STJ: declaração falsa para participar de licitação (Informativo 700)
No AREsp 1.526.095-RJ, julgado em 08/06/2021, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que as sucessivas revisões dos quantitativos máximos de receita bruta para enquadramento como ME ou EPP, da Lei Complementar n. 123/2006, para fazer frente à inflação, não descaracterizam crimes de inserção de informação falsa em documento público, para fins de participação em procedimento licitatório, cometidos anteriormente.
Informações do inteiro teor:
A controvérsia é definir se ocorreu abolitio criminis quanto à conduta de (possível) inserção de informação falsa em documento público, para fins de participação em procedimento licitatório em decorrência da Lei Complementar n. 139/2011.
No caso, a licitação na qual competiram as sociedades empresárias era restrita àquelas enquadráveis como ME ou EPP, nos termos da Lei Complementar n. 123/2006, segundo os limites de receita bruta indicados no art. 3º do referido diploma.
O texto normativo foi alterado pela Lei Complementar n. 139/2011.
É necessário lembrar que a previsão de tratamento mais benéfico às MEs e EPPs tem a finalidade constitucional (ex vi dos arts. 146, III, “d”, 170, IX, e 179 da CF/1998) de criar um ambiente jurídico favorável aos empreendimentos que, por seu tamanho reduzido, não detém a estrutura para competir em condições de igualdade com todos os gigantes do mercado.
A forma encontrada pela legislação para tornar objetiva esta condição foi a fixação de um limite de receita bruta, em dinheiro, e como tal suscetível às variações inflacionárias. A propósito, a atualização do teto de receita bruta das EPPs, dos R$ 2.400.000,00 fixados em 2006 para os R$ 3.600.000,00 da Lei Complementar n. 139/2011, corresponde a pouco mais do que a inflação acumulada no período (30,78%, conforme o IPCA).
Esta constatação é fundamental, porque demonstra que as sucessivas revisões dos quantitativos máximos da Lei Complementar n. 123/2006, para fazer frente à inflação, não se aplicam a anos anteriores – ainda que para fins criminais -, sob pena de instituir uma grave distorção concorrencial e atentar contra os próprios objetivos do Estatuto. Afinal, a obtenção de uma receita bruta de R$ 3.600.000,00 no ano de 2012 representa, na prática, um poder aquisitivo menor do que o auferimento, em 2011, do mesmo montante.
No caso, a acusação não diz que as duas empresas não são, hoje, MEs ou EPPs, mas sim que, no específico ano-calendário de 2011, não tinham essa qualificação, falsamente atestada por seus dirigentes. Como se percebe, alterações legais posteriores são incapazes de modificar a dinâmica fática já ocorrida, porque a conduta delitiva imputada aos réus é a falsa declaração de uma situação fático-jurídica então inexistente. Uma modificação legislativa que dê novo enquadramento ao atual regime das empresas não muda o fato de que, em 2011, a informação prestada à Administração Pública foi, em tese, falsa.
Confira a ementa relacionada:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FRAUDE EM LICITAÇÃO. DECLARAÇÃO FALSA QUANTO À CONDIÇÃO DE ME/EPP, PARA PARTICIPAR DE CERTAME LICITATÓRIO. POSTERIOR ELEVAÇÃO DOS LIMITES MÁXIMOS DE RECEITA BRUTA PARA ENQUADRAMENTO COMO ME/EPP PELA LEI COMPLEMENTAR 139/2011. APLICAÇÃO RETROATIVA, PARA TORNAR VERDADEIRAS AS DECLARAÇÕES. DESCABIMENTO. AGRAVO CONHECIDO E RECURSO ESPECIAL PROVIDO, A FIM DE AFASTAR A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA.
1. A denúncia narra que os recorridos apresentaram declarações falsas para que suas empresas pudessem participar de licitação restrita a MEs/EPPs, mesmo sem se enquadrarem nesta condição, porque ultrapassavam os limites máximos de receita bruta anual à época previstos na Lei Complementar 123/2006.
2. Considerando a entrada em vigor da Lei Complementar 139/2011 (que elevou tais limites), a Corte local vislumbrou a ocorrência de abolitio criminis, uma vez que as sociedades empresárias se enquadravam a estes novos patamares, instituídos após a prática dos fatos.
3. Alterações legais posteriores não são capazes de modificar a dinâmica fática já ocorrida, porque a conduta delitiva imputada aos réus é a falsa declaração de uma situação fático-jurídica então inexistente. Uma modificação legislativa que dê novo enquadramento ao atual regime das empresas não muda o fato de que, em 2011, a informação prestada à Administração Pública foi, em tese, falsa.
4. As sucessivas revisões dos quantitativos máximos da Lei Complementar 123/2006, para fazer frente à inflação, não descaracterizam crimes cometidos anteriormente.
5. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial, a fim de afastar a absolvição sumária e determinar que o processo tenha seguimento no primeiro grau. (AREsp 1526095/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 08/06/2021, DJe 11/06/2021)
Fonte: Informativo 700 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – leia aqui.
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