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Evinis Talon

Casos Choquei, Cariani, PC Siqueira e Cancellier

28/12/2023

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PC Siqueira foi um dos primeiros influenciadores da internet. Em 2019, participou do programa O aprendiz e foi muito bem.

Em 2020, surgiu uma acusação de supostamente ter conversas de cunho sexual com uma criança por meio da internet. Ele alegou que eram montagens.

Na época, milhares (talvez milhões) de pessoas fizeram vídeos, postagens ou comentários sobre isso, acusando-o publicamente, pedindo o cancelamento dos seus patrocínios, o fim das suas redes sociais etc.

Em razão disso, perdeu patrocinadores e passou a enfrentar enormes dificuldades financeiras.

Em 2021, os peritos concluíram que ele nunca armazenou, pesquisou, teve conversas ou qualquer outra coisa sobre isso.

Em 2023, ele cometeu suicídio. A investigação ainda não tinha sido concluída.

Essa linha do tempo pode ser encontrada na notícia sobre o caso (CLIQUE AQUI).

Sobre o caso PC Siqueira, temos os efeitos da persecução penal e do julgamento por meio do tribunal da internet, que atua promovendo um linchamento moral por meio de cancelamento.

Mesmo com PERÍCIA, ninguém pediu desculpas, ninguém espalhou a notícia de que os peritos foram favoráveis a ele. Muito diferente de 2020, quando os prints se espalharam em poucas horas, patrocinadores retiraram o apoio em segundos, milhares (talvez milhões) fizeram vídeos ou comentários na internet falando sobre os supostos crimes, análise da linguagem corporal etc. Somente a ofensa gera o engajamento. A retratação e o pedido de calma ou respeito à presunção de inocência são ignorados.

O tribunal da internet usou o cancelamento e a divulgação de um início de investigação para matar mais uma pessoa. Tanto tempo depois? Sim. Segundo notícias, a carreira dele acabou depois daquela divulgação e estava passando por enormes dificuldades.

Alguém se lembra do que aconteceu com o reitor Cancellier? Veja os detalhes (CLIQUE AQUI). Ele foi alvo de uma operação da Polícia Federal em 2017 e foi preso. Quase seis anos depois, o TCU arquivou a representação que tratava dos alegados desvios. Entretanto, ele não mais estava vivo para ver isso, pois se suicidou em um shopping de Florianópolis alguns dias depois da operação. Quer entender melhor o que ele passou? CLIQUE AQUI.

Mais recentemente, o caso Choquei e o suicídio da jovem Jessica. Uma divulgação de conversas falsas (mesmo se fossem verdadeiras, não sei como isso pode interessar a alguém) que atingiu uma pessoa que não era pública, pois a outra pessoa da conversa falsa era um influenciador (Whindersson Nunes).

Por si só, é absurda a divulgação dos prints de uma conversa privada falsa sem conferir ou ouvir as pessoas envolvidas. Verdadeiramente, não há função social na divulgação de uma conversa privada, salvo em situações específicas (para se defender de uma acusação, por exemplo). No caso, o objetivo foi despertar a curiosidade, ganhando curtidas e engajamento. Nem mesmo o ser humano mais preguiçoso – que fica o dia inteiro olhando fofocas na internet e nunca leu um livro – seria capaz de defender a função social da divulgação de uma conversa privada falsa.

Além disso, uma cultura do imediatismo que exige o comentário urgente para acusar, apontar o dedo e divulgar, como se não houvesse tempo suficiente para ouvir as pessoas envolvidas.

Ainda sobre esse caso, também podemos falar sobre o compartilhamento e o excesso de comentários ofensivos feitos por quem viu a postagem. Afinal, a postagem da Choquei seria irrelevante se a página não tivesse seguidores ou se ninguém falasse com a jovem. O que leva uma pessoa a enviar uma mensagem ofensiva para outra em razão de uma conversa pessoal que nem sabe se é verdadeira? As páginas de fofocas somente existem porque sabem que existem pessoas que amam isso. Até a morte da jovem, eu não sabia que essa página de fofocas existia. Mesmo que a postagem aparecesse para mim, eu não perderia tempo lendo. Mesmo que, em um momento de fraqueza moral e intelectual, eu parasse para ler a postagem com os prints, eu não faria nada, não mandaria mensagem para os envolvidos e não colocaria a destruição de uma vida como foco do meu dia.

Os administradores da página erraram com o compartilhamento da “notícia” sem conferir a informação. Erraram pela divulgação de mensagens privadas (falsas, aliás). Erraram por não retirarem o conteúdo quando a jovem pediu desesperadamente. Erraram porque debocharam do pedido de ajuda dela, falando que era uma redação do ENEM. Erraram quando ignoraram o pedido da mãe, que, chorando muito, disse em um vídeo que a situação estava terrível. De certa forma, a existência de uma página para falar da vida das outras pessoas é, por si só, um erro. Existem outros entretenimentos com valor moral, social e ético, sem violação de privacidade e que não abalam ou pioram a saúde mental das pessoas.

