STJ: a nova decisão de pronúncia, destinada a incluir o crime conexo, não permite impugnar pontos preclusos
No REsp 2.197.114-MG, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que “a nova decisão de pronúncia, proferida em cumprimento a acórdão que reinclui crime conexo, não autoriza a impugnação de capítulos inalterados da decisão originária, já alcançados pela preclusão temporal”.
Informações do inteiro teor:
A controvérsia consiste em definir se a nova decisão de pronúncia, em cumprimento a acórdão que determinou apenas a reinclusão de crime conexo, possui eficácia substitutiva plena, autorizando a reabertura do prazo recursal para todos os capítulos, ou se sua eficácia é limitada aos pontos efetivamente alterados, preservando-se a preclusão temporal quanto às matérias inalteradas.
A decisão de pronúncia, prevista no art. 413 do CPP, encerra a fase de admissibilidade da acusação no procedimento do Tribunal do Júri e é impugnável por recurso em sentido estrito nos termos do art. 581, IV, do CPP. O regime da preclusão no processo penal impõe à parte o dever de se insurgir contra todos os pontos desfavoráveis no momento processual oportuno, sob pena de estabilização formal da decisão.
No caso, a decisão superveniente não apenas reintegrou o delito conexo de tráfico ilícito de entorpecentes à peça acusatória, mas reavaliou integralmente a denúncia, reafirmando e, por vezes, reformulando o enquadramento jurídico-penal das condutas descritas, bem como o substrato probatório que lhe dá suporte. Ao proceder a essa reapreciação global, o juízo de origem consolidou, em ato único e exauriente, todos os elementos necessários à submissão do acusado ao Tribunal do Júri, conferindo à nova deliberação eficácia substitutiva plena em relação à anterior.
A tese defensiva assenta-se na premissa de que a pronúncia, por ser ato jurisdicional uno, teria sua eficácia condicionada à versão mais recente proferida nos autos, razão pela qual a anulação da decisão originária implicaria, automaticamente, a abertura de novo prazo para interposição de recurso contra todos os seus capítulos.
Essa compreensão, no entanto, não se sustenta à luz do regime jurídico da preclusão. A unidade da pronúncia é conceito funcional: visa a preservar a coerência lógica e a integralidade do juízo de admissibilidade da acusação, mas não se presta a extinguir a estabilização formal decorrente da inércia recursal. Assim, a reforma parcial do ato, motivada por recurso exclusivo de uma das partes, não autoriza, por si só, a rediscussão de capítulos que permaneceram inalterados e já haviam sido objeto de preclusão consumativa.
Na hipótese em exame, a qualificadora de homicídio, o pedido de impronúncia em razão da legítima defesa e a desclassificação para homicídio culposo constaram de forma idêntica na decisão originária, contra a qual a defesa não se insurgiu. Inexistindo qualquer modificação substancial nesse ponto específico, não há motivo para reabrir a dialeticidade recursal. O sistema processual não admite a tese de que a repetição de matéria já estabilizada possa ser tratada como inovação capaz de gerar novo prazo, sob pena de esvaziar-se a função estabilizadora da preclusão.
A preclusão, aqui, não é mero tecnicismo processual. Constitui instrumento de segurança jurídica e de equilíbrio na litigância penal, impondo às partes o dever de manifestar-se no momento adequado sobre todos os aspectos da decisão que lhes sejam desfavoráveis. O seu afastamento somente se justificaria diante de alteração objetiva e relevante no conteúdo da imputação – como a inclusão, nesta segunda pronúncia, do crime de tráfico de drogas -, circunstância que, efetivamente, poderia ensejar nova insurgência defensiva. No tocante às demais teses defensivas, contudo, a defesa conformou-se expressamente ao deixar de recorrer quando lhe foi dada a primeira oportunidade, razão pela qual a nova decisão, ao apenas reproduzir o mesmo fundamento, não reabre prazo já consumado.
Ademais, cumpre destacar esse entendimento também se harmoniza com a lógica subjacente à vedação da reformatio in pejus indireta. Nessa linha, a orientação consolidada pelo STJ afasta a possibilidade de que a reforma parcial da decisão de pronúncia, motivada por recurso exclusivo de uma das partes, enseje reabertura do prazo recursal em relação a capítulos não modificados e já alcançados pela preclusão.
Nesse cenário, admitir que a impugnação defensiva, manejada apenas contra a segunda pronúncia, pudesse afastar matérias não impugnadas na primeira pronúncia implicaria reduzir o alcance da vantagem obtida pelo órgão acusador com o provimento de seu recurso.
Leia a ementa:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUNAL DO JÚRI. NOVA DECISÃO DE PRONÚNCIA PROFERIDA EM CUMPRIMENTO A ACÓRDÃO QUE REINCLUIU DELITO CONEXO. PRECLUSÃO TEMPORAL QUANTO A CAPÍTULOS INALTERADOS. IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DA QUALIFICADORA DO HOMICÍDIO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso especial interposto por acusado pronunciado, inicialmente, apenas pelo crime de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, II, do CP), após exclusão do delito de tráfico ilícito de entorpecentes (art. 33, § 1º, III, da Lei 11.343/2006) por ausência de prova da materialidade. O Ministério Público, inconformado, interpôs recurso em sentido estrito, provido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que determinou a reinclusão do crime conexo e a prolação de nova decisão de pronúncia. 2. Em cumprimento ao acórdão, o juízo de origem proferiu nova pronúncia, mantendo o homicídio qualificado com a mesma qualificadora anteriormente fixada e incluindo novamente o tráfico. A defesa, então, interpôs recurso em sentido estrito visando à impronúncia do agente ou operada a desclassificação para crime menos grave, bem como afastar as qualificadoras imputadas ao réu. O Tribunal de Justiça não conheceu da insurgência, reconhecendo a preclusão temporal. 3. No recurso especial, a defesa sustenta que a nova decisão de pronúncia possui natureza una e indivisível, o que permitiria impugnar, de forma ampla, todos os seus capítulos, inclusive aqueles não modificados, como a qualificadora. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. A questão em discussão consiste em definir se a nova decisão de pronúncia, proferida em cumprimento a acórdão que determinou apenas a reinclusão de crime conexo, possui eficácia substitutiva plena, autorizando a reabertura do prazo recursal para todos os capítulos, ou se sua eficácia é limitada aos pontos efetivamente alterados, preservando-se a preclusão temporal quanto às matérias inalteradas. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. A decisão de pronúncia, prevista no art. 413 do CPP, encerra a fase de admissibilidade da acusação no procedimento do Tribunal do Júri e é impugnável por recurso em sentido estrito nos termos do art. 581, IV, do CPP. 6. O regime da preclusão no processo penal impõe à parte o dever de se insurgir contra todos os pontos desfavoráveis no momento processual oportuno, sob pena de estabilização formal da decisão. 7. A eficácia substitutiva da decisão posterior restringe-se aos capítulos efetivamente alterados, não se estendendo às matérias reproduzidas de modo idêntico, já atingidas pela preclusão. A noção de unidade da pronúncia possui caráter funcional, voltado à preservação da coerência lógica do ato decisório, sem, contudo, afastar a incidência da preclusão quanto aos pontos que permaneceram inalterados. 8. Na hipótese, a qualificadora de homicídio, o pedido de impronúncia em razão da legítima defesa e a desclassificação para homicídio culposo constaram de forma idêntica tanto na decisão originária quanto na segunda pronúncia, inexistindo alteração substancial que justificasse a reabertura do prazo recursal. 9. Precedentes do STJ firmados no HC 91.216/DF e HC 30.560/RJ reforçam que a reforma parcial da pronúncia não autoriza a rediscussão de capítulos não modificados, seja para preservar a estabilidade processual, seja para evitar reformatio in pejus indireta. 10. No caso, a ausência de recurso contra a qualificadora de homicídio, o pedido de impronúncia em razão da legítima defesa e a desclassificação do delito para o crime de homicídio culposo na primeira decisão produziu efeito semelhante ao da coisa julgada formal, impossibilitando sua impugnação posterior. IV. DISPOSITIVO E TESE 11. Recurso especial a que se nega provimento. Tese de julgamento: “1. A nova decisão de pronúncia, proferida em cumprimento a acórdão que reinclui crime conexo, não autoriza a impugnação de capítulos inalterados da decisão originária, já alcançados pela preclusão temporal. 2. A eficácia substitutiva da nova pronúncia é restrita aos pontos efetivamente modificados, permanecendo intocados e estabilizados os demais capítulos. 3. A unidade da pronúncia não afasta o regime de preclusão, devendo prevalecer a segurança jurídica e a lealdade processual. Dispositivos relevantes citados: CP, art. 121, § 2º, II; Lei 11.343/2006, art. 33, § 1º, III; CPP, arts. 78, I, 413, 581, IV, e 617. Jurisprudência relevante citada: STJ, HC nº 91.216/DF, rel. Min. Jane Silva, Sexta Turma, j. 25.02.2008, DJe 10.03.2008; STJ, HC nº 30.560/RJ, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, j. 09.12.2003, DJ 02.02.2004. (REsp n. 2.197.114/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 4/11/2025, DJEN de 19/11/2025.)
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
Legislação
Código de Processo Penal (CPP), art. 413 e art. 581, IV
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição nº 870, de 11 de novembro de 2025 (leia aqui).
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