Em algum texto futuro, falarei sobre os limites (e se eles existem) da ampla defesa. Qualquer alegação é possível? E se o Advogado sabe que a alegação é falsa? Há um dever ético no exercício da defesa técnica ou prepondera o compromisso entre Advogado e acusado? Desde já, saliento que encontrar as brechas legais faz parte do jogo (leia aqui).
O objetivo deste texto não é abordar a questão ética, mas sim se há alguma consequência no caso de uma “litigância de má-fé” no campo criminal.
No art. 80 do Novo Código de Processo Civil, há uma previsão específica sobre litigantes de má-fé:
Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II – alterar a verdade dos fatos;
III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI – provocar incidente manifestamente infundado;
VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
O Código de Processo Penal, por sua vez, não tem previsão de condutas que configuram litigância de má-fé. Assim, o ponto nevrálgico de nossa análise é a investigação sobre a impossibilidade de que a previsão do art. 80 do Novo CPC se aplique ao processo penal.
Como seria se essas espécies de litigância de má-fé incidissem na seara penal?
No caso de “deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei”, por exemplo, haveria litigância de má-fé se houvesse a alegação da defesa de que os maus antecedentes e a reincidência (legalmente previstos) configuram um criticável Direito Penal do autor e, portanto, não poderiam aumentar a pena?
Se a defesa optasse por recorrer, ainda que sem alegar teses aceitas pela jurisprudência, praticaria a litigância de má-fé consistente em interpor recurso com intuito manifestamente protelatório? E se o objetivo fosse utilizar as regras do jogo e viabilizar a ocorrência da prescrição?
Esses exemplos rapidamente se tornam obsoletos quando percebemos que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não admite a ampliação do teor do art. 80 do Código de Processo Civil aos processos criminais:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DO DELITO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. PLEITO DE DESCONSTITUIÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO PARA INTERPOSIÇÃO DOS RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO. ESCOAMENTO IN ALBIS DO PRAZO RECURSAL. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. SEARA PENAL. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. […] 4. Esta Corte Superior firmou o entendimento de que não é cabível a imposição de multa por litigância de má-fé no âmbito do processo penal, porquanto sua aplicação constituiria indevida analogia in malam partem, haja vista ausência de previsão expressa no Código de Processo Penal. Precedentes. 5. Ordem parcialmente concedida somente para afastar a multa por litigância de má-fé aplicada pelo Tribunal de origem. (HC 401.965/RJ, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 26/09/2017, DJe 06/10/2017)
O STJ também já decidiu que, apesar de se ter, no processo penal, a boa-fé processual como um de seus princípios elementares, é impossível aplicar a multa por litigância de má-fé na esfera criminal (REsp 1.627.014/SC, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 15/08/2017, DJe 29/08/2017).
A lógica do STJ é elogiável. Se o reconhecimento da litigância de má-fé constitui uma sanção, não é possível a sua aplicação no processo penal, haja vista a ausência de previsão específica na respectiva legislação.
Leia também: