STJ: in dubio pro societate não pode ser usado para suprir lacunas probatórias
No EDcl no AgRg no AREsp 2.376.855-AL, julgado em 06/02/2024, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o princípio in dubio pro societate não pode ser utilizado para suprir lacunas probatórias, ainda que o standard exigido para a pronúncia seja menos rigoroso do que aquele para a condenação.
Informações do inteiro teor:
Embora a aplicação do princípio in dubio pro societate seja admitida tanto pela doutrina quanto pelos Tribunais, a Constituição Federal consagra, como consectário da presunção de inocência (art. 5º, LVII), o in dubio pro reo.
Destaca-se a existência de uma corrente crítica do princípio em discussão, cujo posicionamento é constitucionalmente mais adequado, a exemplo da recente decisão do STF no HC 227.328/PR, na qual o Ministro Gilmar Mendes consigna que: “O suposto “princípio in dubio pro societate“, invocado pelo Ministério Público local e pelo Tribunal de Justiça não encontra qualquer amparo constitucional ou legal e acarreta o completo desvirtuamento das premissas racionais de valoração da prova.”
A doutrina também preconiza que o in dubio pro societate “não é compatível com o Estado Democrático de Direito, onde a dúvida não pode autorizar a acusação, colocando uma pessoa no banco dos réus”.
Nessa linha, esta Corte Superior já entendeu que “A desnecessidade de prova cabal da autoria para a pronúncia levou parte da doutrina – acolhida durante tempo considerável pela jurisprudência – a defender a existência do in dubio pro societate, princípio que alegadamente se aplicaria a essa fase processual. Todavia, o fato de não se exigir um juízo de certeza quanto à autoria nessa fase não significa legitimar a aplicação da máxima in dubio pro societate – que não tem amparo no ordenamento jurídico brasileiro – e admitir que toda e qualquer dúvida autorize uma pronúncia. Aliás, o próprio nome do suposto princípio parte de premissa equivocada, uma vez que nenhuma sociedade democrática se favorece pela possível condenação duvidosa e injusta de inocentes.” (REsp 2.091.647/DF, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 3/10/2023).
Há de se reconhecer, portanto, que o princípio in dubio pro societate não pode ser utilizado para suprir lacunas probatórias, ainda que o standard exigido para a pronúncia seja menos rigoroso do que aquele para a condenação.
Ademais, sob tal panorama, no que tange ao in dubio pro societate, o STF também já decidiu que, “se houver uma dúvida sobre a preponderância de provas, deve então ser aplicado o in dubio pro reo, imposto nos termos constitucionais (art. 5º, LVII, CF), convencionais (art. 8.2, CADH) e legais (arts. 413 e 414, CPP) no ordenamento brasileiro.
Destarte, os motivos que conduzem necessariamente à inaplicabilidade do in dubio pro societate em fase de pronúncia devem prevalecer de modo a evitar que o juízo sumariante do Tribunal do Júri submeta o réu a julgamento perante o Conselho de Sentença com base em provas potencialmente contraditórias entre si.
No caso, o Tribunal de origem faz notória e exclusiva referência a declarações e testemunhos prestados no âmbito do inquérito policial para fundamentar a pronúncia do acusado, reforçando a sua argumentação, inclusive, com entendimento já superado nesta Corte.
Ora, o entendimento atual do STJ é no sentido de que “a pronúncia não pode se fundamentar exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial, sem que estes tenham sido confirmados em juízo e, tampouco, em depoimento de ouvir dizer” (AgRg no HC 830.464/AL, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 3/11/2023).
No Estado Democrático de Direito, a legitimidade da fundamentação das decisões judiciais decorre, também, do exame das provas submetidas ao contraditório e à ampla defesa, corolários do devido processo legal, o que não ocorre, em regra, com a prova produzida extrajudicialmente.
Consequentemente, depreende-se que a decisão de pronúncia, quando restar fundamentada exclusivamente com base em elementos informativos obtidos em fase inquisitorial, representará flagrante ofensa ao Estado Democrático de Direito e ao Princípio da Presunção de Inocência. Não se pode atribuir maior juridicidade ao inquérito policial, procedimento administrativo realizado sem as citadas garantias, em prejuízo do processo penal, vetor de princípios democráticos e garantias fundamentais.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
LEGISLAÇÃO
Constituição Federal (CF), arts. 5°, LV e LVII; e 93, IX
Código de Processo Penal (CPP), arts. 155, 413 e 414
Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (CADH), art. 8.2
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição extraordinária nº 17 – veja aqui.
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