Notícia publicada no site do Conselho Nacional de Justiça no dia 30 de abril de 2019 (leia aqui).
Na semana em que, mundialmente, se comemora o Dia do Trabalho (1º de maio), especialistas do Sistema de Justiça apontam a dependência econômica como uma das principais causas para mulheres não denunciarem seus algozes e, com isso, romperem o clico da violência. Parcerias entre órgãos públicos e privados com tribunais têm ajudado mulheres a conquistarem sua autonomia financeira, em conformidade com a Resolução nº 254/2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e com a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006).
“A empregabilidade das mulheres é a política pública mais importante que temos para combater esse crime. Não há como falar em empoderamento da mulher sem pensarmos em um emprego para ela”, afirma Sandra Praddo, coordenadora da Casa da Mulher Brasileira de Curitiba, entidade que atua na proteção da mulher vítima de violência desde 2016. O serviço acolhe mulheres vítimas de violência e também as encaminha a projetos voltados à capacitação e recolocação profissional.
Mercado
Entre os projetos que têm sido tocados pela entidade está o RestaurAção, em parceria com a Unicultura e a assessoria de Políticas para Mulher da prefeitura da capital paranaense. O projeto qualifica mulheres para serviços de restauração da pintura de uma das salas do Museu Alfredo Andersen. Com apoio do Programa de Apoio e Incentivo à Cultura da Fundação Cultural, as mulheres receberam aulas teóricas e práticas de restauração, abrindo possibilidade para uma nova atividade profissional.
Segundo Sandra, encontrar um emprego nem sempre é o maior desafio. “A permanência no trabalho é algo que precisamos tratar com elas e com os empregadores. Essa mulher talvez, periodicamente, necessite de um atendimento clínico, por exemplo. As empresas contratadas terão de ser sensíveis a essas situações”, diz Sandra.
Assim como outras as cortes brasileiras, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) não possui um projeto específico relacionado à reinserção de mulheres vítimas de violência ao mercado de trabalho, mas é parceiro no projeto que a entidade desenvolve, juntamente com outros órgãos, como o Ministério Público Estadual, a Defensoria Pública, a Delegacia da Mulher e a Secretaria de Segurança Pública.
Em 2018, o instituto Observatório da Mulher contra a Violência (OMV/2018), em conjunto com o Instituto DataSenado, relacionou o baixo índice das denúncias à alta dependência econômica da vítima. De acordo com o estudo, a oportunidade de trabalho às mulheres, em contrapartida, colocou-se como um dos principais meios para se reduzir as taxas de violência e de feminicídio no país.
“É um dado assombroso, mas está claro que para conseguir livrá-la do ciclo da violência, é preciso garantir estabilidade financeira mínima. Ela precisa ter condição de prover sua segurança física e psicológica, e também a de seus filhos. A mulher que acha que seu filho passará fome ou ficará desprovido desiste de buscar ajuda”, afirma o juiz titular da Vara da Violência Doméstica do Fórum Regional de Itaquera, Mário Rubens Assumpção Filho.
Rotina de agressões
Mulheres em situação de violência familiar apresentam doenças psicossomáticas, sintomas de pânico e de depressão. Sem achar uma saída para o problema financeiro, seguem aguentando a rotina de agressões, sem denunciar os autores da violência. Não raro, na sequência de problemas psicológicos e físicos vem a perda de emprego, apesar de a Lei Maria da Penha garantir estabilidade às vítimas de violência. Trata-se de um ciclo que se retroalimenta.
Pensando em promover autonomia financeira da mulher e sensibilizar empresas e empregadores, a promotora de Justiça de São Paulo Maria Gabriela Prado Manssur idealizou o projeto Tem Saída. Por meio do projeto, mulheres em situação de violência e dependência econômica de seus algozes que procuram o Poder Público (delegacias, varas, defensoria, ministério público, rede de assistência) são encaminhadas e atendidas nos Centros de Atendimento ao Trabalhado da cidade de São Paulo, de maneira preferencial.
Lá, recebem capacitação e fazem entrevistas de emprego. O projeto tem parceria com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), com órgãos públicos do Sistema de Justiça, mas também insere a contribuição das empresas privadas. “Os parceiros recebem treinamento e sabem, a partir de protocolos, lidar com situações especiais. Como, por exemplo, um ex-marido fazendo ameaças na porta do estabelecimento onde ela trabalha. A culpa não é dela e os gerentes saberão o que fazer para proteger esta mulher. Ou se ela precisar se ausentar, não será demitida do emprego”, explica o juiz Mário Rubens Filho.
Compromisso social
Seis empresas já fazem parte do programa: Sodexo, Magazine Luiza, Carrefour, Riachuelo, Atento e GRSA. Desde o ano passado, quando o projeto começou, 285 mulheres foram atendidas e 37 estão empregadas.
Segundo pesquisa da Universidade Federal do Ceará, 2017 – Relatório da Violência Doméstica e seu impacto no Mercado de Trabalho e na Produtividade das Mulheres, vítimas de violência faltam 18 dias por ano, em média, ao trabalho. Um prejuízo de R$ 1 bilhão para a economia brasileira. Dados atualizados do CNJ revelam que o número de processos tramitando na Justiça de violência doméstica contra a mulher supera um milhão de casos.
Para Gabriela Manssur, a ação tem um caráter reparador e preventivo. “Ao ajudar essa mulher a romper o ciclo de violência, o projeto contribui para reduzir o número de feminicídios no país. É um projeto que pode ser expandido para todo o país e que deve ser tratado com urgência e seriedade. Viver livre de qualquer tipo de violência é direito de toda mulher e compromisso do Estado Democrático de Direito”, afirma a promotora.
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