbito.

Soa desarrazoado e contrário aos princípios basilares do direito penal, como o da subsidiariedade, punir, com sanção criminal, condutas que encontram em outros ramos do direito a proteção necessária para a efetivação da decisão judicial que lhe subjaz.

No caso, como destacou o recorrente, há instrumentos próprios para que a parte supostamente lesada faça valer seus direitos, como, por exemplo, a medida de busca e apreensão de menor, ou, eu acrescentaria, a invalidação do acordo judicial, decisão judicial substitutiva da vontade das partes.

Ademais, não seria equivocada uma correlação com o mesmo raciocínio desta Corte em casos nos quais, havendo previsão, em legislação própria, de sanção por descumprimento de decisão ou acordo judicial, não cabe a imputação de crime de desobediência. Ilustrativamente:

[…] 2. O crime de desobediência é subsidiário e somente se caracteriza nos casos em que o descumprimento da ordem emitida pela autoridade não é objeto de sanção administrativa, civil ou processual. 3. Na hipótese de descumprimento das medidas protetivas emanadas no âmbito da Lei Maria da Penha, admite-se requisição de auxílio policial e também a decretação da prisão, nos termos do art. 313 do Código de Processo Penal, com o objetivo de garantir a execução da ordem da autoridade, afastando, desse modo, a caracterização do delito previsto no art. 330 do Código Penal. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp n. 1534887/DF, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T, DJe 30/3/2016)

Assim, tendo em vista que, na hipótese dos autos, o recorrente não descumpriu ordem judicial direta a ele imposta e existem instrumentos próprios para que a parte supostamente lesada faça valer seus direitos, a conduta descrita não configura delito penal.

III. Dispositivo

À vista do exposto, dou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus para, confirmados os efeitos da liminar anteriormente concedida, trancar o Processo n. 0014787-91.2013.8.19.0028.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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