STJ

Evinis Talon

STJ: “culpabilidade intensa”, por si só, não é fundamento para o aumento da pena-base

07/06/2019

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Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 142.836/DF, julgado em julgado em 07/06/2016 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. INOBSERVÂNCIA DE RITO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PERÍCIA. INDEFERIMENTO MOTIVADO. PROVAS IRRELEVANTES. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PENA-BASE. CULPABILIDADE. ARGUMENTOS GENÉRICOS. CONDUTA SOCIAL. PERSONALIDADE SOCIAL. CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. REINCIDÊNCIA. FRAÇÃO DE AUMENTO. PROPORCIONALIDADE. REGIME FECHADO. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. ORDEM CONCEDIDA. […] 5. A simples alegação genérica, feita pelo Juiz sentenciante, de que a culpabilidade é intensa, desprovida de elementos concretos que, efetivamente, justifiquem o porquê de tal conclusão, não é idônea a justificar o aumento da pena-base. […] (HC 142.836/DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 21/06/2016)

Leia a íntegra do voto:

VOTO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):

Preliminarmente, releva salientar que o Superior Tribunal de Justiça, na esteira do que vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, não admite que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso próprio (apelação, agravo em execução, recurso especial), tampouco à revisão criminal, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.

Sob tais premissas, constato a ocorrência de flagrante ilegalidade, que reclama a concessão, ex officio, da ordem.

Contextualização

Consta dos autos que a paciente foi denunciada pela suposta prática dos delitos previstos nos arts. 12, caput, e 14, ambos da Lei n. 6.368/1976 porque “contribuía para a associação criminosa obter êxitos nas vendas de entorpecentes” (fl. 50).

O Juiz de primeiro grau absolveu a ré da prática do delito previsto no art. 12 da Lei n. 6.368/1976 e a condenou à pena de 5 anos e 6 meses, em regime fechado, mais multa, como incursa no art. 14 da Lei n. 6.368/1976.

O Tribunal de origem deu parcial provimento ao recurso defensivo para diminuir a reprimenda para 4 anos e 6 meses de reclusão, em regime fechado, e afastar a pena de multa.

Inobservância do rito e ausência de prejuízo

Segundo o disposto no art. 38 da Lei n. 10.409/2002, in verbis:

Art. 38. Oferecida a denúncia, o juiz, em 24 (vinte e quatro) horas, ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da juntada do mandato aos autos ou da primeira publicação do edital de citação, e designará dia e hora para o interrogatório, que se realizará dentro dos 30 (trinta) dias seguintes, se o réu estiver solto, ou em 5 (cinco) dias, se preso.

Sobre o tema, embora seja certo que o princípio do devido processo legal compreenda também a observância ao procedimento previsto em lei, não se admitindo a inversão da ordem processual ou a substituição de um rito por outro, este Superior Tribunal firmou o entendimento de que, “a inobservância do rito procedimental previsto no art. 38 da Lei n. 10.409/2002, que determina a apresentação de defesa preliminar antes do recebimento da denúncia, constitui nulidade relativa, devendo ser arguida em momento oportuno e comprovado o prejuízo” (HC n. 205.322/RJ, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, 6ª T., DJe 27/5/2014).

Não se pode olvidar que, para se declarar a nulidade de determinado ato processual, deve haver a demonstração de eventual prejuízo concreto suportado pela parte, não sendo suficiente a mera alegação da ausência de alguma formalidade, mormente quando se alcança a finalidade que lhe é intrínseca, consoante o disposto no art. 563 do Código de Processo Penal. Daí a expressão pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo), a denotar que nenhuma nulidade será declarada se não for demonstrado, concretamente, o prejuízo suportado pela parte.

No caso, verifico que a paciente não apontou, concretamente, quais os eventuais prejuízos suportados pela defesa, de modo que não há falar em ilegalidade.

III. Direito à produção de provas – limites

No devido processo legal, consagrado no art. 5°, LIV, da CF, a produção de prova constitui não meramente um direito individual do acusado, mas uma das mais expressivas garantias do contraditório e da ampla defesa, tendo como premissa a participação equânime das partes, orientada pela boa-fé e pela ética processual. Cuida-se de garantia ao correto desenvolvimento do processo penal, que não pode ser visto como simples instrumento de arbítrio estatal, mas como meio garantidor do indivíduo a ele submetido.

