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Evinis Talon

Seletividade penal, coletivas de imprensa e espetáculos

20/03/2017

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Seletividade penal, coletivas de imprensa e espetáculos

Por muito tempo, houve uma intensa, seletiva e quase exclusiva punição dos pobres.

Nesse diapasão, Lyra (2009, p. 12) argumentava:

A justiça, em regra, castiga pobres e miseráveis, ainda mais desgraçados pelos exemplos ricos, poderosos porque ricos, bem acautelados e defendidos porque pagam bem – e pelas pressões da necessidade e do abandono. Diante de um crime ‘bárbaro’, as autoridades dirigem-se aos lugares em que vegetam os humildes. São eles os suspeitos. Privilégio…

Por sua vez, Carnelutti (2009, p. 24) lecionava que “há os que concebem o pobre com a figura do faminto, outros com a do vagabundo, outros com a do enfermo; para mim, o mais pobre de todos os pobres é o preso, o encarcerado.”

E quando o pobre (“rectius”: faminto) está encarcerado? E se é encarcerado por ser pobre? Duplamente pobre?

No meio do século passado, Harrington (1967, p. 3) já confrontava a militância da pobreza e a corrupção da riqueza quando dizia:

Durante mais de cinqüenta anos o mundo ocidental cercou-se de rumôres a respeito de sua própria morte. Diziam alguns que a vida dos instintos estava sendo sufocada, outros que o espírito se tornara árido e frágil. Havia aquêles que recuavam ante a pobreza militante e a revolta das massas e aquêles que temiam as corrupções da riqueza.

É nesse confronte entre pobreza e riqueza que ocorre a seletividade penal atualmente.

Como forma de justificar a criminalização secundária exercida preponderantemente em relação aos mais pobres, tenta-se, como meio de compensação, utilizar a punição daqueles que possuem melhores condições financeiras como exemplo de “imparcialidade” – para alguns seria impessoalidade – dos órgãos de investigação e acusação.

Aliás, a convocação de coletivas de imprensa quando se pretende investigar ou denunciar alguém que praticou crimes relacionados ao Direito Penal econômico parece ter um duplo objetivo.

Inicialmente, busca-se uma propaganda institucional, demonstrando que as instituições envolvidas atuam em casos de grande repercussão patrimonial, apesar de, não raramente, denunciarem furtos de menos de R$10,00.

Como segundo objetivo, tentam compensar a seletividade penal e a criminalização secundária tradicionalmente incidentes em relação aos mais pobres. Noutros termos, punem os ricos e criam um espetáculo penal como forma de demonstrar que todos podem ser investigados e denunciados.

Não me parece que esse foco institucional diminua a seletividade penal. Na verdade, apenas se constrói uma seletividade nos dois extremos da sociedade.

De um lado, persegue-se o pobre a partir de um preconceito enrustido na sociedade e, como não poderia deixar de ser, enraizado em parcela das autoridades públicas responsáveis pela investigação e acusação.

Por outro lado, acusa-se o rico, com direito a espetáculo e holofotes, para tentar compensar a seletividade exercida contra os pobres. Quando isso ocorre, normalmente utilizam frases como “ninguém está imune ao Direito Penal”. É a seletividade utilizada como compensação, que não deixa de ser uma forma de “dar exemplo”.

Por preconceito ou por compensação – ou para dar exemplo –, melhor seria se os suspeitos, investigados ou acusados fossem tratados de forma isonômica, sendo investigados e denunciados apenas em virtude da prática do fato criminoso, e não pela condição existencial, se os espetáculos fossem reservados apenas aos artistas circenses e se as coletivas de imprensa não fossem utilizadas pelas autoridades – que pensam ser jogadores ou técnicos de futebol – apenas para dizer o que deveria ser dito exclusivamente no papel (ou estariam dando explicação à torcida que imaginam ter?).

REFERÊNCIAS:

CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. São Paulo: Editora Pilares, 2009.

HARRINGTON, Michael. A revolução tecnológica e a decadência contemporânea. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1967.

LYRA, Roberto. Como julgar, como defender, como acusar. Belo Horizonte: Editora Líder, 2009.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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