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Evinis Talon

STJ: delegar a produção de prova oral à autoridade estrangeira não encontra respaldo constitucional (Informativo 672 do STJ)

20/06/2020

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No RHC 102.322-RJ, julgado em 12/05/2020, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o ato de delegação da condução e direção de produção de prova oral à autoridade estrangeira, a fim de que esta proceda diretamente à inquirição da testemunha ou do investigado, não encontra qualquer tipo de respaldo constitucional, legal ou jurisprudencial (leia aqui).

Informações do inteiro teor:

No caso, o Tribunal de Grande Instância de Paris, França, solicitou cooperação jurídica em matéria penal, na modalidade auxílio direto, a fim de que fossem realizadas diversas diligências no Brasil, dentre as quais a oitiva do Recorrente e busca e apreensão no seu endereço, para subsidiar investigação pela prática dos crimes de falsificação e uso de documento falso, apropriação indébita, receptação, corrupção e lavagem de dinheiro.

O pedido da autoridade francesa foi embasado no Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal entre o Brasil e a França (Decreto n. 3.324/1999), na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e na Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional.

O pleito foi encaminhado ao Ministério da Justiça do Brasil, que o remeteu ao Procurador-Geral da República, o qual, por sua vez, designou Procurador da República atuante na Cidade do Rio de Janeiro para a execução das diligências. O Membro do Ministério Público Federal requereu o deferimento das medidas assecuratórias ao Juízo da Vara Federal do Rio de Janeiro, no que foi atendido. As diligências foram cumpridas. Contra essa decisão foi impetrado o writ, buscando a declaração de nulidade dos atos praticados pelo referido Juízo, oriundos do pedido de auxílio direto requerido pela Justiça francesa, em razão da ausência de exequatur pelo Superior Tribunal de Justiça no pedido de cooperação jurídica internacional.

Nesse cenário, é mister levar em consideração a natureza do pedido de cooperação internacional para o deslinde da questão, uma vez que a carta rogatória e o auxílio direto, apesar de conviverem no ordenamento jurídico como sistemas de cooperação internacional em matéria penal, são institutos com ritos e procedimentos diversos, principalmente, em razão das normas aplicáveis e da origem da decisão que ensejou o pedido estrangeiro.

Na carta rogatória passiva, há decisão judicial oriunda da Justiça rogante que precisa ser executada e cumprida no Estado rogado, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça o juízo de delibação, sem, contudo, adentrar-se no mérito da decisão oriunda do país estrangeiro. No auxílio direto passivo, há um pedido de assistência do Estado alienígena diretamente ao Estado rogado, para que este preste as informações solicitadas ou provoque a Justiça Federal para julgar a providência requerida (medida acautelatórias), conforme o caso concreto. Tudo isso baseado em Acordo ou Tratado Internacional de cooperação.

In casu, não há decisão judicial estrangeira a ser submetida ao juízo delibatório do Superior Tribunal de Justiça. O caso foi de pedido de assistência direta, o qual, por exigir pronunciamento judicial, foi submetido ao crivo da Justiça Federal nacional, que examinou amplamente o mérito do pedido.

A insurgência consiste na nulidade da oitiva do recorrente, porque todas as perguntas teriam sido formuladas direta e exclusivamente pela Autoridade Judiciária francesa que acompanhava o Membro do Ministério Público Federal nomeado para realizar as diligências.

Verifica-se que o Tribunal local afastou a alegação de nulidade da produção da prova em razão de o sistema persecutório da França ser muito diverso do sistema persecutório brasileiro. Tal fundamento, todavia, é inteiramente irrelevante para delimitação da existência, ou não, de ofensa à soberania nacional, dado que, independentemente das funções desempenhadas pelo Juiz de Instrução francês, quando comparado ao brasileiro, o que importa é o fato de tratar-se de autoridade pública estrangeira.

A Defesa tem razão ao questionar a legalidade da oitiva do recorrente, pois breve análise da gravação de vídeo da mencionada audiência é capaz de comprovar a veracidade da alegação de que as autoridades estrangeiras dirigiram e conduziram, por cerca de cinco horas seguidas, o ato de produção de prova oral. É dizer: ao limitar-se a dar início ao ato de produção de prova, com posterior atribuição da palavra e da condução das perguntas às autoridades estrangeiras, o membro do Ministério Público Federal, ao qual foi confiada a realização do mencionado ato, desobedeceu ordem expressa da Procuradoria Geral da República, a qual fez constar a exigência de que a autoridade brasileira não apenas estivesse presente durante todo ato, como também o dirigisse.

