A investigação direta pelo Ministério Público: um paralelo para a defesa
Admitir que a parte acusadora (Ministério Público) investigue os fatos é um fator determinante para, da mesma forma, aceitar que a defesa realize a sua própria investigação. Noutros termos, com a aceitação da investigação direta pelo Ministério Público, deve-se aceitar também a investigação instaurada e conduzida pela defesa.
Sobre o Ministério Público, o STF, no RE 593.727, decidiu o seguinte:
(…)
4. Questão constitucional com repercussão geral. Poderes de investigação do Ministério Público. Os artigos 5º, incisos LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e 144, inciso IV, § 4º, da Constituição Federal, não tornam a investigação criminal exclusividade da polícia, nem afastam os poderes de investigação do Ministério Público. Fixada, em repercussão geral, tese assim sumulada: “O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição”. Maioria. (…)
(RE 593727, Relator(a): CEZAR PELUSO, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-175 DIVULG 04-09-2015 PUBLIC 08-09-2015)
Na tese fixada, observamos que:
- o Ministério Público pode promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal;
- a investigação deve ter duração razoável;
- exige-se o respeito aos direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado;
- devem ser observadas as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição;
- exige-se o respeito às prerrogativas profissionais dos Advogados;
- é possível o permanente controle jurisdicional dos atos.
Entendemos pertinente a utilização dessas características e limitações da investigação direta pelo MP como parâmetro para a investigação criminal defensiva, ainda que com algumas adequações.
Da mesma forma que o MP pode promover as investigações, o Advogado e o Defensor Público também devem ter o poder de instaurar e conduzir uma investigação em favor do constituinte ou assistido.
No que concerne ao prazo, por não se tratar de instrumento para submissão de alguém a um processo criminal – mas sim para sua defesa -, devemos entender que a investigação defensiva não deve ter um prazo fixo, podendo durar enquanto permanecer a sua utilidade/necessidade.
Sobre o respeito aos direitos e garantias, trata-se de uma exigência imposta a todo e qualquer procedimento. Deve-se ter cuidado, especialmente, quanto à privacidade, ao patrimônio e ao direito ao silêncio, sobretudo, neste caso, quando se trata de testemunha que tem o risco de se autoincriminar.
A reserva constitucional de jurisdição, exigência de ordem judicial para determinadas medidas, é um limite imposto também ao Advogado, que não poderá praticar atos que a Constituição determina que dependem de prévia decisão judicial. Excepcionalmente, caso exista o consentimento do titular do direito, será possível a prática do ato (ex.: ingresso em residência).
Em relação ao respeito às prerrogativas da Advocacia, deve-se destacar que a investigação criminal defensiva se trata de um procedimento instaurado e conduzido por um Advogado, isto é, pelo titular de tais prerrogativas. Ademais, há uma relação entre o cliente e o Advogado, exigindo-se o sigilo deste, que somente dará publicidade aos resultados da investigação quando for expressamente autorizado por aquele.
Por fim, a inafastabilidade da jurisdição também é aplicável aos atos da investigação criminal defensiva. O art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, prevê que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Se, na condução da investigação, o Advogado praticar algum ato ilícito, a pessoa prejudicada poderá provocar o Judiciário na seara cível ou criminal (ação penal privada) ou comunicar o fato à autoridade policial ou ao Ministério Público para que, se for o caso, seja oferecida denúncia relativa a eventual crime (ameaça, por exemplo).
A Resolução n. 181, de 7 de agosto de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, trata das regras da investigação direta, que é instrumentalizada no procedimento investigatório criminal (PIC). Trata-se de mais um parâmetro para a investigação criminal defensiva.
Por meio do amparo jurisprudencial e no CNMP, a investigação direta pelo Ministério Público se desenvolveu rapidamente. Conforme Bulhões (2019, p. 78-79):
Proliferaram-se os chamados Procedimentos (ou ‘peças’) Internas de Investigação Criminal (PIIC’s), bem como se treinou e qualificou o quadro de membros e servidores com o uso de técnicas especiais e tecnologias avançadas, notadamente por meio do incremento dos GAECO’s e CAOP’s, e da utilização de agentes e recursos de outras forças de segurança pública.
Ao longo deste livro, traremos, sempre que necessário, o tratamento dispensado ao PIC e como podemos adequá-lo à investigação conduzida pelo Advogado.
Evidentemente, a atuação do Ministério Público na condução de uma investigação exige – ou deveria exigir – a observância de rigores ainda maiores que a investigação conduzida por um Advogado. Afinal, como explica Lyra (2009, p. 13) ao abordar a atuação dos Juízes, a “responsabilidade de quem responsabiliza seus semelhantes deve ser a mais rigorosa, a mais efetiva, a mais constante.”
Referências:
BULHÕES, Gabriel. Manual prático de investigação defensiva: um novo paradigma na advocacia criminal brasileira. Florianópolis, SC: EMAIS, 2019.
LYRA, Roberto. Como julgar, como defender, como acusar. Belo Horizonte: Editora Líder, 2009.
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