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Evinis Talon

STJ: a transferência de estabelecimento prisional deve ser justificada, não servindo para “punir” o condenado pelos delitos cometidos

05/09/2019

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Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 383.102/PR, julgado em 14/03/2017 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 217-A DO CP. DECRETO CONDENATÓRIO. REGIME FECHADO. DETERMINAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA DO RÉU DE CENTRO DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL DIRIGIDO PELA APAC PARA ESTABELECIMENTO PRISIONAL ESTADUAL CONVENCIONAL. 1. O direito penal não é instrumento de vingança, seja individual seja social; nem a Justiça é o meio de efetivá-la. Não é de aceitar-se o entendimento de Van Bemelen de que: Na realidade a justiça não é mais que a antiga vingança impessoal coberta de um verniz filosófico. Raspai a justiça e achareis a vingança (Tourinho Neto). 2. As penas devem visar à reeducação do condenado. A história da humanidade teve, tem e terá compromisso com a reeducação e com a reinserção social do condenado. Se fosse doutro modo, a pena estatal estaria fadada ao insucesso (Nilson Naves). 3. No caso, o Tribunal local determinou, após dar provimento ao recurso do Ministério Público, a imediata transferência do apelado à penitenciária estadual, removendo-o da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – APAC da comarca de Barracão/PR, onde se encontrava desde 2014. Para tanto, considerou o longo tempo de pena a cumprir, a gravidade dos crimes pelos quais foi condenado, bem como o fato de que as sanções impostas ao acusado, enquanto cumpridas na APAC, não estariam encontrando ressonância em seu caráter de retribuição, castigo e intimidação, previstos pelo sistema penal brasileiro. 4. Sob a roupagem de que o estabelecimento atual é incompatível com a situação do paciente, tomou-se a decisão sem nenhuma referência a elemento concreto a justificar a remoção. Não servindo para justificar a transferência a necessidade de serem realizados sacrifícios pessoais pelo condenado, a fim de que este “pague” pelos delitos que cometeu na exata medida da dor causada às vítimas e suas famílias, muito menos conjecturas sobre os riscos de fuga. 5. De acordo com a Juíza da execução de Barracão, o paciente tem excelente comportamento carcerário e a APAC tem capacidade para gerenciar a execução da pena, inclusive no que tange à prevenção de qualquer tipo de fuga. Além disso, destaca que há regras administrativas tão rigorosas quanto às impostas pela Lei de Execução Penal, que o comando da sentença condenatória é rigorosamente cumprido e que há baixo custo e alto índice de ressocialização. 6. Ordem concedida para cassar o acórdão no ponto em que determina a remoção do paciente do Centro de Reintegração Social de Barracão/PR dirigido pela APAC. (HC 383.102/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 14/03/2017, DJe 22/03/2017)

Leia a íntegra do voto:

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (RELATOR): O paciente estava a cumprir pena no Centro de Reintegração Social de Barracão/PR dirigido pela APAC desde 10/11/2014, conforme decisão do Juízo de Curitiba/PR. Houve remoção ao Juízo de Guarapuava em 15/11/2014. A seguir, em 19/12/2014, sobreveio decisão do Tribunal de Justiça paranaense, determinando o retorno do paciente ao Centro localizado em Barracão/PR. E, recentemente, em acórdão proferido no dia 8/12/2016, a Corte estadual, ao dar provimento ao apelo do Ministério Público local, determinou a imediata transferência do apelado condenado à Penitenciária estadual, compatível ao meio carcerário cominado no acórdão, removendo-o da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados [APAC] da Comarca de Barracão (fl. 243).

É em razão de tal determinação que foi ajuizado o presente writ.

Todos sabem que a APAC (entidade civil de Direito Privado) opera como auxiliar dos Poderes Judiciário e Executivo, respectivamente, na execução penal e na administração do cumprimento das penas privativas de liberdade nos regimes fechado, semiaberto e aberto. A principal diferença entre a APAC e o sistema prisional comum é que, na APAC, os próprios presos são corresponsáveis pela sua recuperação e têm assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica prestada pela comunidade.

