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Evinis Talon

STJ: A soberania do veredicto do Tribunal do Júri não impede a desconstituição da decisão por meio de revisão criminal

03/06/2019

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Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1304155/MT, julgado em julgado em 20/06/2013 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CONHECIMENTO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL. REVISÃO CRIMINAL JULGADA PROCEDENTE, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. ART. 621, I E III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ERRO JUDICIÁRIO, POR CONTRARIEDADE À PROVA DOS AUTOS. EXISTÊNCIA DE PROVAS DA INOCÊNCIA DO RÉU. ABSOLVIÇÃO, PELO TRIBUNAL DE 2º GRAU. POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE OFENSA À SOBERANIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. I. Transitada em julgado a sentença condenatória, proferida com fundamento em decisão do Tribunal do Júri, o Tribunal a quo julgou procedente a Revisão Criminal, ajuizada pela defesa, absolvendo, desde logo, o réu, por ocorrência de erro judiciário, em face de contrariedade à prova dos autos, bem como pela existência de novas provas de sua inocência, a teor dos arts. 621, I e III, e 626 do CPP. II. Fundamentado o acórdão recorrido em matéria constitucional e infraconstitucional, tendo sido interposto também Recurso Extraordinário, é de ser conhecido o Recurso Especial, por ofensa a dispositivos legais, relacionados, no caso, ao art. 74, § 1º, do CPP e ao cabimento da Revisão Criminal (art. 621, I e III, do Código de Processo Penal). Recurso Especial conhecido. III. A Revisão Criminal objetiva proteger o jus libertatis, somente podendo ser utilizada pela defesa. IV. O Tribunal competente para julgar a Revisão Criminal pode, analisando o feito, confirmar a condenação, ou, no juízo revisional, alterar a classificação do crime, reduzir a pena, anular o processo ou mesmo absolver o condenado, nos termos do art. 626 do CPP. V. Uma vez que o Tribunal de origem admitiu o erro judiciário, não por nulidade no processo, mas em face de contrariedade à prova dos autos e de existência de provas da inocência do réu, não há ofensa à soberania do veredicto do Tribunal do Júri se, em juízo revisional, absolve-se, desde logo, o réu, desconstituindo-se a injusta condenação. Precedente da 6ª Turma do STJ. […] (REsp 1304155/MT, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEXTA TURMA, julgado em 20/06/2013, DJe 01/07/2014)

Leia o voto:

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (RELATOR): Discute-se no presente recurso se o Tribunal, ao julgar procedente ação de revisão criminal, sob o fundamento de a condenação imposta pelo Tribunal do Júri ser manifestamente contrária à prova dos autos, poderia absolver desde logo o acusado ou deveria submetê-lo a novo julgamento pelo órgão popular.

A meu sentir, não obstante existam precedentes desta Corte que, em recurso especial, enfrentaram a questão, um deles indicado como paradigma nas razões recursais, tenho que o debate travado no presente recurso tem natureza exclusivamente constitucional, estando, portanto, fora dos limites da presente via excepcional.

Com efeito, a discussão acerca da possibilidade de o Tribunal absolver, em revisão criminal, condenado por crime doloso contra a vida tem como origem única e exclusivamente a norma constitucional que dotou os veredictos do Tribunal do Júri de soberania (art. 5º, XXXVIII, c, da CF), a qual não é reproduzida em nenhum outro dispositivo infraconstitucional.

Deve ser mencionado que, nas razões do especial, inclusive, alegou-se afronta ao referido artigo, apesar de ser cediço que, nessa via recursal, é descabida a análise da alegação de afronta a artigo da Constituição.

Destarte, o art. 74, § 1º, do Código de Processo Penal – indicado como violado – apenas estabelece que compete Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados, sem atribuir caráter especial aos julgamentos por ele efetivados.

Na verdade, trata-se de apenas mais uma norma, entre tantas no referido Diploma processual, que disciplina a repartição das competências para o julgamento das ações penais em primeiro grau. Em nada se diferencia – no âmbito infraconstitucional – das demais da mesma natureza, em relação às quais jamais houve qualquer dúvida acerca da possibilidade de absolvição em revisão criminal.

Mais uma vez, repita-se, a discussão surge em relação aos crimes dolosos contra a vida, tão somente em razão da norma constitucional que concedeu soberania aos veredictos proferidos pelo Tribunal do Júri.

Também o art. 621, I e III, do Código de Processo Penal, apontado como ofendido nas razões do especial, não traz nenhuma disciplina particular no tocante ao cabimento da ação de revisão criminal, quando se cuida de crime submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, mas apenas elenca hipóteses gerais de cabimento da referida ação.

Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; […] III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Em suma, a discussão travada no presente recurso pode ser resumida em uma só questão: a absolvição direta pelo tribunal, em ação de revisão criminal, ofende a soberania do Tribunal do Júri prevista na Constituição Federal? A resposta a essa indagação, entretanto, exige exclusivamente a análise da extensão da referida regra constitucional, o que refoge ao âmbito do recurso especial.

