Afinal, informar sobre blitz é crime?
Com o avanço da comunicação por meio de aplicativos de mensagens instantâneas, tornou-se comum a divulgação de informações sobre blitz. Em grupos do WhatsApp com pessoas da mesma cidade, não é raro que alguém publique alguma informação dizendo que a Polícia Militar e o órgão de fiscalização de trânsito estão parando os motoristas que passam por determinado local.
Diante disso, muitas instituições começaram a publicar a notícia de que o indivíduo que divulga informações relativas à blitz cometeria o crime de atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública, previsto no art. 265 do Código Penal, com pena de reclusão de 1 a 5 anos:
Art. 265 – Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força ou calor, ou qualquer outro de utilidade pública:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa.
Parágrafo único – Aumentar-se-á a pena de 1/3 (um terço) até a metade, se o dano ocorrer em virtude de subtração de material essencial ao funcionamento dos serviços.
Afinal, há realmente a prática desse crime pela mera divulgação da informação sobre uma blitz?
Inicialmente, ressalto que não abordarei a questão moral relativa à conduta de quem avisa que está ocorrendo uma blitz. O foco desse texto é a mera análise jurídica, precisamente se há ou não tipicidade formal.
Feita essa observação, devemos salientar que o princípio da legalidade tem previsão no art. 1º do Código Penal: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Da mesma forma, a Constituição Federal, no art. 5º, XXXIX, afirma que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Destarte, para que uma conduta seja considerada crime, ela deve estar tipificada em nosso ordenamento jurídico. Ademais, a lei deve descrever o tipo penal com todos os seus elementos, de modo taxativo (princípio da taxatividade).
No entanto, atualmente, não existe uma lei que trate da conduta mencionada.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina possui algumas decisões que fundamentam a tese de que essa conduta é atípica:
Habeas Corpus. ATENTADO CONTRA A SEGURANÇA DE SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA (ART. 265 DO CÓDIGO PENAL). PLEITO VISANDO AO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGADA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. CABIMENTO. MANIFESTA ATIPICIDADE DA CONDUTA. COMUNICAÇÃO POR MEIO DO APLICATIVO WHATSAPP SOBRE A OCORRÊNCIA DE BLITZ POLICIAL. CONDUTA QUE NÃO SE AMOLDA AO TIPO PENAL IMPUTADO. ATUAÇÃO ESPORÁDICA E OCASIONAL DA POLÍCIA QUE NÃO PODE SER ENTENDIDA COMO SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA PARA OS FINS DO ART. 256 DO CP. AINDA, AUSÊNCIA DE PERIGO CONCRETO DA AÇÃO E DOLO DE FRUSTAR O SERVIÇO. ALÉM DO MAIS, PROJETO DE LEI QUE VISA PUNIR A CONDUTA QUE AINDA SE ENCONTRA EM TRAMITAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE PUNIÇÃO ANTECIPADA, SOB PENA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E ANTERIORIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL DEMONSTRADO. WRIT CONHECIDO E ORDEM CONCEDIDA PARA O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. (TJSC, Habeas Corpus (Criminal) n. 4014631-42.2017.8.24.0000, de Quilombo, rel. Des. Leopoldo Augusto Brüggemann, Terceira Câmara Criminal, j. 01-08-2017).
Na referida ementa, encontramos vários fundamentos contra a tese daqueles que pretendem tipificar o aviso da blitz no art. 265 do Código Penal.
A um, a blitz é apenas uma atuação esporádica e ocasional da Polícia. Não se trata de serviço de utilidade pública, porque não há permanência e regularidade nessa atuação.
A dois, não se constata o perigo concreto na ação do agente. Ainda que alguns queiram tratar esse tipo penal como crime de perigo abstrato, é necessário perceber, inclusive para não banalizar a norma penal, que se deve aferir a potencialidade lesiva da conduta. Nesse caso, sem a demonstração de que o serviço realmente tenha sido afetado no caso concreto, não há de se falar em tipicidade penal.
A três, exige-se o dolo de frustrar o serviço. Se o dolo não for avaliado, será uma responsabilização objetiva, o que é inconcebível na seara penal.
A quatro, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que pretende tipificar criminalmente a conduta de quem informa a ocorrência de uma blitz. Portanto, se o legislador ainda pretende instituir esse crime, não é aceitável interpretar o art. 265 do Código Penal de forma ampla, sob pena de violar os princípios da legalidade (não há lei definindo especificamente a conduta, mas mero projeto de lei) e da anterioridade (é possível que a lei seja aprovada, mas, até lá, a referida conduta é um fato atípico. Se aprovada, a lei responsabilizará somente quem praticar tal conduta após a sua entrada em vigor).
Em suma, a lei precisa ser clara, no sentido de não permitir interpretações dúbias acerca da tipicidade de uma conduta. Caso contrário, seria uma banalização do Direito Penal, ramo do Direito que tem as sanções mais graves e que somente deve intervir quando as outras áreas não forem suficientes.
Aliás, seria desproporcional impor uma pena de reclusão de 1 a 5 anos ao indivíduo que divulgue a realização de uma blitz. Abstratamente, essa conduta merece uma sanção maior que a do furto (um a quatro anos)? Parece-me que não.
Portanto, seja pela atipicidade formal (e também a material, pela falta de potencialidade lesiva), seja pela desproporcionalidade da pena, entendo ser inviável a imputação do crime previsto no art. 265 do Código Penal àquele que informa sobre a realização de uma blitz.
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