Bom, no caso, estas são as informações transmitidas pela Relatora no Tribunal local (fls. 331/405 – grifo nosso)

Trata-se de decisão proferida pela Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná na Apelação Criminal nº 1.522.359-3 (NPU 170-62.2013.8.16.0141), que deu provimento ao recurso apresentado pelo Ministério Público estadual, para o fim de “condenar o acusado pela prática do ilícito descrito no artigo 217-A do Código Penal, por duas vezes, impondo-lhe a pena definitiva de 11 (onze) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado” [cópia do acórdão em anexo].

Para além da condenação, o órgão colegiado também determinou “a imediata transferência do condenado à Penitenciária Estadual compatível ao meio carcerário cominado neste acórdão, removendo-o da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados [APAC] da Comarca de Barracão”. Esta deliberação específica ora é atacada pelos impetrantes pela via do Habeas Corpus. Sobre os fundamentos que conduziram tal decisão, convém elucidar que, com base no novo édito repressivo que se proferia e não ignorando a situação processual executória do paciente, esta Corte compreendeu que a Associação de Proteção e Assistência dos Condenados (APAC) da Comarca de Barracão não se enquadra como estabelecimento compatível com a sanção cominada ao Sr. EDUARDO ANDRÉ GAIEVSKI. Explica-se. A Apelação Criminal de relatoria desta Magistrada constituiu a décima terceira condenação proferida em desfavor do recorrente pela prática de crimes sexuais1. Conforme consignado na deliberação combatida, os reproches impostos ao paciente já somam mais de 100 (cem) anos de reclusão. Por outro lado, a Associação de Proteção e Assistência dos Condenados da Comarca de Barracão mostra-se como estabelecimento penal de segurança mínima, que, apesar de contar com prestígio popular e certa taxa de sucesso em seus métodos de ressocialização, não se mostra como alternativa plausível para servir como estabelecimento prisional ao paciente. Destaca-se que esta conclusão não foi exclusiva do órgão colegiado, porquanto, como ressaltado no acórdão combatido, o Ministério Público da Comarca de Barracão [conhecedor das particularidades do local] já havia manifestado discordância com a permanência do Sr. EDUARDO na APAC daquele município, o que se deu em 19 de novembro de 2014. Retira-se do mov. 62.1 dos autos eletrônicos nº 8640-28.2014.8.16.0083: […] Portanto, além de o órgão colegiado ter motivado a decisão no não atendimento dos fins da pena, existe também fundamentação concernente à falta de segurança da instituição, dada a periculosidade concreta do acusado [repise-se, condenado por treze vezes], não olvidando, ainda, o fato daquela Comarca fazer fronteira seca com país vizinho (Argentina). Importante destacar, noutra senda, que a defesa do Sr. EDUARDO ANDRÉ GAIEVSKI apresentou perante esta Corte Estadual as mesmas insurgências levadas a Vossa Excelência, na forma de Embargos de Declaração, os quais foram rejeitados pelo órgão fracionário em julgamento realizado no dia 15 de dezembro de 2016 [cópia do acórdão em anexo]. Naquela oportunidade, esta Quinta Câmara Criminal pronunciou sobre a aventada contrariedade da deliberação de transferência prisional do acusado com os julgamentos prévios da Carta Testemunhável nº 1.447.781-9 e do Habeas Corpus nº 1.321.453-8: […]

Por intermédio do mesmo aresto foram rejeitadas as demais teses arguidas nos aclaratórios [incompetência para o julgamento do apelo e utilização, no acórdão condenatório, de informações que não se encontravam encartadas aos autos]. Eram estas, Senhor Ministro, as breves considerações reputadas relevantes para instruir a Superior Instância no julgamento do writ, demonstrando a Vossa Excelência que o caso concreto possui contornos extremamente complexos.

Mencionado nas informações o acórdão dos embargos de declaração, convém também sua leitura, nos pontos que ora interessam (fls. 251/253):

Em verdade, o acórdão combatido em nenhum momento entrou em contradição com os referidos pronunciamentos colegiados ao determinar que o cumprimento da pena imposta ao paciente se dê em estabelecimento prisional diverso da APAC. Primeiramente, quanto ao Habeas Corpus oriundo da 4ª Câmara Criminal desta Corte, de Relatoria do Excelentíssimo Desembargador Carvílio da Silveira Filho (nº 1.447.781-9), cumpre esclarecer que teve como ato impetrado ordem oriunda da Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, que deliberou a transferência prisional do Sr. EDUARDO GAIEVSKI. Ocorre que o mandamus foi concedido naquela oportunidade pelo órgão colegiado da 4ª Câmara Criminal, pois tratava-se de ato administrativo sobre matéria que necessariamente exigia interferência de autoridade judicial. Aquela eminente Câmara Criminal, com acerto, compreendeu não ser possível a modificação de decisão judicial prévia pelo Poder Executivo. Em momento algum aquele aresto determinou que a competência para execução penal seria [de forma imutável, conforme pretende fazer crer o embargante] da Comarca de Barracão. Apenas houve por bem reestabelecer o status quo ante da ilegal deliberação oriunda do Governo Estadual. No que toca à Carta Testemunhável nº 1.447.781-9, oriunda desta 5ª Câmara Criminal e de Relatoria do Excelentíssimo Desembargador José Laurindo de Souza Netto, também não sucede a conclamada contradição. Isto porque o mencionado aresto [que julgou, conjuntamente, agravo em execução interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná e não recebido pela Magistrada atuante na Comarca de Barracão] foi proferido em momento diverso, enquanto não se tinha conhecimento de todas as condenações que agora pesam em desfavor do recorrente [as quais foram minuciosamente avaliadas na decisão combatida]. À época, os recursos de apelação interpostos pelo Sr. EDUARDO GAIEVSKI ainda pendiam de apreciação por esta Corte, tratando-se, por consequência, seu encarceramento, de prisão provisória. Tanto é que, até o momento atual, não foram unificadas as penas cominadas ao réu em primeiro e segundo graus de jurisdição, apesar de já existir parecer do Ministério Público sobre a matéria, datado de 26 de junho p. passado (mov. 220.1 do procedimento eletrônico nº 8640-28.2014.8.16.0083). O acórdão combatido, por outro lado, veio a estabelecer pena em desfavor do sentenciado [leia-se: recolhimento diverso da prisão preventiva] e instituiu para o correspondente cumprimento estabelecimento penal compatível ao regime fechado e à gravidade concreta dos crimes por ele praticados. De se anotar, ademais, que se trata de decisão colegiada, que, por evidente, fora submetida ao duplo grau de jurisdição. Não há, portanto, qualquer vício no julgado hostilizado, vez que, segundo ensina a doutrina, a contradição aferível por meio dos embargos declaratórios deve ser aquela que ocorre entre trechos de uma mesma decisão – e não entre decisões diversas, proferidas por órgãos julgadores diferentes –. […] In casu, não se afigura a contradição apontada, na medida em que o órgão colegiado fez-se claro ao concluir pela necessidade de o réu cumprir a reprimenda corporal em estabelecimento criminal tradicional, expondo, de forma fulgente, os motivos pelos quais considera a APAC insubsistente para tal fim. E nem se diga que foi ignorada a Resolução nº 93/2013 do colendo Órgão Especial, uma vez que o acórdão foi expresso ao estabelecer que a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados não era capaz de imprimir os objetivos da sanção privativa de liberdade na hipótese concreta – e não de forma genérica –. Dito isto, impende a rejeição da tese.

Os fundamentos que levaram o Tribunal paranaense a determinar a remoção do paciente foram assim expostos no acórdão da apelação (fls. 238/242):

[…] Registre-se que a sanção deverá ser cumprida em Penitenciária Estadual compatível ao meio carcerário imposto, notadamente porque a gravidade concreta dos fatos pelos quais o Sr. EDUARDO está sendo condenado, somado à existência de outros 12 (doze) prévios éditos repressivos por crimes sexuais proferidos em seu desfavor – tendo vários deles sido confirmados por este segundo grau de jurisdição6 – demostram a incompatibilidade de seu recolhimento com o estabelecimento da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados [APAC] da Comarca de Barracão, donde se encontra atualmente. Sobre este particular, aliás, convém destacar, inicialmente, que o próprio Ministério Público da Comarca de Barracão já registrou este mesmo posicionamento nos autos nº 8640-28.2014.8.16.0083, de execução de pena do Sr. EDUARDO (mov. 62.1, verbis):

“[…] este Promotor de Justiça tem a informar que é da essência das APAC’s (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado) a ausência de segurança convencional, tais como agentes penitenciários e policiais militares, baseando-a a organização e disciplina por meio dos próprios condenados, nominados como recuperandos. Destaco ainda que embora haja discrição de crimes entre os recuperandos, basicamente os condenados possuem penas não muito elevadas, de modo a possibilitar que ingressem no regime fechado e semiaberto, ofertando-se diversos cursos e aulas para fins de remição de pena. No caso em apreço, embora não seja mera ilação, o réu Eduardo possivelmente cumulará dezenas de anos de condenação após unificação de penas em relação a todas as ações penas a que responde. Outrossim, destaca-se que além da ausência de segurança no local, a APAC dista menos de 2 quilômetros da fronteira com a Argentina, sendo fronteira seca, bastando cruzar uma calçada para o ingresso naquele país. Ainda, há possibilidade concreta de tratamento privilegiado do réu Eduardo na APAC, em total afronta à isonomia constitucional, vez que no período de cinco dias em que esteve preso no local chegou ao conhecimento do Ministério Público que houve visita ao mesmo do atual prefeito de Realeza, fora dos dias e horários dispostos na disciplina da APAC . Não é demais frisar também o grande envolvimento dos funcionários da direção da APAC com o referido réu no período, vez que houve ‘choro’, ‘lágrimas’, da diretora e da gerência da APAC com a transferência do mesmo para Guarapuava, havida no último sábado pela manhã (15/11/2014). Basta observar estes sinais para se concluir que a permanência do mesmo no local este seria tratado de forma privilegiada. Lembro, ainda, que o réu Eduardo fora preso em agosto de 2013, em Foz do Iguaçu, após expedição de mandado de prisão pelo juízo de Realeza/PR, ocasião em que o mesmo permaneceu mais de uma semana foragido. Por fim, em março deste ano a Ministra Gleise Hoffmann este fazendo visita à APAC, no qual teceu grandes elogios à instituição. Nota-se que neste período o réu já se encontrava recluso. Ante o exposto, informo que a APAC atende aos regimes fechado e semiaberto, bem como as condições do local não oferecem segurança para o cumprimento de pena do mesmo, seja pela estrutura física, seja pelo corpo de funcionários, s eja ainda pela sua localização geográfica, condições estas que possibilitariam risco concreto de fuga do mesmo para o país vizinho” (grifou-se).

Como já antecipado, a presente condenação afigura-se como sendo a décima terceira proferida em desfavor do recorrente pela prática de crimes sexuais. Evidente que tamanhos reproches [que já ultrapassam, ao total, 100 (cem) anos de reclusão] não se mostram compatíveis com estabelecimento de segurança mínima e onde a privação de liberdade é abrandada, pois vêm em desatendimento aos próprios fins da pena. Conforme ensina GUILHERME DE SOUZA NUCCI, a pena é “a sanção imposta pelo Estado, através da ação penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção de novos crimes. […] Conforme o atual sistema normativo brasileiro, a pena não deixa de possuir as características expostas: castigo + intimidação ou reafirmação do Direito Penal + recolhimento do agente infrator e ressocialização” (in Manual de Direito Penal, 9ª edição. São Paulo, Editora RT, 2013. p. 400). No caso, é evidente que as sanções impostas ao acusado, enquanto cumpridas na APAC de Barracão, não vêm encontrando ressonância em seu caráter de retribuição, castigo e intimidação, previstos pelo sistema penal brasileiro. Ora, a reprimenda criminal, por sua própria natureza, pressupõe sejam realizados sacrifícios pessoais pelo condenado, a fim de que este ‘pague’ pelos delitos que cometeu na exata medida da dor causada às vítimas e suas famílias. Na hipótese em julgamento, pode-se dizer inclusive que o Sr. EDUARDO mostra-se ‘contente’ com sua estadia no atual estabelecimento, conforme ele mesmo registrou, durante a gravação de documentário sobre a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados de Barracão, que ‘deseja ajudar na fundação de novas APACs’ 7 . Tal registro audiovisual demonstra inexistir qualquer intimidação pessoal do réu causada pela instituição, ou mesmo que seu cumprimento de pena tenha conotação de castigo para ele. Pelo contrário, o apenado mostrou, ao contrassenso de outras situações análogas, satisfação de estar no local [em detrimento de outras prisões] e inclusive deseja fundar estabelecimentos similares. Não se questiona aqui a efetividade e o sucesso dos métodos da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados aplicados às penas mais brandas [especialmente aquelas pertencentes ao regime semiaberto], contudo, mostra-se leviano recomendar, de forma genérica, a utilização do local para toda e qualquer situação penal. Em verdade, o caso do Sr. EDUARDO ANDRÉ GAIEVSKI mostra-se como exceção ao modelo APAC, pois, rememore-se, a gravidade concreta dos múltiplos ilícitos por ele cometidos recomenda uma resposta estatal mais firme. Destarte, a fim de que a pena ora imposta ao Sr. EDUARDO [repise-se, sua décima terceira condenação] encontre seus devidos fins de retribuição, mostra-se essencial seja ela cumprida em estabelecimento de reclusão tradicional. Promova-se, pois, in continenti, à transferência prisional.

As expressões do julgado que mais me chamaram a atenção foram as que denotam que o conceito de Justiça está próximo do de vingança; que a pena é o troco por algo prejudicial que foi sofrido por alguém. Destaco, por exemplo, estes trechos:

 […] no caso, é evidente que as sanções impostas ao acusado, enquanto cumpridas na APAC de Barracão, não vêm encontrando ressonância em seu caráter de retribuição, castigo e intimidação, previstos pelo sistema penal brasileiro.

[…] a reprimenda criminal, por sua própria natureza, pressupõe sejam realizados sacrifícios pessoais pelo condenado, a fim de que este ‘pague’ pelos delitos que cometeu na exata medida da dor causada às vítimas e suas famílias.

Ocorre que o direito penal não é instrumento de vingança, seja individual seja social; nem a Justiça é o meio de efetivá-la. Não é de aceitar-se o entendimento de Van Bemelen de que: Na realidade a justiça não é mais que a antiga vingança impessoal coberta de um verniz filosófico. Raspai a justiça e achareis a vingança. Transcrevo essas palavras de um recurso especial apreciado aqui no Superior Tribunal de Justiça, interposto contra acórdão da Relatoria do Desembargador Federal Tourinho Neto (Apelação n. 2003.36.00.008505-4). Ali, S. Exa. faz ainda ponderações a respeito da finalidade da pena que é, também, fazer com que o condenado volte ao convívio social sem sequelas que o impeçam de ter uma vida normal. Não é que se queira a lei como a serpente que só pica ao que está descalço (la ley es como la serpiente; solo pica al que está descalzo). O direito penal não pode ser um direito de cólera […].

De acordo com precedente desta Turma, as penas devem visar à reeducação do condenado. A história da humanidade teve, tem e terá compromisso com a reeducação e com a reinserção social do condenado. Se fosse doutro modo, a pena estatal estaria fadada ao insucesso (PExt no HC n. 46.804/SC, Ministro Nilson Naves, DJe 28/4/2008).

Além disso, como também afirmou o Ministro Nilson Naves, se se lhe nega o caráter de correção, de readaptação do condenado, a pena estatal privativa de liberdade se desfigura, deslegitima-se até, e ao Estado, então, faltariam meios que a justificassem legítima e legalmente (HC n. 73.020/PB, relator para o acórdão Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJe 15/9/2008).

E, conforme delineia o art. 1º da Lei de Execução Penal, a execução tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Curvou-se a lei – de acordo com a respectiva Exposição de Motivos –, sem questionar profundamente a grande temática das finalidades da pena, […] ao princípio de que as penas e as medidas de segurança devem realizar a proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor à comunidade.

Na espécie em análise, não questiono (nem são relevantes no momento) os motivos pelos quais o ora paciente foi, originalmente, transferido para a APAC de Barracão, mas as razões da atual determinação do Tribunal estadual. Sob a roupagem de que o estabelecimento atual é incompatível com a gravidade dos delitos praticados e com a pena imposta ao paciente, tomou-se a decisão sem nenhuma referência a elemento concreto a justificar a remoção. Sem contar que nem sequer não foi posta em dúvida a autorização do Estado do Paraná para a adoção daquele modelo de cumprimento de pena em regime fechado.

