Supremo Tribunal Federal

Evinis Talon

STF: o arquivamento de inquérito em virtude da prática de conduta acobertada pelo estrito cumprimento do dever legal não obsta seu desarquivamento no surgimento de novas provas

13/10/2019

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Decisão proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no HC 125101, julgado em 25/08/2015 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

EMENTA Habeas corpus. Processual Penal Militar. Tentativa de homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º, inciso IV, c/c o art. 14, inciso II). Arquivamento de Inquérito Policial Militar, a requerimento do Parquet Militar. Conduta acobertada pelo estrito cumprimento do dever legal. Excludente de ilicitude (CPM, art. 42, inciso III). Não configuração de coisa julgada material. Entendimento jurisprudencial da Corte. Surgimento de novos elementos de prova. Reabertura do inquérito na Justiça comum, a qual culmina na condenação do paciente e de corréu pelo Tribunal do Júri. Possibilidade. Enunciado da Súmula nº 524/STF. Ordem denegada. 1. O arquivamento de inquérito, a pedido do Ministério Público, em virtude da prática de conduta acobertada pela excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal (CPM, art. 42, inciso III), não obsta seu desarquivamento no surgimento de novas provas (Súmula nº 5241/STF). Precedente. 2. Inexistência de impedimento legal para a reabertura do inquérito na seara comum contra o paciente e o corréu, uma vez que subsidiada pelo surgimento de novos elementos de prova, não havendo que se falar, portanto, em invalidade da condenação perpetrada pelo Tribunal do Júri. 3. Ordem denegada. (HC 125101, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 25/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-180 DIVULG 10-09-2015 PUBLIC 11-09-2015)

Leia a íntegra do voto do Ministro Teori Zavascki:

V O T O

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI (RELATOR):

1. Encerradas as investigações, deverá o Ministério Público, ao receber os autos do inquérito policial, deliberar quanto às providências cabíveis: (a) oferecer a denúncia; ou (b) determinar diligências; ou (c) postular o arquivamento do inquérito. No último caso, abrem-se duas vias distintas. De um lado, estabelece o art. 18 do Código de Processo Penal que, “depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia”. Dispositivo análogo está previsto no art. 25 do CPPM (“o arquivamento de inquérito não obsta a instauração de outro, se novas provas aparecerem em relação ao fato, ao indiciado, ou terceira pessoa, ressalvados o caso julgado e os casos de extinção da punibilidade”). Assim, uma vez homologado o pedido do órgão ministerial, por não haver indícios suficientes da prática de conduta criminosa, o reinício das diligências investigatórias e a propositura da demanda penal estão subordinados ao surgimento de elementos que conduzam à modificação do suporte indiciário dentro do qual foi exposto e acolhido o pedido de arquivamento. O dispositivo legal conduz, portanto, ao entendimento de que a decisão de arquivamento fundamentada pela insuficiência do material probatório disponível (ou ao alcance de novas diligências) não gera coisa julgada material, e sim formal. Nesse sentido, a Súmula 524 do STF: “Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas”. Por outro viés, se o arquivamento do procedimento investigatório for decorrência de pedido de inexistência do crime, ante a ausência de quaisquer dos elementos que o constituem na sua habitual conceituação analítica (fato típico, antijurídico e culpável), não será possível reabri-lo a partir da disciplina do art. 18 do CPP. É que nesse caso a decisão não se baseia na insuficiência de provas, mas sim na inexistência do crime, ou seja, em questões de mérito, e, mais precisamente, questões de direito. Lembrem-se, a propósito, as causas autorizadoras de absolvição sumária previstas no art. 397 do Código de Processo Penal:

 “Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

I – a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato;

II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;

III – que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou

IV – extinta a punibilidade do agente”.

Assim, verificada uma dessas hipóteses, o arquivamento, do mesmo modo que ocorre com o julgamento antecipado da lide penal (= absolvição sumária), gerará eficácia de coisa julgada material e, por isso mesmo, é definitivo. Proíbe-se, desse modo, que novas investigações sejam levadas a efeito, ainda que com fundamento em novos elementos de informação. Afinal, não há diferença essencial entre uma decisão que absolve sumariamente, antes do início da instrução, e aquela que arquiva o inquérito sob o mesmo fundamento (cf. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de et al. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2013, p. 48). A propósito, colhe-se o seguinte excerto doutrinário:

“Arquivamento com base em excludente de ilicitude (…) gera coisa julgada material. Se o representante do Ministério Público chega à conclusão de não haver crime, por ter o indiciado (ou mero investigado) agido sob alguma excludente de ilicitude (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal, exercício regular de direito ou consentimento do ofendido), bem como em situação de exclusão de culpabilidade (erro de proibição escusável, coação moral irresistível, obediência hierárquica ou inexigibilidade de conduta diversa), não há cabimento em se reabrir, futuramente, a investigação policial, a pretexto de terem surgido novas provas. A única exceção é a exclusão da culpabilidade por doença mental, tendo em vista a possibilidade de se aplicar medida de segurança (…). Se houve acerto ou erro por parte de juiz, não é ponto que sirva de argumento, nem de instrumento adequado a prejudicar o indivíduo. O Estado-juiz proclamou oficial e solenemente não ser o fato da órbita de interesse do Direito Penal. Seria o mesmo que rejeitar a denúncia com tal fundamentação, transitando em julgado a decisão. Nada mais haveria de ser feito (…). Como garantia individual, o arquivamento determinado pelo Judiciário, acolhendo a tese do órgão acusatório, titular da ação penal, de que não crime algum a apurar, consolida coisa julgada material. (…) O indiciado vêse, pois, tranquilizado de que cessou qualquer investigação quanto ao fato concretizado” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014. p. 97/118).

A respeito desse entendimento, convém citar, por todos, o julgamento do HC 83.346, cuja ementa recebeu a seguinte formatação:

“(…) II – Inquérito policial: arquivamento com base na atipicidade do fato: eficácia de coisa julgada material.

A decisão que determina o arquivamento do inquérito policial, quando fundado o pedido do Ministério Público em que o fato nele apurado não constitui crime , mais que preclusão, produz coisa julgada material (…). Precedentes: HC 80.560, 1ª t., 20.02.01, Pertence, RTJ 179/755; Inq 1538, Pl., 08.08.01, Pertence, RTJ 178/1090; Inq-QO 2044, Pl., 29.09.04, Pertence, DJ 28.10.04; HC 75.907, 1ª T., 11.11.97, Pertence, DJ 9.4.99; HC 80.263, Pl., 20.2.03, Galvão, RTJ 186/1040”(Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 19.08.2005).

Assim, ao contrário do que sustenta a Procuradoria-Geral da República, não há diferença, considerado o conceito analítico de crime, entre a decisão reconhecedora da atipicidade do fato (cuja jurisprudência é pacífica de que é inviável a reabertura da demanda) e a que reconhece a presença de excludente de ilicitude, já que ambas resultam na inexistência do delito. Em suma, quando o Judiciário reconhece que o fato é lícito, não que não exista prova, essa decisão faz coisa julgada material.

2. À luz dessas premissas conceituais, passa-se ao caso concreto. Por fatos ocorridos em 4/10/1992, foram instaurados contra o paciente e outra pessoa, ambos policiais militares, dois inquéritos, um militar (Inquérito 1.119/1993) e outro civil (IP 1.091/1998). O inquérito policial militar foi arquivado em 21/10/1993, a pedido da Segunda Promotoria de Justiça Militar da Capital/SP, que entendeu terem os agentes agido em estrito cumprimento de dever legal (excludente de ilicitude e, portanto, pressuposto do crime). No inquérito policial civil, a seu turno, o paciente foi denunciado em 23/12/1998 e, instruída a ação penal, condenado à pena de 10 anos de reclusão, em regime inicial fechado, pela tentativa de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, IV, c/c art. 14, II, do CP), decisão que foi mantida em segundo grau de jurisdição. Sobre os fatos, veja-se o que consta do Inquérito Policial Militar (Inquérito 1.119/1993) e da denúncia que embasou a condenação na Justiça comum (IP 1.091/1998), respectivamente:

Inquérito Policial Militar:

“Vistos e analisados os autos do presente IPM, instaurado por força da Portaria nº 8BPMI-082/8JD/92, verifica-se que em 04Out92, por volta da 01:30 horas, os SD PM 882.557-2 Marcos Antônio de Souza e SD PM 901.053-6 Alexandre Ferreira Godoy, da 4ª Cia do 8º BPM/I, ao atenderem ocorrência de roubo em residência no bairro Mauro Marcondes, em seu término ouviram disparos de arma de fogo ali próximo e ao verificarem foram recebidos a tiros, onde vieram a ferir o civil José Lopes de Souza, o qual permaneceu por vários dias internado no PSM Mario Gatti”.

Denúncia proposta na Justiça comum:

“Consta do incluso inquérito policial que, no dia 04 de outubro de 1992, por volta da 01:00 hora da madrugada, na rua 12 s/n, Jd. Mauro Marcondes, nesta cidade, Marcos Antônio de Souza, qualificado às fls. 69 e 155, valendo-se de arma de fogo da polícia militar, com evidente intenção de matar desferiu tiros em José Lopes de Souza, ferindo-o gravemente e, iniciando, assim a execução de um grave crime de homicídio que só não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade.

É dos autos ainda que, Alexandre Ferreira Godoy, qualificado às fls. 104/153, de qualquer forma, participou do crime executado por Marcos Antônio, vez que, tendo a mesma intenção homicida, contribuiu eficazmente para o cometimento do delito, permanecendo ao lado de seu comparsa, dando-lhe apoio e auxílio na consumação do homicídio”.

3. A questão jurídica, portanto, é saber se o arquivamento ocorrido na seara penal militar possui o condão de impedir o ajuizamento de ação penal na Justiça estadual. Para exata compreensão da matéria, é de todo oportuno transcrever a manifestação de arquivamento promovida pelo Ministério Público Militar:

“Pelo que se depreende dos elementos que fluem desse inquérito policial militar, os indiciados agiram sob a excludente do estrito cumprimento do dever legal.

A indicada vítima resistiu à ordem legal de prisão, forçando aos milicianos que fizessem uso da força necessária para, por fim, efetivá-la e conduzi-la a repartição policial competente.

Nada obstante, o fizeram com moderação e dentro dos limites impostos pelo poder de polícia estatal que representam, em restrito cumprimento de dever de lei.

As lesões experimentadas pela vítima, portanto, eximem a responsabilidade dos agentes, de sorte que praticados sob ação revestida por excludente de antijuridicidade.

Dessa forma, fica proposto o arquivamento, sob as ressalvas legais e no aguardo de novas provas”.

O Juiz Auditor de primeiro grau, por sua vez, proferiu a seguinte decisão:

“I – Vistos, etc.

II – Acolho o parecer do d. representante do Ministério Público.

III – Arquivem-se os autos, observadas as cautelas de praxe e formalidades de estilo”.

Como se vê, o pedido de arquivamento, bem o mal, teve como fundamento a afirmação de que “os indiciados agiram [em] estrito cumprimento do dever legal”, excludente de ilicitude prevista no art. 42, III, do Código Penal Militar, ante o relato de que a “vítima resistiu à ordem legal de prisão, forçando aos milicianos que fizessem uso da força necessária para, por fim, efetivá-la e conduzi-la a repartição policial competente”. Por afirmar a inexistência de crime, já que ausente o pressuposto da antijuridicidade da conduta, tal decisão faz coisa julgada material, impedindo, como já ressaltado, que nova demanda seja proposta com a finalidade de apurar os mesmos fatos, os quais, de resto, já foram considerados lícitos pelo Judiciário, a pedido do próprio Ministério Público.

4. Nem há de se discutir, ainda, sobre eventual incompetência da Justiça Militar. Ainda que se considere que a decisão foi proferida com violação ao juiz natural – questão que não é objeto desta impetração –, deve prevalecer, em se tratando de direito penal, o princípio da vedação da revisão pro societate, que se fundamenta na necessidade de segurança jurídica e de se preservar o cidadão de possíveis equívocos na atividade persecutória penal. A decisão emanada de juiz absolutamente incompetente deve ser debitada à responsabilidade do Estado, que teria atuado de modo descuidado. Ademais, o dogma do ne bis in idem (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, art. 8ª, n. 4) deve incidir, obstando nova persecução a respeito de fato que foi objeto de outra demanda criminal (cf. OLIVEIRA. Eugênio Pacelli de, curso de processo penal, São Paulo: Atlas, 2012; GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 45-47). Não por outra razão que esta Corte já decidiu que “a decisão que determina o arquivamento do inquérito policial, quando fundado o pedido do Ministério Público em que o fato nele apurado não constitui crime, mais que preclusão, produz coisa julgada material, que – ainda quando emanada a decisão de juiz absolutamente incompetente -, impede a instauração de processo que tenha por objeto o mesmo episódio. Precedentes: HC 80.560, 1ª T., 20.02.01, Pertence, RTJ 179/755; Inq 1538, Pl., 08.08.01, Pertence, RTJ 178/1090; Inq-QO 2044, Pl., 29.09.04, Pertence, DJ 28.10.04; HC 75.907, 1ª T., 11.11.97, Pertence, DJ 9.4.99; HC 80.263, Pl., 20.2.03, Galvão, RTJ 186/1040” (HC 83346, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, DJ 19-08-2005). No mesmo sentido: HC 86606, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe de 03-08- 2007; HC 87869, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, DJ 02-02-2007.

5. Por fim, convém registrar que a decisão de arquivamento do inquérito militar reconheceu a inexistência de ilicitude em favor do paciente e de outro corréu e, portanto, não está fundada em motivos de caráter exclusivamente pessoal (art. 580 do CPP), de modo que os efeitos desta decisão devem ser estendidos ao corréu Alexandre Ferreira Godoy, que se encontra condenado à pena de 9 anos e 4 meses de reclusão, pelos mesmos fatos, nos autos da Ação Penal 0051179-64.1996.8.26.0114 (990.10.333986-0).

6. Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus, para determinar a extinção e o arquivamento da Ação Penal 00862025-40.2007.8.26.0114, da Primeira Vara do Júri da Comarca de Campinas/SP, nos termos da fundamentação. É o voto.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca – cursando), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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