Entretanto, se por um lado existe o direito da parte à produção de provas, por outro, há o livre convencimento do julgador a quem cabe conduzir o processo e, ao dirimir o conflito penal, escolher “a hipótese racionalmente mais atendível entre as diversas reconstruções possíveis dos fatos da causa” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003, p. 61-62).

Não por outro motivo, no sistema processual penal pátrio, há limitações ao exercício do direito à prova, tais como a previsão do art. 184 do CPP, que possibilita o indeferimento de perícia requerida pelas partes quando não for necessária ao esclarecimento dos fatos; do art. 212, do mesmo diploma, que dispõe sobre a não admissão de perguntas às testemunhas que não tiverem relação com a causa; e do art. 400, § 1°, que assim dispõe: “As provas serão produzidas em uma só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias”.

Tais disposições não implicam violação do princípio da ampla defesa, mas providência coerente com o devido processo legal e com o princípio da razoável duração do processo (art. 5°, LXXVIII, da Lex Fundamentalis), máxime porque o magistrado deve fiscalizar a estratégia processual adotada pelas partes, velando para que a relação processual seja pautada pelo princípio da boa-fé objetiva.

Assim, afigura-se inarredável a conclusão de que, excepcionalmente, quando o juiz natural da causa verificar a irrelevância ou a impertinência da prova requerida, é cabível o seu indeferimento motivado, a fim de prover a regularidade do processo e a ordem no curso dos atos instrutórios.

Sob tais premissas, não verifico ilegalidade no indeferimento, de forma motivada, da perícia nas interceptações telefônicas.

Indeferimento de perícia considerada desnecessária

Mais uma vez, assevero que, não obstante a acusada tenha direito à produção de provas que influenciem na tese defensiva, é facultado ao magistrado, como destinatário do conteúdo probatório, o indeferimento motivado das diligências protelatórias, desnecessárias ou impertinentes, o que ocorreu na hipótese. Isso porque, conforme destacou o Juiz de primeiro grau, “os peritos, detentores de conhecimento técnico suficiente para cumprir a incumbência que lhes foi imposta, entenderam como suficiente para a individualização das pessoas que travam os diálogos interceptados, as técnicas de filtragem, equalização e amplificação das conversas, dispensando o uso comparativo de material fornecido por cada um dos envolvidos nos diálogos” (fl. 65).

A propósito, confira-se o trecho da sentença que discorre sobre o assunto (fls. 65-66):

Bate-se a defesa da acusada Maria Siuvane no sentido da necessidade da não aceitação do resultado dos laudos de transcrições dos diálogos interceptados com autorização judicial, porque não teria sido realizada perícia para evidenciar que as vozes atribuídas aos acusados seriam mesmo provenientes do aparelho fonador de cada um deles. Esquece-se a defesa que não lhe cabe determinar, e sim aos experts, os meios técnicos necessários para a realização de uma perícia. Os peritos, detentores de conhecimento técnico suficiente para cumprir a incumbência que lhes foi imposta, entenderam como suficiente para a individualização das pessoas que travam os diálogos interceptados, as técnicas de filtragem, equalização e amplificação das conversas, dispensando o uso comparativo de material fornecido por cada um dos envolvidos nos diálogos. Aliás, se se pretendesse tal providência em relação a cada um dos diálogos, a perícia se tomaria impraticável, o que parece ser a pretensão da defesa. Esquece-se também a defesa, que os atos praticados pelos peritos são dotados de presunção de legitimidade, dai resultando que não basta a defesa “desconfiar que a identificação foi feita por dedução, sem que necessariamente tenha sido observada a lógica”, para elidir os efeitos dos já citados laudos. A prova é lícita, e tem valor probante, entre outras razões porque, repita-se, os atos dos peritos gozam de presunção de legitimidade. Se a pretensão da defesa é discutir referida presunção, e assim procurar desqualificar o resultado a quem chegaram os técnicos, lhe caberia o ônus da prova, nos termos do art. 156 do CPP, lançando mão de requerimento no sentido da produção da prova desejada (o tal ‘exame de confronto’), como fez a defesa dos acusados Rosângela e Jilson. Trata-se de inverdade, por outro lado, a alegação de que os peritos responsáveis pelos laudos contestados não foram identificados. Os laudos estão assinados pelos peritos, constando o nome completo de cada um deles, e até as respectivas matrículas. Em nenhum momento, ao contráro do que consta das alegações finais, a defesa manifestou interesse em ouvi-los “sob o crivo do contraditório”, não podendo se falar, portanto, em quebra ao citado princípio do contraditório. De igual modo, não é verdade que não tenha sido propiciado à defesa o acesso ao material produzido à partir das interceptações telefônicas. Basta para chegar a tal conclusão, ler a decisão de fls. 707/710, e o “Termo de Audiência” de fis. 1.512/1.514 em que os próprios Advogados que subscrevem a peça final de defesa postulam o acesso aos Cd’s que contém as filmagens realizadas pela polícia civil, em nenhum momento demonstrando a pretensão de acessar os Cd’ com os diálogos.