A propósito da execução provisória do paciente, convém a leitura das informações da Juíza a quo, a qual destaca o excelente comportamento dele e a capacidade da APAC para gerenciar a execução da pena, inclusive no que tange à prevenção de qualquer tipo de fuga (fls. 290/304 – grifo nosso):

Neste Juízo, há os autos n. 8640-28-2014.8.16.0083, de execução da pena. tratando-se dos autos principais n. 2536-74.2013.8.16.0141. O paciente cumpre pena perante este Juízo de Execução da Pena de Barracão/PR, por força de duas decisões do egrégio Tribunal de Justiça paranaense:

1) Habeas Corpus n. 1.321.453-8. da Segunda Vara de Execuções Penais do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, que assim decidiu: “Paciente condenado a 33 anos e 1 mês de reclusão em regime fechado pela prática dos crimes contra a dignidade sexual – ato administrativo que não observou as formalidades legais – competência do Juízo da execução da pena para remoção do condenado a outra Comarca ou Presidio – Principio da Separação dos Poderes – Necessidade de obediência ao devido processo legal – Ausência de oitiva do paciente – Violação do principio do contraditório e ampla defesa – Confirmação da liminar que determinou a imediata remoção do paciente para penitenciária da Comarca de Barracão, conforme determinado na decisão judicial – ordem concedida” (destaquei).

2) Carta Testemunhável n. 1447781-9, de 28/4/2016: “Despacho que reconheceu Barracão como Juizo de Execução e Decidiu pela permanência do réu – presença de interesse recursal – interesse do MP em fazer valer a decisão de Realeza que determinou a remoção do preso para Francisco Beltrão – Provimento que se impõe necessidade de conhecimento do recurso de agravo – possibilidade de julgamento – presença de todos os elementos – inteligência do artigo 644 do CPP – Reconhecimento de Barracão como o Juízo da execução Argumentos da promotoria que não se sustentam: fuga, falta de segurança e pena elevada. Carta testemunhável provida. Agravo em Execução desprovido” (destaquei). Da Carta Testemunhável, extraio: “Ademais, restou observado que o apertado tem demonstrado bom comportamento e, por isso, feito jus a permanecer naquele estabelecimento prisional, tanto que foi liberado para ir no enterro de sua sogra sem qualquer tipo de transtorno, além de ter saído da unidade por diversas vezes, para prestar depoimento em Realeza e Francisco Beltrão. Fazer prevalecer a decisão do juízo condenatório significa afrontar os dispositivos legais que preveem a competência do juízo da execução para decidir sobre eventual remoção do preso. Confira-se: Ad. 66. Compete ao juiz cia execução: (…) 111 – decidir sobre: O incidentes da execução: g) o cumprimento de pena ou medida de segurança em outra comarca; h) a remoção do condenado na hipótese prevista no § 1°, do artigo 86 desta Lei (destaquei). Há, portanto, duas decisões do egrégio Tribunal de Justiça paranaense já decidindo, de forma pacifica, que este Juízo de Execução da Pena de Barracão/FR é o competente para o cumprimento de pena. Diante disso, houve a autuação e distribuição dos autos 8640-28-2014.8.160083. que ora regem a execução da pena do paciente EDUARDO ANDRÉ GAIEVSKI.

 A – O processo único de execução da pena A disciplina atual. visando celeridade e organização. no cumprimento de pena, determina a existência de um único processo de execução para cada sentenciado. Observe-se: […] Nessa disciplina, figura o Juízo de Execução da Pena de Barracão, portanto. corno Juízo competente para a execução das penas impostas ao paciente EDUARDO ANDRÉ GAIEVSKI. A condenação promovida pelo y. acórdão (apelação criminal n. 1.522.359-3) é nova, eis que o douto Juízo de primeiro grau, na apreciação dos fatos em juízo de conhecimento, absolveu o paciente. Ao condenar o paciente, no seio da apelação criminal n. 1.522.359-3, o egrégio TJPR dá vez a unia nova execução que, extraída a carta de guia, conforme a Resolução CNJ 113/2010 c/c Instrução Normativa Conjunta n. 2/2013 do PR, será encaminhada ao juízo da execução da pena.

