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Evinis Talon

STJ: a recusa injustificada do MP em oferecer o ANPP autoriza a rejeição da denúncia

05/10/2024

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STJ: a recusa injustificada do MP em oferecer o ANPP autoriza a rejeição da denúncia

No REsp 2.038.947-SP, julgado em 17/09/2024, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que a recusa injustificada ou ilegalmente motivada do Ministério Público em oferecer o acordo de não persecução penal autoriza à rejeição da denúncia, por falta de interesse de agir para o exercício da ação penal.

Informações do inteiro teor:

A aplicação das ferramentas de barganha penal observa uma discricionariedade regrada ou juridicamente vinculada do Ministério Público em propor ao investigado ou denunciado uma alternativa consensual de solução do conflito. Não se pode confundir, porém, discricionariedade regrada com arbitrariedade, pois é sob o prisma do poder-dever (ou melhor, do dever-poder), e não da mera faculdade, que ela deve ser analisada.

A margem discricionária de atuação do Ministério Público quanto ao oferecimento de acordo diz respeito apenas à análise do preenchimento dos requisitos legais, sobretudo daqueles que envolvem conceitos jurídicos indeterminados. É o que ocorre, principalmente, com a exigência contida no art. 28-A, caput, do CPP, de que o acordo só poderá ser oferecido se for “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”, expressão dotada de vagueza semântica que gera significativa controvérsia sobre a sua interpretação.

Vale dizer, não é dado ao Ministério Público, se presentes os requisitos legais, recusar-se a oferecer um acordo ao averiguado por critérios de conveniência e oportunidade. Na verdade, o que o Ministério Público pode fazer – de forma excepcional e concretamente fundamentada – é avaliar se o acordo é necessário e suficiente à prevenção e reprovação do crime, o que é, em si mesmo, um requisito legal.

O Ministério Público tem o dever legal (art. 43, III, da Lei Orgânica do Ministério Público – Lei n. 8.625/1993) e constitucional (art. 129, VIII, da CF) de fundamentar suas manifestações e, embora não haja direito subjetivo à entabulação de um acordo, há direito subjetivo a uma manifestação idoneamente fundamentada do Ministério Público. E cabe ao Judiciário, em sua indeclinável, indelegável e inafastável função de “dizer o direito” (juris dictio), decidir se os fundamentos empregados pelo Parquet se enquadram ou não nas balizas do ordenamento jurídico.

Assim, não cabe ao Ministério Público nem ao Poder Judiciário, salvo excepcionalmente em caso de inconstitucionalidade – como, por exemplo, reconheceu a Segunda Turma do STF em relação aos crimes raciais -, deixar de aplicar mecanismos consensuais legalmente previstos em favor do averiguado com base, apenas, na natureza abstrata do delito ou em seu caráter hediondo. Isso significaria criar, em prejuízo do investigado, novas vedações não previstas pelo legislador, o qual já fez a escolha das infrações incompatíveis com a formalização de acordo.

No caso, o Ministério Público recusou-se a oferecer acordo de não persecução penal sob o único fundamento de que o tráfico de drogas era crime hediondo. A a defesa requereu a remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça, o que foi negado pelo Magistrado, com o argumento de que houve apreensão de dois tipos de drogas e dinheiro. No entanto, em alegações finais, o próprio Ministério Público requereu a aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, o que foi acolhido na sentença, na fração máxima, sem recurso ministerial.

A modalidade privilegiada contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 tem o potencial de reduzir a pena mínima abaixo de 4 anos de reclusão, o que permite a aplicação do ANPP, segundo o art. 28-A, § 1º, do CPP, e ainda afasta a natureza hedionda do delito, conforme previsão legal do art. 112, § 5º, da Lei de Execução Penal e entendimento pacífico dos tribunais superiores. Nada impede, portanto, ao menos em abstrato, a aplicação de acordo de não persecução penal no crime de tráfico de drogas.

Isso não se altera pelo fato de a referida causa de diminuição ter frações variáveis e só ser aplicada na terceira fase da dosimetria da pena, pois não retira do Ministério Público o dever de analisar o seu potencial cabimento já no momento de oferecer denúncia, a teor do art. 28-A, § 1º, do CPP. Por se tratar o ANPP de instituto balizado pela pena mínima cominada ao delito, devem-se considerar as causas de diminuição aplicáveis na maior fração abstratamente possível para verificar se o referido requisito legal é preenchido.

Para oferecer denúncia, o Ministério Público deve justificar de maneira concreta e idônea o não cabimento do acordo de não persecução penal. No caso do tráfico de drogas, isso significa demonstrar, em juízo de probabilidade, com base nos elementos do inquérito e naquilo que se projeta para produzir na instrução, que o investigado não merecerá a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 ou, pelo menos, que, mesmo se a merecer, a gravidade concreta do delito é tamanha que o acordo não é “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”.

Caso contrário, a recusa injustificada ou ilegalmente motivada do Parquet em oferecer o acordo deve levar à rejeição da denúncia, por falta de interesse de agir para o exercício da ação penal, nas modalidades necessidade e utilidade (art. 395, II, do CPP). Deveras, conforme já assentou esta Corte “o não oferecimento tempestivo do ANPP desacompanhado de motivação idônea constitui nulidade absoluta”, de modo que, “Presentes os requisitos para a propositura do ANPP, bem como ausentes as razões pelas quais essa não ocorreu, a denúncia não poderia ter sido ofertada e muito menos recebida” (AgRg no HC 762.049/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 17/3/2023).

Não altera essa conclusão o fato de o art. 28, § 14, do CPP estabelecer que “No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código”. Com efeito, se o acusado faz jus a uma manifestação idoneamente fundamentada do Parquet, não há como afastar o controle judicial de legalidade dessa manifestação (art. 5º, XXXV, CF), ainda que também submetida a revisão interna corporis do Ministério Público.

Assim, mostra-se configurada a violação do art. 28-A, caput e § 14, do CPP tanto pela inidoneidade da fundamentação usada pelo membro do Ministério Público para se recusar a oferecer o ANPP quanto pela ausência de remessa dos autos pelo Magistrado à instância revisora do Parquet, a qual só pode ser negada se evidente a ausência de requisito objetivo, o que não era o caso. 

INFORMAÇÕES ADICIONAIS:

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Penal (CPP), art. 28-A, caput e §§ 1º e 14;

Lei n. 8.625/1993 (LOMP), art. 43, III;

Constituição Federal (CF), art. 129, VIII;

Lei n. 11.343/2006, art. 33, caput e § 4º;

Lei n. 7.210/1984 (LEP), art. 112, § 5º.

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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) –  Edição nº 827 – leia aqui.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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