Curiosamente, agora, as pessoas estão promovendo um linchamento contra o administrador da página. Querem que ocorra mais uma tragédia por excesso de comentários ofensivos? Já pensaram sobre isso? Em caso positivo, é uma busca de vingança? Não é melhor deixar o eventual julgamento para as autoridades?

No episódio que destruiu a vida da Jéssica, as pessoas que se dedicam a ler notícias de fofocas erraram. Erraram quando curtiram, compartilharam (geraram engajamento) e enviaram mensagens para ela. Sem esse linchamento/cancelamento feito pelo público, talvez ela ainda estivesse viva. Qual é a necessidade de ir ao perfil de uma pessoa e falar algo que pode piorar a saúde mental dela? O que se ganha com isso?

Noutra senda, tenho visto TODOS os casos criminais virarem discussão política, ideológica ou partidária, mesmo que não tenham relação com ideologia. No caso Cariani, falaram que ele era de direita, e ele foi tratado como culpado por todos, mesmo sem denúncia, processo, instrução, sentença etc. Agora, também tem um caso que supostamente envolve um envenenamento, com o delegado atribuindo essa conduta a uma advogada. O nome e a foto dela foram amplamente divulgados. Na última postagem do perfil dela, várias conclusões do tipo “tentando entender o motivo de ter feito isso” e MUITAS mensagens falando que “tinha que ser de esquerda”.

Afinal, por que todos os casos criminais viram debate político? Vocês notaram que isso está acontecendo com muito mais frequência agora?

Repito: no caso Cariani, todos falaram “tinha que ser de direita”. Depois, quando saiu a notícia sobre uma advogada supostamente ter envenenado outras pessoas, comentaram no perfil dela: “tinha que ser de esquerda”. As pessoas colocam ideologia política e partidarismo em tudo. Ainda não compreenderam que quem pratica crime é o ser humano, seja qual for a ideologia política, religião, condição financeira etc. E o mais importante: não entenderam que entre o início da investigação e o trânsito em julgado existe um longo caminho. Sobre a desconsideração da presunção de inocência no “tribunal da internet”, isso já acontece há muito tempo. É uma prática mais antiga.

Voltando ao caso Cariani: ele teve uma busca e apreensão, ainda sem denúncia, instrução, condenação e trânsito em julgado, mas as pessoas já concluíram tudo. Infelizmente, esse é o processo penal midiático (antes mesmo de existir processo).

Quanto ao caso do PC Siqueira, talvez alguém diga que a investigação contra ele ainda não tinha acabado, que faltava uma diligência determinada em março e que ele poderia ser denunciado e condenado. Mesmo se não existisse a presunção de inocência (mas existe!), não há previsão legal de que um investigado deve perder tudo e ser pressionado até se matar.

O linchamento/cancelamento decorrente de uma investigação (Cariani, PC Siqueira e Cancellier) ou até de um fato atípico falso (caso Choquei-Jéssica) passou dos limites e está destruindo vidas.

Aplicam uma pena não prevista na lei, quando é sabido que a pena legalmente prevista já tem, por si só, consequências não previstas. Basta ver que a pena privativa de liberdade deveria ter como única consequência a privação da liberdade, mas também gera muitas outras consequências, como o risco de morrer ou ser vítima de vários crimes no cárcere. O sujeito pratica UM crime e vai preso; no cárcere, passa a ser vítima de vários crimes quase que diariamente (ameaças, lesões, extorsões…), inclusive de crimes mais graves do que aqueles que praticou (estupros, por exemplo).

O art. 32 do Código Penal prevê que as penas são privativas de liberdade, restritivas de direitos e de multa. Não existe pena de linchamento moral, cancelamento, pressão psicológica até que a pessoa cometa suicídio ou algo parecido. Ademais, as penas legalmente previstas são aplicadas após a condenação, passando por investigação, instrução, manifestação da acusação da defesa, recursos legalmente previstos… por outro lado, o tribunal da internet aplica uma pena não prevista na lei e imediatamente após o suposto fato ou poucos minutos depois da publicação da primeira notícia.

Resumindo: o tribunal da internet aplica uma pena não prevista na lei e antes de qualquer apuração oficial conclusiva. Em todos os casos mencionados, o linchamento/cancelamento ocorreu antes da conclusão do inquérito policial. Aqui, citei apenas alguns casos famosos, mas poderia ter falado sobre muitos anônimos que tiveram suas vidas destruídas pelo sistema penal e pelas consequências não previstas na lei.

No passado, para matar uma pessoa, o sujeito precisava ter coragem para sair de casa e ir lá tentar matar, sabendo que também poderia morrer. Hoje, as pessoas matam por meio de um teclado, seguras no quarto da casa dos pais, como se fossem soldados controlando drones em uma guerra.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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