A decisão está em consonância com o disposto no art. 184 do CPP: “Salvo em caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade”.

Está também de acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, para quem: “O indeferimento fundamentado de pedido de produção de prova não caracteriza constrangimento ilegal, pois cabe ao juiz, na esfera de sua discricionariedade, negar motivadamente a realização das diligências que considerar desnecessárias ou protelatórias” (HC n. 198.386/MG, Rel. Ministro Gurgel de Faria, 5ª T., DJe 2/2/2015) e “É assente neste Tribunal Superior o entendimento de que ‘o indeferimento de produção de provas é ato norteado pela discricionariedade regrada do julgador, podendo ele, portanto, soberano que é na análise dos fatos e das provas, indeferir, motivadamente, as diligências que considerar protelatórias e/ou desnecessárias, nos termos preconizados pelo § 1º do art. 400 do Código de Processo Penal’ (HC n. 180.249/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., DJe 04/12/2012)” (RHC n. 47.079/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe 4/2/2015).

Em tal sentido caminha o Supremo Tribunal Federal:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – DILIGÊNCIA SOLICITADA PELA DEFESA – INDEFERIMENTO – DECISÃO FUNDAMENTADA – INOCORRÊNCIA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – RECURSO INDEFERIDO. – O indeferimento do pedido de diligência solicitada pela defesa, desde que veiculado em decisão adequadamente fundamentada, não traduz ofensa ao princípio constitucional do contraditório nem caracteriza medida configuradora de cerceamento de defesa. Doutrina. Precedentes. (RHC n. 104.752, Relator Min. Celso de Mello, 2ª T., DJe 9/6/2014)

[…] Outrossim, “não há falar em cerceamento ao direito de defesa quando o magistrado, de forma fundamentada, indefere pedido de diligência probatória que repute impertinente, desnecessária ou protelatória, não sendo possível se afirmar o acerto ou desacerto dessa decisão nesta via processual’ (HC 106.734/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJe de 4/5/11), valendo ainda conferir o HC 108961/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe de 01/08/2012). 4. O indeferimento motivado de repetição, em juízo, da prova produzida na fase policial não constitui afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa, estatuídos no art. 5º, inc. LV, da Constituição da República. 5. Ordem denegada. (HC n. 117.479, Relator Min. Luiz Fux, 1ª T., DJe 19/2/2014)

Pedido de absolvição

As instâncias ordinárias, após a análise do conjunto fático e probatório dos autos, concluíram, de forma devidamente fundamentada, pela existência de provas suficientes da autoria e da materialidade delitivas, aptas a ensejar a condenação da paciente pelo crime previsto no art. 14 da Lei n. 6.368/1976.

O Juiz de primeiro grau apontou que, apesar de não ter ficado provada nos autos a prática pela paciente do delito previsto no art. 12 da Lei n. 6.368/1976, os diálogos interceptados demonstram que “a ré seria uma espécie de secretaria de Francinildo de Sousa Pires [corréu condenado pelo tráfico de drogas], intermediando os contatos entre Jilson, Dickison e Francinildo, realizando a cobrança de pequenos valores junto a traficantes vinculados a Francinildo, recolhendo valores de aluguéis de imóveis deste, servindo de intermediária entre o chefe e a mulher dele” (fl. 80). Concluiu o Magistrado que há prova de que “Maria Siuvane estava encarregada de fazer cobranças em favor de ‘Nildo’, inclusive junto a traficantes, e de prestar outros serviços ligados à ‘saúde financeira’ do réu” (fl. 81).

Ainda quanto à configuração do delito previsto no art. 14 da Lei n. 6.368/1976, bem ressaltou o Tribunal de origem que a prova é suficiente, haja vista que cada corréu exercia um papel distinto no funcionamento da associação, de modo que à paciente cabia a sua comprovada administração financeira. Para tanto se embasou em diálogos mantidos pela ré (fl. 140):

O primeiro diálogo é mantido com Beto e é referente à compra de “arroz” e “feijão”, que, segundo a autoridade policial, tratam-se, respectivamente, de cocaína e maconha. MARIA SIUVANE pergunta a Beto o valor do quilo do “arroz”‘ e este responde ser “setecentos e cinquenta”. Ora, de fato, o diálogo mantido não foi referente ao alimento propriamente dito, pois é surreal que o quilo de arroz chegue a valer R$ 750,00 nos dias atuais, ou, melhor dizendo, na data dos fatos (2005). Noutro giro, a conversa transcrita à fl. 1175 espanca qualquer dúvida acerca da associação da recorrente. Uma pessoa identificada como KELLY pergunta a MARIA SIUVANE, se esta “viu o negócio lá com o Zuca”. A apelante respondeu que ainda não tinha encontrado com Zuca. No entanto, a recorrente informa que Zuca lhe perguntou do que se tratava e MARIA SIUVANE não sabia dizer se “era o preto ou a merla”. Ato contínuo, Zuca informou que o primeiro (preto – entenda-se: maconha) só chegaria “segunda” (segunda-feira).

Nesse cenário, para infirmar a conclusão da instância ordinária e proclamar a absolvição da paciente por insuficiência de provas, seria necessário o reexame aprofundado do conteúdo probatório dos autos e o rejulgamento da causa, providência incabível no habeas corpus. Nesse sentido é a pacífica jurisprudência desta Corte.

Ilustrativamente:

 […] 2. Para esta Corte concluir de modo diverso, no sentido de proclamar a absolvição do paciente em relação ao delito de contribuição para a difusão e incentivo ao tráfico de drogas, haveria evidente necessidade de dilação probatória, a ensejar o rejulgamento da causa, providência incabível na via estreita do habeas corpus. […] 4. Ordem não conhecida. (HC n. 69.683/RJ, de minha relatoria, 6ª T., DJe 2/5/2014)

 […] O Tribunal de origem, soberano na análise das circunstâncias fáticas da causa, consignou que há provas de que o crime foi praticado e, ainda, de que o acervo probatório dos autos evidencia que o paciente cometeu o delito. Entender de forma diversa demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório, inviável na via estreita do habeas corpus. […] (HC n. 262.939/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 25/4/2014)

[…] O habeas corpus não pode, como se fosse um segundo recurso de apelação, analisar a arguida inocência do acusado ou a pretensa falta de provas da materialidade e autoria do crime para efeito da sua condenação, uma vez que descabida na via eleita ampla dilação probatória. […] (HC n. 285.601/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª T., DJe 30/4/2014)

Pena-base

No que tange à pretendida redução da pena-base, cumpre salientar que a fixação da pena é regulada por princípios e regras constitucionais e legais previstos, respectivamente, no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, e nos arts. 59 do Código Penal e 387 do Código de Processo Penal.

Todos esses dispositivos remetem o aplicador do direito à individualização da medida concreta para que, então, seja eleito o quantum de pena a ser aplicada ao condenado criminalmente, visando à prevenção e à repressão do delito perpetrado.

Assim, para chegar a uma aplicação justa da lei penal, o sentenciante, dentro dessa discricionariedade juridicamente vinculada, deve atentar-se para as singularidades do caso concreto, cumprindo-lhe, na primeira etapa do procedimento trifásico, guiar-se pelas circunstâncias relacionadas no caput do art. 59 do Código Penal, as quais não deve se furtar de analisar individualmente. São elas: culpabilidade; antecedentes; conduta social; personalidade do agente; motivos, circunstâncias e consequências do crime; comportamento da vítima.

No caso, verifico que o Juiz sentenciante assim fundamentou a aplicação da pena-base da paciente acima do mínimo legal, in verbis (fl. 118, grifei):

Agiu com culpabilidade intensa, na medida em que nada há nos autos que faça concluir pela diminuição da censurabilidade de sua conduta. É ré reincidente, mas esta circunstância será apreciada na segunda fase da apenação, para evitar o ‘bis in idem’. Não se sabe exatamente se agiu visando algum beneficio financeiro, ou se tencionava agradar o acusado Francinildo para obter algum outro préstimo. Sua conduta social é péssima. Indolente, vive exclusivamente em função de auferir vantagem econômica com seus golpes, como mostram as gravações. Em uma de suas conversas com um Advogado, por exemplo, falam sobre um embuste que pretendem promover para reaver um carro apreendido. Noutra conversa planeja novos golpes com cartões clonados, etc… Ardilosa como todo estelionatário (não se furta nem mesmo a usar como ‘laranja’ a própria sogra, Francisca Barbosa dos Santos, em nome de quem providenciou o financiamento de um veículo), sempre tenta explicar-se, mesmo que para tanto seja necessário expender argumentos absolutamente inconsistentes. Cínica e dissimulada, enfim, trata-se daquele tipo de acusado que faz o julgador ter certeza que algumas pessoas são irrecuperáveis. As conseqüências e circunstâncias do crime também lhe são desfavoráveis, posto que comprovado que o esquema do qual participava movimentava, grande quantidade de entorpecentes, colocando em grande risco a saúde pública. Na verdade era o braço direito de ‘Nildo’, sem a qual o esquema criminoso não tinha como funcionar, até mesmo em razão da impossibilidade de ‘Nildo’ movimentar-se livremente. Atento a tudo isto, e quase todas as circunstâncias são extremamente desfavoráveis à ré, fixo a pena-base acima do mínimo legal, em 05 (cinco) anos de reclusão mais multa de 200 (duzentos) dias-multa, calculado o valor de cada dia- multa à ordem de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente. Há um agravante a considerar, em razão da reincidência (fls. 361), razão pela qual aumento a pena anteriormente imposta em 06 (seis) meses, chegando à pena definitiva, ante à ausência de atenuantes, causa de aumento ou diminuição de pena a considerar, de 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão, mais a multa já exposta.

Do trecho anteriormente transcrito, constato que foram considerados desfavoráveis à paciente a culpabilidade, a conduta social, a personalidade, as consequências e as circunstâncias do crime.

O Tribunal de origem, por sua vez, afastou a valoração desfavorável das circunstâncias do crime. Por essas razões, a Corte estadual reduziu a pena-base da paciente de 5 anos de reclusão para 4 anos de reclusão.

Confira-se, a propósito, o trecho do acórdão impugnado relativo à dosimetria da pena, no que interessa (fl. 144):

Examino, na seqüência, o pleito relativo à redução da pena. Cumpre lembrar que a d. autoridade judiciária de primeiro grau consignou a derrogação parcial do art. 14, da Lei N. 6.368/76 pelo art. 80, da Lei N. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), visto que o preceito primário permaneceu inalterado e a pena, em abstrato, foi diminuída para os limites de 03 (três) a 06 (seis) anos de reclusão, sem multa. Esse posicionamento é adotado por esta Egrégia Corte. Rememorando a r. sentença, na fase de fixação da pena base (fl. 2016), percebe-se que o d. juiz sentenciante fundamentou devidamente, em desfavor da ré, as seguintes circunstâncias judiciais: culpabilidade, conduta social, personalidade (em que pese não consignar expressamente o termo “personalidade” em sua fundamentação, o magistrado disse que a condenada é indolente, cínica e dissimulada), e as consequências do crime. Todavia, o motivo do crime, conforme alinhavado pelo próprio julgador singular é inconcludente, razão pela qual não pode militar em desfavor da acusada. Noutro giro, deve-se afastar a circunstância judicial ‘circunstâncias do crime’, utilizada pelo d. magistrado para exasperar a pena, uma vez que desprovida de fundamentação. A circunstância do crime foi analisada conjuntamente com a conseqüência; contudo, a argumentação desenvolvida pelo julgador monocrático somente fundamenta as consequências do crime (grave risco à sociedade, porque a quadrilha movimentava grandes quantidades de drogas), mas não as circunstâncias do crime. As demais circunstâncias judiciais não foram abordadas, razão pela qual não devem aumentar a pena base. Com efeito, das oito circunstâncias judiciais, somente quatro são desfavoráveis à recorrente. Portanto, tendo em mente que a pena em abstrato é de 03 (três) a 06 (seis) anos, a fixação da pena-base em 05 (cinco) anos é por demais severa. Assim, redimensionando a pena, fixo-a inicialmente, em 04 (quatro) anos de reclusão. Pela reincidência, mantenho o mesmo acréscimo de 06 (seis) meses. Ausentes causas especiais de diminuição ou de aumento, torno-a definitiva em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses.

Em princípio, observo que a simples alegação genérica, feita pelo Juiz sentenciante, de que a culpabilidade é intensa, afirmação desprovida de elementos concretos que, efetivamente, justificassem o porquê de tal conclusão, não é idônea a justificar o aumento da pena-base. Dessa forma, entendo que deve ser afastada a valoração desfavorável dessa circunstância judicial.

Quanto à conduta social, verifico que o Magistrado destacou que a paciente “vive exclusivamente em função de auferir vantagem econômica com seus golpes, como mostram as gravações”, ao exemplo das conversas em que “planeja novos golpes com cartões clonados” ou mesmo “sobre um embuste que pretendem promover para reaver um carro apreendido” (fl. 118). Assim, tendo sido indicados fundamentos concretos dos autos que indiquem a inadequação do comportamento da paciente no interior do grupo social a que pertence, deve ser mantida a análise desfavorável dessa vetorial.

No que tange à personalidade, as instâncias ordinárias afirmaram tratar-se de ré ardilosa, cínica e dissimulada. Nesse ponto, entendo evidenciado o apontado constrangimento ilegal de que estaria sendo vítima a paciente, haja vista que não foram indicados elementos concretos e idôneos dos autos que, efetivamente, demonstrassem especial agressividade e/ou perversidade da agente, ou mesmo menor sensibilidade ético-moral, a ponto de justificar a conclusão pela desfavorabilidade da personalidade.

Em relação às consequências do delito, o Juiz de primeiro grau afirmou que “comprovado que o esquema do qual participava movimentava grande quantidade de entorpecentes, colocando em risco a saúde pública” (fl. 118), de modo que fundamentada de maneira idônea, deve ser mantida a desfavorabilidade dessa vetorial.

Dessa forma, mantida a desfavorabilidade apenas da conduta social e das consequências do delito, deve a pena-base da paciente ser reduzida de 4 anos de reclusão (fl. 144) para 3 anos e 6 meses de reclusão. Registro que estou mantendo a mesma proporção utilizada pela Corte regional: aumento de 3 meses de reclusão para cada circunstância judicial desfavorável.

VII. Aumento pela reincidência

Sobre o aumento de pena relativo à agravante da reincidência, cumpre salientar que o Código Penal não estabelece limites mínimo e máximo de aumento ou redução de pena a serem aplicados em razão das agravantes e das atenuantes genéricas, respectivamente. Na verdade, o art. 61 limitou-se a prever as circunstâncias que sempre agravam a pena, embora não tenha mencionado qualquer valor de aumento. O mesmo ocorre com o disposto no art. 65, que estipula as circunstâncias que sempre atenuam a pena, sem, contudo, fazer nenhuma menção ao quantum de redução.

A doutrina e a jurisprudência têm entendido que cabe ao magistrado, dentro do seu livre convencimento e de acordo com as peculiaridades do caso concreto, escolher a fração de aumento de pena pela incidência da agravante, em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Assim, nos termos da jurisprudência deste Superior Tribunal, a aplicação de fração superior a 1/6 pela reincidência exige motivação concreta e idônea. Menciono, como exemplo, o HC n. 229.371/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª T., DJe 4/9/2013.

Nesse ponto, destaco que, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, “A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. Cabe às instâncias ordinárias, mais próximas dos fatos e das provas, fixar as penas. Às Cortes Superiores, no exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, bem como a correção de eventuais discrepâncias, se gritantes ou arbitrárias, nas frações de aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores.” (RHC n. 115.654/BA, Rel. Ministra Rosa Weber, 1ª T., DJe 21/11/2013, destaquei).

No caso, verifico que as instâncias ordinárias utilizaram o aumento de 6 meses, que, mesmo após diminuída a pena pelo Tribunal de origem, correspondia a uma fração de 1/8, abaixo daquela para a qual esta Corte Superior exige motivação. Além disso, ainda com a redução da reprimenda-base ante os fundamentos que declinei acima, o aumento de 6 meses permanece idôneo, porque corresponde, com a nova pena, a fração menor do que 1/6, de modo que não há nenhuma ilegalidade manifesta a ser sanada em relação a essa matéria.

VIII. Nova dosimetria

Constatado em parte o constrangimento ilegal, passo à readequação da pena, considerando que a reprimenda-base da paciente ficou estabelecida, ante os fundamentos que declinei, em 3 anos e 6 meses de reclusão.

Na segunda fase, assim como procedido pelas instâncias ordinárias, agravo a pena em 6 meses, totalizando-a em 4 anos.

Na terceira etapa, ausentes causas de aumento e de diminuição, torno a reprimenda definitiva em 4 anos.

Regime de cumprimento da pena

Quanto ao pedido de fixação de regime diverso do fechado para cumprimento da reprimenda, verifico que o Juiz sentenciante assim justificou a imposição do modo inicial mais gravoso de cumprimento de pena (fl. 119):

Fixo como regime inicial, para cumprimento de pena, o regime fechado, nos termos do art. 33, 2º, ‘b’, ‘a contrario sensu’., do CP, eis que as circunstâncias judiciais são amplamente desfavoráveis à ré, que ademais é reincidente. A ré não poderá apelar em liberdade, eis que presentes os motivos que autorizam sua custódia cautelar, não só porque em liberdade é uma ameaça à ordem pública, como também porque encontra-se foragida, após ser colocada em liberdade por equívoco de alguém do sistema prisional.

Em apelação, o Tribunal de origem, apesar de reduzir a pena, manteve a fixação do regime inicial fechado, pelos seguintes argumentos (fl. 145):

Quanto ao regime, considerando-se o quantum a final fixado, o fato da reincidência e o resultante da análise das circunstâncias judiciais, que não lhe foi favorável, adequado o regime fechado, como o inicial – art. 33, § 2º, “a” e “b” e § 3º, do CPB.

Nesse ponto, embora a paciente tenha sido condenada a reprimenda igual a 4 anos de reclusão, constato que ela é reincidente e possui circunstância judicial desfavorável (tanto que a pena-base foi fixada acima do mínimo legal), de modo que o regime inicial fechado é, realmente, o que se mostra o mais adequado para a prevenção e a repressão do delito perpetrado.

Saliento que nem sequer seria aplicável a Súmula n. 269 do STJ, segundo a qual “É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos, se favoráveis as circunstâncias judiciais.” (grifei), pois, consoante se viu, a ré possui uma circunstância judicial a ela desfavorável.

Dispositivo

À vista do exposto, não conheço do habeas corpus, por entender inadequado o uso do writ como substitutivo do meio impugnativo próprio. Contudo, ao examinar o seu conteúdo, identifico parte do apontado constrangimento ilegal, o que me leva a, ex officio, conceder a ordem, a fim de reduzir em parte a pena-base e, por conseguinte, tornar a reprimenda do paciente definitiva em 4 anos de reclusão, em regime inicial fechado.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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EVINIS TALON


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