Insta salientar que, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, na Carta Rogatória n. 5.480/FR, também já houve a oportunidade de salientar que a presença de agentes públicos estrangeiros é permitida “sem que interfiram, direta ou indiretamente, na direção da audiência”. Essa, com efeito, é a melhor interpretação a ser dada aos dispositivos do Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal entre o Brasil e a França (Decreto n. 3.324/1999), os quais demonstram nítida preocupação com os limites dos atos de cooperação ali previstos, a bem da preservação da soberania dos Estados requerente e requerido.

Em termos simples: o ato de delegação, expressa ou tácita, da condução e direção de produção de prova oral a autoridade estrangeira, a fim de que esta proceda diretamente à inquirição da testemunha ou do investigado, não encontra qualquer tipo de respaldo constitucional, legal ou jurisprudencial.

Por conseguinte, trata-se de ato eivado de nulidade absoluta, por ofensa à soberania nacional, o qual não pode produzir efeitos em investigações penais que estejam dentro das atribuições das autoridades brasileiras.

Confira a ementa:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL. CARTA ROGATÓRIA E AUXÍLIO DIRETO. DEFINIÇÃO. CASO CONCRETO. EXISTÊNCIA DE DECISÃO JUDICIAL ESTRANGEIRA. IMPRESCINDIBILIDADE DO EXEQUATUR. RECURSO PROVIDO.
1. Na carta rogatória passiva, há decisão judicial oriunda da Justiça rogante que precisa ser executada e cumprida no Estado rogado, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça o juízo de delibação, sem, contudo, adentrar-se no mérito da decisão oriunda do País estrangeiro. No auxílio direto passivo, há um pedido de assistência do Estado alienígena diretamente ao Estado rogado, para que este preste as informações solicitadas ou provoque a Justiça Federal para julgar a providência requerida (medidas acautelatórias), conforme o caso concreto. Tudo isso, baseado em Acordo ou Tratado Internacional de cooperação.
2. In casu, trata-se da primeira espécie de cooperação internacional. O Promotor da República de Paris denunciou e solicitou ao Judiciário francês o processamento da investigação, e o Juiz de instrução julgou necessárias as providências referentes à colheita de prova “para a manifestação da verdade”. Assim, o Juízo estrangeiro, ao deferir a produção da prova requerida pelo Ministério Público, emitiu pronunciamento jurisdicional. Quer dizer, houve um juízo de valor realizado pelo Judiciário alienígena sobre a necessidade e adequação da colheita de prova. A decisão judicial estrangeira, portanto, deve ser submetida ao juízo delibatório do Superior Tribunal de Justiça, assegurando-se às Partes as garantias do devido processo legal, sem, contudo, adentrar-se no mérito da decisão proveniente do País rogante.
3. Frise-se que não se trata de mero ato judicial formal de encaminhamento de pedido de cooperação, mas de ato com caráter decisório proferido pelo Poder Judiciário francês no exercício típico da função jurisdicional.
4. A concessão do exequatur é imprescindível na hipótese, pois, existente decisão judicial estrangeira a ser submetida ao crivo desta Corte, o caso concreto amolda-se à definição de carta rogatória, sendo de rigor a anulação dos procedimentos já realizados.
5. Não respeitada a competência adequada para o processamento da cooperação internacional em território nacional, nos termos do art. 105, inciso III, alínea i, da Constituição da República, impõe-se a anulação do feito desde o seu início.
6. O ato de delegação da condução e direção de produção de prova oral à Autoridade estrangeira, a fim de que esta proceda diretamente à inquirição da testemunha ou do investigado, não encontra qualquer tipo de respaldo constitucional, legal ou jurisprudencial. Trata-se de ato eivado de nulidade absoluta, por ofensa à soberania nacional, o qual não pode produzir efeitos dentro de investigações penais que estejam dentro das atribuições das Autoridades brasileiras. Além disso, a nulidade decorrente do reconhecimento da necessidade de exequatur, abrange também a realização do aludido ato.
7. Recurso provido, a fim de declarar, relativamente a procedimentos ou processos em trâmite na República Federativa do Brasil decorrente do pedido de auxílio direto ora anulado, a invalidade da oitiva do Recorrente e as medidas judiciais de busca e apreensão e condução coercitiva, além de outras determinadas pelo Juízo da 9.ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, nos autos do Processo n.º 0120881-41.2017.4.02.5101, restituindo-se os objetos apreendidos. (RHC 102.322/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 12/05/2020, DJe 22/05/2020)

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca – cursando), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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