B – O comportamento do paciente O paciente tem excelente comportamento carcerário, contribuindo para o cumprimento da pena dele e dos demais recuperandos, não havendo qualquer incidente interno ou externo que desabone a permanência do paciente no Centro de Reintegração Social de Barracão, eis que cumpre rigorosamente com a disciplina e com as exigências do método APAC. Igualmente, diante da proximidade com sua família, recebe visitas todos domingo, no período permitido pela direção do estabelecimento de cumprimento de pena.

C – A capacidade da APAC para gerenciar a execução da pena Sou Juíza desde os 23 anos de idade. Hoje, com 38 anos, afirmo, com segurança. e sem novidade, que, durante esse tempo de carreira, constatei a total falência do sistema penitenciário estadual. A desumanidade com que os cidadãos brasileiros presos são tratados choca. A desumanidade com que as famílias desses cidadãos brasileiros presos são tratadas espanta. Considerando o contexto da execução da pena. hoje, bem como os conhecimentos técnicos e específicos que adquiri a partir de 2010 (quando conheci o método APAC de execução penal), afirmo, corn segurança, que o Estado não dispõe do conhecimento técnico necessário para gerenciar a execução penal. A grande prova são as inúmeras rebeliões vivenciadas desde o início de 2017. Quanto ao Estado do Paraná, desde 2014 há episódios lamentáveis, em que cidadãos brasileiros custodiados, sob a égide do Estado do Paraná, foram mortos e expostos a todos os tipos de tortura e tratamento desumano. Isso não é sistema penitenciário. Isso é um holocausto institucionalizado. Só em 2014, no Estado do Paraná, foram mais de 20 rebeliões […]. A forma desregrada de gerenciar as atuais Penitenciárias (gigantescos monumentos, que amontoam cidadãos brasileiros presos) surpreende negativamente inclusive pelos custos: cada preso custa, para o Estado paranaense, 4 salários mínimos. Há professores que não recebem esse valor mensalmente, eis que o piso salarial q de R$ 1.699,95 (fonte http://noticia.terra.com.br/educacao/salarios-professores/). O altíssimo valor empregado em cada preso (R$ 2.896,00) somente se justificaria se o preso voltasse bem para a sociedade. Não é o que se comprova. Hoje, de cada 100 presos que voltam para a sociedade, 86 cometem novos crimes. A estatística permite afirmar, com segurança, que o Estado do Paraná, hoje, emprega R$ 2.896,00 por preso e emprega mal esses valores, porque a ressocializacão não chega a 14%. As penitenciárias, hoje, constituem um grande perigo para toda a sociedade: preparam os cidadãos brasileiros para a prática de novos crimes, para a prática de crimes piores. São um verdadeiro risco para a nossa sociedade. As palavras do então Procurador de Justiça de Minas Gerais. TOMAZ DE AQUINO RESENDE, são precisas: “o sistema de execução penal brasileiro está falido. Ele chega a ser, no meu ponto de vista, criminoso Gasta-se uma fábula de recursos, do erário, do contribuinte para piorar as pessoas” (https://www.youtube.com/watch?v=PbLCAU76E4A). Por mais que haja boa vontade (e há) no gerenciamento da execução da pena, os resultados demonstram que o Estado está fracassando na administração da execução penal e é impressionante constatar que há reiteração dos erros estatais, investindo em um modelo falido. Os altos custos e os reduzidos Índices de ressocialização apontam para a necessidade de uma mudança no gerenciamento das penitenciárias. Conforme o conhecido Juiz brasileiro, LEOBERTO BRANCHER, em entrevista à AMB Informa, “Nosso sistema de controle penal hoje é irracional, disfuncional, perdeu o sentido. Mesmo assim, gastamos fortunas nisso”. Em meio a todo esse cenário – conhecido pelos Juizes criminais de há tempo – assisti a um DVD que retratava um cenário de pena jamais conhecido neste Estado do Paraná: disciplina, responsabilidade, rigor no cumprimento de todas as atividades propostas, dignidade. Era um DVD que divulgava um método já conhecido no Brasil, no Estado de São Paulo, desde 1972, com excelentes resultados: o método APAC. Cuida-se de um método de execução da pena que aplica, como nenhum outro, integralmente, todas as disposições da Lei de Execução Penal – Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. O cumprimento da pena pelo método APAC é o único que dá resultados comprovados estatisticamente; é o único com custo extremamente baixo para o Estado do Paraná. É o único que cumpre, rigorosamente, o comando da sentença criminal condenatória. É muito mais rigoroso do que o convencional. Há regras administrativas (do método APAC), tão rigorosas quanto às impostas pela LEP. O comando da sentença condenatória é rigorosamente cumprido: 8 anos de perda de liberdade; não 8 anos de perda de dignidade; não 8 anos de perda de convívio familiar. Quando iniciamos os trabalhos com a APAC de Barracão, dois presos solicitaram o retorno à Penitenciária, considerada a rígida disciplina exigida no cumprimento de pena na APAC. O cumprimento da pena é realizado com todo o rigor previsto na sentença criminal condenatória. O acompanhamento de todos os presos é realizado, diuturnamente, pelos funcionários contratados pela APAC. O trabalho apresenta pleno êxito e, em mais de 4 anos de efetiva aplicação, já houve a progressão ao regime aberto de 139 presos.

