Proibição de advogar + multa e prisão para o réu
Vamos por partes. No final dessa página, você pode conferir o vídeo completo do júri e um sumário dos momentos de cada coisa mencionada nesse texto.
Nesse júri, os doutores Dalledone e Renan foram proibidos de atuar pelo juiz em razão de uma suposta atuação anterior para uma testemunha. Depois, o restante da defesa abandonou o plenário. Era proibida a atuação dos advogados? Não vi os autos, mas, mesmo que fosse, isso deveria ter sido decidido ANTES do júri, pois o MP havia feito pedido anteriormente (inclusive, disse que “reiterava”). Deixar para decidir no júri é uma forma de fazer os advogados se prepararem desnecessariamente e não permitir prazo para consultar a OAB ou recorrer antes do júri. Primeiro erro.
Quando a defesa pediu a palavra para consignar os fundamentos, o prejuízo e não deixar precluir, o juiz, que havia falado antes para MP e defesa que deveriam pedir tudo agora “sob pena de preclusão”, não deixou a defesa falar. Nesse momento, ocorreu o abandono de plenário.
Os dois advogados foram proibidos (não abandonaram). Os outros abandonaram o plenário. Nesse momento, sem pedido de prisão preventiva, o Juiz disse para a escolta “o acusado segura, o acusado segura”. Isso já conta como prisão de ofício e sem decisão escrita?
Depois, o MP pediu e o Juiz aplicou multa AO RÉU por ato atentatório à dignidade da justiça (CPC), com o argumento de que, apesar de não ter mais no CPP a possibilidade de multar o advogado, o CPC poderia ser utilizado subsidiariamente para multar o réu. O MP também disse que a atitude dos advogados constituídos está em conjugação com o acusado, de forma que o abandono de plenário exige a prisão preventiva do réu, pois se está impedindo a aplicação da lei penal. O juiz aplicou a multa de 100 mil reais (disse que isso afeta a credibilidade do sistema de justiça) e decretou a prisão preventiva para a aplicação da lei penal. Para o juiz, a hipótese mais corriqueira de aplicação da lei penal é fugir da jurisdição e “parece o que é feito aqui”. Falou também sobre o “comportamento da defesa”.
Sobre a multa, parece-me que o juiz pretende utilizar o art. 77, §2º, do CPC, que diz que as violações do caput, incisos IV e VI, constituem ato atentatório à dignidade da justiça. Aparentemente, pretendia-se colocar como ato atentatório da dignidade da justiça o que diz o inciso IV: “cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação”. Não vejo como o abandono de plenário pode entrar nesse inciso. Quanto ao art. 80 do CPC, no máximo poderia considerar o inciso IV (opuser resistência injustificada ao andamento do processo), mas, além da ausência de previsão dessa multa no processo penal, considero que o abandono foi justificado, por falta de decisão antes do júri. Se poderiam ou não atuar, isso cabe à OAB, que não teve oportunidade de ser consultada, pois a decisão ocorreu somente em plenário.
Assim:
1. Se o Juiz tivesse decidido nos autos, não deixando para decidir no plenário, a defesa poderia ter impugnado a decisão e consultado a OAB. Ganhando ou perdendo, o júri sairia normalmente.
2. Se essa multa ao réu for cabível agora, significa que já era cabível antes, pois o CPC não foi alterado. Por que ninguém aplicava cumulativamente com a multa do advogado então? Ou será que essa ideia somente surgiu após a retirada da multa ao advogado, como forma de “não deixar impune”?
3. Qual foi o fundamento da multa ao RÉU?
4. Já vi todo tipo de prisão, mas, em 12 anos de atuação ininterrupta na área criminal, nunca vi um réu ser multado e preso POR ATO DE TERCEIROS (seus advogados), sem demonstração de que o réu deu essa ordem. Se uma pessoa não pode receber uma pena por ato de outra pessoa, por que seria possível prender preventiva (“extrema ratio” da “ultima ratio”, como diria o prof. Luiz Flávio Gomes) com base em ato de terceiro? Além disso, por tudo que falei antes, o abandono de plenário estava correto. Já poderia ser considerado correto se fosse apenas a proibição de os advogados atuarem no caso, pois o juiz poderia ter decidido antes, nos autos, o requerimento já existente do MP, evitando prejudicar a imagem da defesa no júri. Depois, com a impossibilidade de consignar a fundamentação, o abandono de plenário passou a ser indiscutível. Afinal, como o magistrado disse no início, precisa falar tudo agora, sob pena de preclusão. Não deixando a defesa falar, está contribuindo para ocorrer a preclusão.
8:50 – MP reitera manifestação sobre impossibilidade de advogados atuarem.
1:27:10 – Defesa faz uma fala dura sobre o juiz resolver essas questões em plenário, apesar do pedido do MP ter sido feito muito antes.
1:35:20 – O juiz não deixa a defesa consignar os fundamentos da alegação de nulidade, bem como o prejuízo, para evitar preclusão, apesar de, no início do júri, o juiz ter falado para o MP e a defesa requererem tudo naquele momento, sob pena de preclusão.
1:36:07 – Defesa começa a abandonar o plenário.
1:36:10 – O juiz diz: “o acusado segura, o acusado segura”, antes de qualquer pedido de prisão preventiva. Um pouco depois disso, o MP diz que quer fazer um requerimento.
1:37:30 – MP fez requerimento de aplicação de multa ao réu. Disse que, apesar de não ter multa no CPP para o advogado, poderia aplicar o CPC para condenar o réu por ato atentatório à dignidade da justiça.
1:38:10 – MP disse que a atitude dos advogados constituídos está em conjugação com o acusado, de forma que o abandono de plenário exige a prisão preventiva do réu, pois se está impedindo a aplicação da lei penal. Lembrete: apesar de o juiz ter decidido que dois advogados não poderiam atuar, todos abandonaram o plenário somente quando tentaram consignar os fundamentos e o prejuízo, com o objetivo de evitar a preclusão, e o juiz disse que não poderiam consignar.
1:39:08 – Defesa falou que, antes do pedido do MP, o juiz determinou que a escolta segurasse o réu.
1:47:45 – Juiz decide sobre a multa com base no CPC. Com base no fato de prejudicar a credibilidade do sistema de justiça, aplicou uma multa de 100 mil reais ao réu.
1:50:50 – Juiz decide o pedido de prisão preventiva. O juiz fala sobre aplicação da lei penal, que, para ele, a hipótese mais corriqueira é fugir da jurisdição, “parece o que é feito aqui”. Falou também sobre o “comportamento da defesa”.
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