Os enunciados do FONAJE e a defesa
É cediço que os enunciados do FONAJE (Fórum Nacional de Juízes Estaduais) não constituem jurisprudência, afastando-se, portanto, dos enunciados de súmulas (vinculantes ou não) e dos outros precedentes, como os recursos repetitivos.
Além disso, categoricamente, esses enunciados não são doutrina, porquanto apenas resumem uma orientação prática sem a explicitação dos fundamentos dogmáticos desse entendimento.
Entretanto, na prática forense, esses enunciados, que não possuem fundamento explícito para a sua aprovação, são aplicados sem uma devida fundamentação pelos Juízes dos Juizados Especiais Criminais. Os Juízes apenas seguem ou afastam a aplicação do enunciado, que, como dito, nada mais é que uma orientação de caráter prático. Não raramente, o único “fundamento” após alguma decisão é a expressão “com fulcro no enunciado nº X do FONAJE”.
Em outras palavras, há uma dupla ausência de fundamentação: na aprovação do enunciado e, posteriormente, na aplicação pelo Magistrado. Independentemente de alguma fundamentação, esses enunciados são aplicados diuturnamente como se bastassem por si mesmos, o que, como é sabido, não ocorre nem mesmo com conceitos previstos na legislação ou na Constituição, como “dignidade” e “igualdade”, que precisam ter sua aplicação justificada.
Os enunciados do FONAJE também são aplicados em situações que não se inserem no seu âmbito. Quero dizer, noutros termos, que sua aplicação é realizada inclusive em casos nos quais, se fosse discutida a aplicação de algum precedente judicial, seria necessário o “distinguishing”.
De qualquer forma, ainda que não sejam classificados como jurisprudência ou doutrina, esses enunciados precisam ser considerados por quem exerce a defesa, sob pena de haver uma ingrata surpresa. Para os julgadores, é mais célere aplicar uma minúscula enunciação do FONAJE do que pesquisar algum entendimento dos Tribunais Superiores e analisar o inteiro teor, fazendo um cotejo entre a decisão paradigma e o caso em julgamento.
Assim, a defesa precisa considerar tais fatores, ainda que haja discordância em relação a essa prática. A função defensiva é promover o contraditório e a ampla defesa, garantindo a posição mais benéfica possível ao acusado. Logo, em alguns casos, deve-se seguir as regras dos julgadores e utilizar os enunciados do FONAJE como uma antecipação da estratégia processual e da formulação de teses defensivas.
Os Juizados Especiais Criminais possuem um sistema recursal diferenciado, que inviabiliza o recurso especial (súmula nº 203 do Superior Tribunal de Justiça) e gera um salto de cognição da Turma Recursal diretamente para o Supremo Tribunal Federal, com exceção de algumas outras medidas, como eventual “habeas corpus” ao Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, reclamação ao Superior Tribunal de Justiça ou pedido de uniformização de jurisprudência.
Nessa linha, os enunciados do FONAJE adquirem um peso enorme, considerando que muitos processos criminais relativos a infrações penais de menor potencial ofensivo se encerram no Juizado Especial Criminal ou na Turma Recursal.
Se o Advogado tiver a pretensão de buscar um resultado favorável, precisa antecipar as possíveis decisões dos julgadores considerando os influentes enunciados do FONAJE.
Por fim, observando atentamente os enunciados criminais do FONAJE, percebe-se uma orientação variada: ora mais garantista e a favor da defesa, ora mais punitivista e inviabilizadora de direitos dos acusados. Há, no entanto, uma preponderância de enunciados favoráveis à defesa.
Entre os enunciados do FONAJE, muitos se direcionam ao aspecto cível, como aqueles relacionados com a composição dos danos civis. Alguns enunciados afetam conjuntamente a defesa e a acusação, como o enunciado nº 48, que considera incabível o recurso em sentido estrito em sede de Juizados Especiais Criminais.
Há, ainda, enunciados que tentam facilitar o cumprimento de medidas alternativas ao processo, como o enunciado nº 68, que afirma ser cabível, no cumprimento da transação penal, a substituição de uma modalidade de pena restritiva de direitos por outra, a requerimento do autor do fato.
Também há entendimento que contraria previsão sumulada de Tribunal Superior, como o enunciado nº 75, que admite o reconhecimento da prescrição pela pena ideal, o que é vedado pela súmula nº 438 do Superior Tribunal de Justiça.
Enfim, é preciso conhecer os enunciados do FONAJE e, principalmente, estabelecer a estratégia defensiva adequada, haja vista a habitual aplicação de tais enunciados.
Em um dos próximos textos, comentarei outros enunciados do FONAJE em matéria criminal.
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