Novamente, a crise penal…
Em outra oportunidade, indaguei qual seria a crise do Direito Penal e do Processo Penal (leia aqui). Agora, indago-lhes: ainda estamos em crise? Sim! A resposta não pode ser diferente.
Vivemos um momento em que Juízes dão entrevistas defendendo a ideia de “combate à corrupção”, como se fossem acusadores.
Notas são expedidas conjuntamente por Juízes e Promotores defendendo a execução provisória da pena após o exaurimento da segunda instância. Entretanto, suprimem qualquer debate sobre a literalidade do art. 283 do Código de Processo Penal.
Noutras palavras, querem prender alguém que supostamente violou a lei, mas, para isso, descumprem, sem constrangimento, um dispositivo legal que é nítido.
Ademais, não há constrangimento em dizer que a literalidade da Constituição demonstra ser incabível a execução provisória da pena, mas que preferem fazer uma leitura diferente. Ora, “fazer uma leitura diferente do que diz a Constituição” é uma outra forma de dizer que sabem o que a Constituição diz, mas preferem descumpri-la.
Como não seguir a literalidade da Constituição quanto à presunção de inocência? É possível dizer que a Constituição não pode ser engessada e deve se adequar às evoluções sociais quanto à execução provisória da pena?
Humildemente, discordo desse tipo de argumento, que tem se intensificado entre membros de piso (Juízes e Promotores de Justiça).
A questão é simples. A mutação constitucional nunca pode significar a alteração de texto expresso. Trata-se apenas de uma readequação dentro das possibilidades interpretativas, e não uma interpretação em sentido contrário àquilo que está expresso. Nesse diapasão, Peter Häberle já explicou esse assunto muito bem.
A evolução somente permite interpretar dentro do mesmo contexto, isto é, a partir de um “romance em cadeia” (Dworkin). Não se pode começar a interpretar do zero e desconsiderar todo o passado. A dignidade, por exemplo, enquanto expressão que, como qualquer outra, depende de uma interpretação fruto da tradição (Gadamer), pode ter singelas evoluções com o tempo, abrangendo, por exemplo, o direito à felicidade. O que não é possível é ler dignidade como possibilidade de ser torturado, por exemplo. Entretanto, parece que é isso o que querem fazer com o sistema penal, especialmente quanto à execução provisória da pena.
Ademais, se é cláusula pétrea (como sabemos que é), não cabe mutação constitucional violadora dessa cláusula pétrea, tampouco emenda à Constituição. Na verdade, o efeito cliquet ou a vedação ao retrocesso impossibilitaria suprimir um direito que atingiu um consenso básico até mesmo por meio de uma nova Constituição.
Por mais midiático que esse tema seja, a crise do sistema penal não se restringe à execução provisória da pena. A banalização da prisão cautelar é mais uma crise que se agrava. Como alguns políticos dizem, precisamos “estancar essa sangria” que tem ocorrido em relação ao direito de liberdade, haja vista que é necessário ter algum constrangimento quando se trata de prender uma pessoa e enviá-la para o nosso sistema prisional falido.
Vale lembrar que, durante determinada discussão entre Ministros do Supremo Tribunal Federal, a ofensa utilizada foi a afirmação de que o outro “soltava demais” (leia aqui). Noutras palavras, revogar ou relaxar uma prisão preventiva se tornou algo vergonhoso para Ministros do Supremo Tribunal Federal.
Enfim, parece que a crise no sistema penal está longe do fim. Talvez nunca tenha chegado a um nível tão perigoso.
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