Outrossim, conforme se extrai do acórdão recorrido, o Tribunal de origem, com base em fundamento constitucional, entendeu que lhe era possível absolver diretamente o réu, sem com isso afrontar a soberania do Júri (fls. 427/428):

 […] O Pretório Excelso nos leciona constantemente que “… a soberania das decisões do Tribunal do Júri, as quais devem estar apoiadas numa das versões razoáveis dos fatos; entretanto, a versão adotada pelos jurados não pode ser inverossímil ou arbitrária.” (STF, HC 77809, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão: Min. Maurício Corrêa, 2ª T., j. 01.12.1998, DJ 18-05-2001 PP-00433 EMENT VOL-02031-05 PP-01017). Como visto, não se trata de se considerar o presente como permeado pela anemia probatória. O aspecto seguro é que não resta uma única prova do envolvimento do revisionando no pretendio hominis excidium, não podendo se sustentar a tese condenatória de Carlos Augusto Machado em registros de contatos telefônicos de conteúdo desconhecido mantidos com o corréu Adélio de Oliveira Filho, com quem possuía negócios em comum e estreito vínculo de amizade. Por outro lado, corretíssimas a meu aviso as lições de José Frederico Marques e de Sérgio Oliveira Médici, respectivamente: “A revisão atenta, aparentemente, contra a soberania dos veredictos, se deferida, pois que revoga a condenação que o júri proferiu. Todavia, ela, em tal caso, vem de encontro ao direito de liberdade do condenado, e, por isso, não viola o art. 141, § 28, da Constituição, que é preceito destinado a tutelar esse mesmo direito. A soberania dos veredictos não pode ser atingida enquanto preceito para garantir a liberdade do réu. Mas se ela é desrespeitada em nome dessa mesma liberdade, atentado algum se comete ao texto constitucional. Os veredictos do júri são soberanos enquanto garantem o jus libertatis. Absurdo seria, por isso, manter essa soberania e intangibilidade quando se demonstra que o júri condenou erradamente. Como também não se atenta contra a soberania dos jurados, se não se submete, a seu veredicto, uma lide penal resultante de homicídio doloso, por entender-se não punível, ou lícita, a conduta típica do réu.” (MARQUES, José Frederico. A instituição do júri, Editora Saraiva, 1963). “A revisão criminal, tal como prevista em nosso sistema legal, não comporta a separação de juízos. Tal critério é adotado em outros países, que expressamente determinaram a separação da revisão em duas fases – a do juízo rescindente e a do juízo rescisório. Não há, portanto, possibilidade de cessão do julgamento da revisão criminal no direito brasileiro. O tribunal competente, ao julgar a revisão pode: confirmar a condenação, alterar a classificação da infração, reduzir a pena, absolver o condenado ou anular o processo. No primeiro caso, a revisão é julgada improcedente e o processo está encerrado (não há judicium rescidens nem judicium rescissorium). Nos outros três, o tribunal rescinde a sentença (juízo rescindente) e profere novo julgado (juízo rescisório), com redução da pena ou absolvição plena.” (MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Revisão criminal. 2ª ed. Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 199). Está previsto no parágrafo 3º do artigo 593 da Lei Instrumental Penal: “Se a apelação se fundar no nº III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação.”

O que se está tratando neste julgamento não é recurso de apelação. É muito mais e, portanto, não se admite que possa ser levado a novo julgamento, uma vez que nulidade algum está se declarando, e sim estou admitido a inocência do réu diante da conjugação das provas anteriormente produzidas e as que foram posteriormente apresentadas. Assim, nenhuma ofensa à soberania do veredicto se promove com esta conclusão, consoante a lição de Sérgio de Oliveira Médici, até porque o lado organicístico e dinâmico do Direito não permite conclusão diversa. […]

Assentado o acórdão recorrido em fundamento exclusivamente constitucional, inviável a sua revisão em recurso especial.

Nesse sentido:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONCESSÃO DO SURSIS. ALEGADA DESPROPORCIONALIDADE DA RESPOSTA PENAL ESTATAL. MATÉRIA DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. INCOMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REEXAME DO MATERIAL PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Consoante firme entendimento desta Corte Superior de Justiça, é inadequado o recurso especial nas hipóteses em que o fundamento do aresto recorrido esteia-se exclusivamente em matéria de índole constitucional. […] 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag n. 1.388.435/RJ, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 6/11/2012) PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO QUE NÃO COMBATEU TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. APLICABILIDADE DA SÚMULA 182/STJ. AFRONTA AO ART. 190 DO CPP. ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. NEGATIVA DE VIGÊNCIA AOS ARTS. 59 E 68, AMBOS DO CP. DOSIMETRIA. MALFERIMENTO AO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. REEXAME FÁTICO E PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AFRONTA AO ART. 155 DO CPP. INOCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO FUNDADA EM PROVAS JUDICIALIZADAS. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º, XLVI, E 93, IX, AMBOS DA CF. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. NÃO CABIMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ART. 255/RISTJ. INOBSERVÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. […] 4. A análise de matéria constitucional não é de competência desta Corte, mas sim do Supremo Tribunal Federal, por expressa determinação da Constituição Federal. […] 6. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag n. 1.317.430/PE, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 13/8/2012).

Ante o exposto, não conheço do recurso especial.

Leia também:

  • Análise de caso concreto: teses contra a decretação da prisão preventiva – tráfico de drogas (leia aqui)
  • A teoria do domínio do fato e sua (má) utilização no ordenamento jurídico brasileiro (leia aqui)
  • A criminalização do recebimento dos honorários advocatícios (leia aqui)

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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