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Evinis Talon

A competência do tribunal do júri

27/08/2017

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Conforme o art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurada “a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.

Por sua vez, o art. 74, §1º, do Código de Processo Penal, com redação de 1948, diz que compete ao tribunal do júri o julgamento dos crimes de homicídio (simples, qualificado ou com causa de diminuição da pena), induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, infanticídio e aborto (provocado pela gestante, com seu consentimento ou provocado por terceiro).

Em caso de concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri (art. 78, I, do CPP).

Dependendo das teses sustentadas e dos quesitos apresentados, os jurados serão Juízes de sua própria competência (princípio da Kompetez-kompetenz).

Numa hipótese de pronúncia por tentativa de homicídio, por exemplo, os jurados decidirão se é caso de desclassificar para crime que não é da competência do júri, como lesão corporal ou disparo de arma de fogo, o que fará com que o Juiz togado seja o competente para o julgamento.

Diante do que foi exposto até o momento, observa-se que a Constituição Federal faz apenas uma vaga menção à competência do júri, referindo-se aos “crimes dolosos contra a vida”. Seriam os tipos penais que tenham a vida como bem jurídico tutelado?

Há apenas uma previsão antiga – e anterior à Constituição Federal de 1988 – no Código de Processo Penal, como mencionado. Além disso, na Parte Especial do Código Penal, o capítulo I do título I tem o título de “crimes contra a vida”. Nesse capítulo, há apenas um tipo penal que não reflete uma conduta dolosa: o homicídio culposo.

A jurisprudência fixou o entendimento de que a competência do júri é aquela prevista no art. 74, §1º, do Código de Processo Penal, que corresponde a todos os crimes dolosos previstos no capítulo da Parte Especial do Código Penal que trata dos crimes contra a vida.

Por esse raciocínio, não é relevante se a vida é atingida, de alguma forma, pela prática do crime. Apenas tem relevância a classificação legal. Nesse diapasão, a súmula nº 603 do STF prevê que a competência para o processo e julgamento do latrocínio é do Juiz singular, e não do tribunal do júri.

No caso do crime de extorsão mediante sequestro com resultado morte (art. 159, §3º, do Código Penal), por exemplo, há três bens jurídicos tutelados, quais sejam, a vida, o patrimônio e a liberdade. Contudo, sua posição legal como crime contra o patrimônio faz com que, por esse critério legal, a competência para o seu julgamento seja do Juiz singular.

Considero que não será estranho se, em algum momento futuro, a jurisprudência começar a entender que a competência constitucional do tribunal do júri diz respeito à prática de crimes dolosos contra o bem jurídico vida, sendo irrelevante a classificação atribuída pela lei. Nesse prisma, adotando um critério material (análise do bem jurídico violado), e não mais da classificação legal (análise da posição em que se encontra o crime dentro do Código Penal), latrocínio, extorsão mediante sequestro com resultado morte e outros crimes que atinjam a vida seriam de competência do júri. O art. 74, §1º, do Código de Processo Penal, com redação muito anterior à Constituição Federal de 1988, receberia nova interpretação ou seria considerado não recepcionado pela atual Constituição.

Por outro lado, é pacífico o entendimento jurisprudencial de que o tribunal do júri tem competência para julgar os crimes conexos aos crimes dolosos contra a vida.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento de que “a competência para apreciar os crimes conexos aos dolosos contra a vida é do tribunal do júri e é diretamente estabelecida pelo reconhecimento desta” (HC 122287, Relator: Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 05/08/2014).

Da mesma forma, já se entendeu que a competência do tribunal do júri “tem base constitucional, estendendo-se – ante o caráter absoluto de que se reveste e por efeito da vis attractiva que exerce – às infrações penais conexas aos crimes dolosos contra a vida” (RHC 98731, Relator: Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 02/12/2010).

Assim, considerando a possibilidade de julgar os crimes conexos aos crimes dolosos contra a vida, é possível dizer que o júri tem apenas a competência mínima para julgar os crimes dolosos contra a vida, e não a competência única para julgá-los. Dessa forma, a competência prevista na Constituição Federal é vista como uma competência mínima.

Destarte, apenas o júri pode julgar os crimes dolosos contra a vida, mas não julgará apenas estes, porque também terá competência para julgar eventuais crimes conexos.

Contudo, há uma exceção. Como mencionado em outro texto (veja aqui), a jurisprudência e a doutrina aceitam que, em julgamento de revisão criminal, o Tribunal competente para o julgamento dessa ação absolva, desqualifique, desclassifique, anule o julgamento ou altere a pena.

Nesse esteio, em caso de absolvição, o Tribunal decidiria diretamente na revisão criminal, não sendo necessário submeter o caso a novo julgamento pelo júri. Seria, portanto, uma hipótese de julgamento de crime doloso contra a vida sem que a última palavra quanto ao mérito dissesse respeito ao tribunal do júri.

Leia também:

  • A atuação do Advogado Criminalista no plenário do júri (leia aqui)
  • A atuação do Advogado Criminalista no tribunal do júri (leia aqui)
  • 15 teses do STJ sobre o tribunal do júri (leia aqui)
  • STF: júri e vídeos emotivos (leia aqui)

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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