D – A estrutura criada pelo próprio Estado do Paraná A APAC de Barracão gerencia a aplicação do método APAC mediante convênio formal firmado com o Estado do Paraná, em 26/9/2012, com duas finalidades principais: 1) aumentar o índice de ressocialização; 2) diminuir os custos de aplicação da pena. Os resultados obtidos são os melhores possíveis: 1) o custo por preso não chega a 1 salário mínimo e meio: 2) o Índice de ressocialização é de mais de 90%: c) os empresários locais aceitaram a proposta, havendo crescente Índice de solicitação de presos para trabalho em empresas da cidade; d) a população aceitou a nova proposta de de execução da pena e apoia essa iniciativa na Comarca de Barracão desde o início de nossos trabalhos, havendo inúmeros voluntários locais que atuam nas atividades previamente definidas. A APAC gerencia a aplicação do método no Centro de Reintegração Social de Barracão (CRESB), unidade do sistema penitenciário estadual O CRESB funciona, hoje, exatamente onde funcionava a Delegacia de Policia Civil de Barracão. Os presos do regime fechado permanecem exatamente onde eram as celas dos presos provisórios. A estrutura da unidade CRESB. portanto, aproveitou a própria estrutura já construída da Delegacia de Polícia Civil de Barracão. Trata-se, exatamente, da estrutura edificada pelo Estado do Paraná para as celas da Delegacia de Policia Civil. É evidente que a estrutura é preparada para evitar fugas. Uma associação preparada para gerenciar a aplicação de um método para o cumprimento de pena demanda técnicas e habilidades para manter presos custodiados. Nesse sentido, o CRESB é instituição preparada para prevenir qualquer possibilidade de fuga. O CRESB está adequadamente construído para a custódia de presos no regime fechado e semiaberto. Há concreto armado e grades por todos os lados, de modo que os presos que ali cumprem pena não encontram nenhuma possibilidade de fuga. De outro lado, o risco de fuga é permanente no sistema convencional, apesar do exagerado aparato de policiais, agentes penitenciários, e gigantescos edifícios, conforme destaco: […] A APAC, hoje, trabalha com uma única vocação: a proteção de nossa sociedade, como a única associação especializada em execução penal, que, hoje, gerencia a execução da pena de forma eficaz, com baixo custo e alto índice de ressocialização. Conforme o Juiz brasileiro LEOBERTO BRANCHER, referindo-se à Justiça Restaurativa, em conclusão que se aplica, inteiramente aqui: “A nossa necessidade é de promover segurança, paz e bem-estar social. Se a gente tiver estratégicas mais eficientes, menos violentas e mais resolutivas, elas merecem ser testadas”. […]

Diante do exposto e das considerações feitas pela Juíza Branca Bernardi, não me parece que o acórdão atacado seja incensurável – como opinou o Subprocurador-Geral da República Franklin Rodrigues da Costa.

Assim, ratificando a liminar deferida, voto pela concessão da ordem para cassar o acórdão no ponto em que determina a remoção do paciente do Centro de Reintegração Social de Barracão/PR dirigido pela APAC.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca – cursando), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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