Sobre o inquérito policial e as formas de investigação de caráter extrapolicial, urge salientar os medos institucionais da perda do monopólio de uma função.
Sempre que há a possibilidade de que um órgão venha a ter suas funções compartilhadas – ou transferidas – com outro órgão, surge o temor de que isso acarrete uma redução de orçamento. A lógica é simples: menos funções ou funções compartilhadas resultam na desnecessidade de orçamento no montante atual.
Por esse motivo, quando surgiram os debates sobre a investigação pelo Ministério Público, as autoridades policiais começaram a se manifestar pelo descabimento dessa investigação. Esse conflito se intensificou quando o Legislativo Federal votou e rejeitou a PEC 37.
De qualquer sorte, o art. 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal, admite a investigação por autoridades não policiais.
Há inúmeros fundamentos para essa permissão legal. A um, quanto mais investigadores, maior a promoção da segurança pública. A dois, havendo maior vigilância, também são protegidos os bens jurídicos fundamentais tutelados pelo Direito Penal. A três, são necessários outros órgãos de investigação para que se investigue o principal órgão de investigação (polícia judiciária).
Em que pese não haja exclusividade na apuração das infrações penais, deve-se salientar que, de forma preocupante, a nossa legislação ainda não prevê a investigação realizada pela defesa, problema que talvez seja solucionado pela aprovação do Novo Código de Processo Penal.
Uma das investigações realizadas fora do âmbito policial é aquela promovida pelas comissões parlamentares de inquérito.
O modelo federal de comissão parlamentar de inquérito (CPI) – que é extensível aos Estados, Distrito Federal e Municípios – encontra-se previsto no art. 58, §3º, da Constituição Federal, que prevê:
As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
No HC 79.812, relatado pelo Ministro Celso de Mello e julgado em 08 de novembro de 2000, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que o privilégio contra a autoincriminação é extensível às CPIs.
É importante ressaltar que os “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” abrangem inúmeras medidas, como a possibilidade de determinar a condução coercitiva de testemunhas que se recusarem a comparecer, a expedição de mandados de busca e apreensão e a possibilidade de quebra de sigilo fiscal e bancário. Obviamente, há entendimentos contrários ou limitativos desses poderes em relação às CPIs.
Ocorre que as CPIs não podem tomar medidas que dependam da cláusula de reserva de jurisdição. Assim, a busca e apreensão em domicílio, a decretação de prisão preventiva e o deferimento de interceptação telefônica são medidas que, por força constitucional, apenas podem ser tomadas pelo Poder Judiciário.
Outra forma de investigação frequentemente utilizada para embasar a propositura da ação penal é a sindicância e o processo administrativo disciplinar promovidos contra servidor público.
No âmbito federal, a Lei 8.112/1990 trata desse procedimento e disciplina a independência das esferas, conforme os arts. 121 e 125.
Se alguma autoridade tiver ciência de irregularidade no serviço público, deverá promover a imediata apuração, nos termos do art. 143 da Lei 8.112/1990.
Para a Advocacia Criminal, é importante que a atuação da defesa na sindicância e no processo administrativo disciplinar seja não apenas administrativa, mas também penal. Como os elementos obtidos no âmbito administrativo podem embasar a propositura da denúncia – como se fossem um inquérito policial – ou ingressarem no processo como prova emprestada, é fundamental que a defesa, já na sindicância e no processo administrativo disciplinar, formule as teses de eventual processo criminal.
Outra investigação muito utilizada é o inquérito civil público, promovido pelo Ministério Público (art. 129, III, da Constituição Federal).
A regulamentação do inquérito civil público está nos arts. 8º e 9º da Lei 7.347/1985, que regulamenta a ação civil pública.
Obviamente, não se trata de investigação com finalidade de apurar infração penal, mas, normalmente, o Ministério Público investiga, por inquérito civil público, condutas que podem amoldar-se aos crimes ambientais ou crimes contra as relações de consumo.
Posteriormente, as conclusões do inquérito civil público poderão ser utilizadas para a promoção de ação civil pública e, caso se constate algum crime, também poderão embasas uma denúncia penal. Também há possibilidade de que essas informações ingressem no processo penal como prova emprestada.
Assim como dito em relação à sindicância e ao processo administrativo disciplinar, é importante que o advogado, já no inquérito civil público, formule a estratégia defensiva para eventual processo criminal. A assinatura equivocada e apressada de um termo de ajustamento de conduta pode evitar consequências civis, mas também pode resultar, conforme os termos do TAC assinado, em confissão de algum crime. Nesse ponto, o advogado deve estar atento e não desconsiderar a independência das esferas civil e criminal.
Em outra oportunidade, tratarei de outras formas de investigação que também podem subsidiar uma denúncia no âmbito penal, como a própria investigação direta pelo Ministério Público.