STJ: lesão corporal no contexto da violência obstétrica
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 27/8/2024 (processo sob segredo judicial), decidiu que a decisão médica em contexto de urgência, como a do parto, deve ser respeitada, dentro dos limites da responsabilidade civil, especialmente quando o procedimento adotado se revelar necessário para a segurança da parturiente e do recém-nascido.
Informações do inteiro teor:
Trata-se, na origem, de denúncia feita pelo Ministério Público contra médico ginecologista e obstetra imputando-lhe a prática dos crimes de lesões corporais e violência psicológica contra a mulher, durante o exercício de sua profissão, em que o acusado teria proferido insultos à vítima durante o parto, além de realizar procedimentos clínicos intrusivos e não consentidos, resultando em lesões íntimas.
A doutrina, em especial no que se refere à responsabilidade médica, ensina que a configuração do crime de lesões corporais exige a demonstração de que a conduta do médico tenha sido negligente, imprudente ou imperita, o que significa dizer que tenha havido desvio do padrão de cuidado esperado da comunidade médica.
No caso, a partir da análise dos laudos periciais e dos depoimentos colhidos, não é possível vislumbrar elementos conclusivos que demonstrem a ocorrência de imperícia, imprudência ou negligência por parte do médico. A lesão sofrida pela paciente, de acordo com os laudos médicos, é compatível com o parto normal e com a passagem do feto pelo canal do parto.
Dessa forma, não se percebe a indicação da probabilidade de que as lacerações sofridas pela paciente tenham qualquer relação com a técnica de colocação das mãos para abertura do canal vaginal da parturiente no sentido lateral.
No concernente à elevada relevância epistêmica da constatação pericial do erro médico para fins de tipificação da conduta culposa, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “em termos de imputação sobre suposto erro médico, a realização de exame pericial mostra-se especialmente necessária à aferição do nexo de causalidade entre a conduta perpetrada e o resultado lesivo ocorrido, já que a conclusão a ser alcançada perpassa necessariamente por questões técnicas, afetas exclusivamente ao ramo da medicina legal, que reclamam por respostas a serem dadas por experts no assunto”. (REsp n. 1.621.950-SP, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 14/2/2017, DJe 22/2/2017).
Destaca-se que a paciente expressou uma recusa clara e informada em relação à realização da episiotomia, procedimento este que poderia ter facilitado a visualização e a passagem do feto pelo canal de parto.
Em resposta a essa decisão, no exercício repleto de incertezas e carente de padrões absolutos do munus de empregar as técnicas mais eficazes para assegurar a vida e a integridade física, tanto da parturiente quando da criança, o médico optou por utilizar as mãos para ampliar a abertura do canal, conduta esta que os peritos consideraram apropriada dentro do contexto descrito.
Ainda raciocinando sobre a etiologia entre a conduta médica e as lesões atestadas, tem-se que a literatura médica é uníssona quanto à frequência das lacerações nos partos vaginais.
Tais decisões clínicas, não obstante a experiência e o cuidado do médico, fogem ao seu controle absoluto, uma vez que a complexidade do parto envolve fatores imponderáveis. Em situações de urgência, como a do parto, a decisão pela conduta médica cabe ao profissional, o que foi reconhecido pelo STJ em diversos precedentes. (HC n. 82.742/MG, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 17/3/2009, DJe 30/3/2009).
Portanto, não há indícios de erro médico a ensejar a responsabilização penal do médico e que a decisão médica, em situação de urgência, como a do parto, deve ser respeitada, dentro dos limites da responsabilidade civil.
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição Extraordinária nº 24 – leia aqui.
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