Aprendi e continuo aprendendo muito nos júris. Se existe algo no processo penal que só pode ser adequadamente aprendido por meio da experiência, isto é o tribunal do júri.
O júri, por ter Juízes do povo, tem uma enorme distinção em relação ao processo julgado por Magistrados de carreira. Quem não convive diariamente com o processo penal ou não estudou as suas peculiaridades, como normalmente ocorre com os jurados, percebe o processo penal e todos os seus institutos de uma maneira muito diferente da forma como os juristas o percebem.
Portanto, o Advogado Criminalista deve notar que não está falando para Juízes de Direito, mas sim para pessoas que possuem mais interesse em saber a verdade do que em analisar como essa verdade surgiu no processo.
Por esse motivo, pretendo esboçar neste texto algumas das coisas que aprendi com os júris que fiz. São apenas experiências que, dependendo do caso concreto, podem não ser totalmente aplicáveis.
Inicialmente, deve-se salientar que os jurados não analisam o processo penal em termos de “legalidade x nulidades”. Para os jurados, não é tão relevante se o testemunho foi obtido em desacordo com a disposição do art. 212 do Código de Processo Penal ou se foi realizado o reconhecimento do réu por fotografia ou de outra forma não prevista em lei.
Também não é tão relevante se as provas são lícitas ou ilícitas, porque o mais importante é o que se prova com os depoimentos das testemunhas e com os outros meios de prova.
Nesse diapasão, possui pouca relevância a argumentação em um plenário do júri sobre a ilicitude de provas ou sobre a nulidade de algum ato.
Por outro lado é muito importante – e até mesmo decisivo – que as partes analisem a integralidade do arcabouço probatório, abordando cada informação relevante do inquérito policial e da instrução processual. Fazer comparações e achar contradições é uma arte!
A defesa deve saber ressaltar a importância das alegações que lhe são favoráveis e criticar ou pôr em dúvida as provas que não lhe são favoráveis. Para isso, deve-se fazer um cotejo entre as provas, comparando o que elas descrevem e, por conseguinte, como elas eventualmente são contraditórias.
Outra coisa que aprendi é que o nosso sistema tem falhas que prejudicam a aplicação do princípio da eventualidade no plenário do júri, ou seja, a alegação de todas as teses possíveis pode ser prejudicial.
Como exemplo, se, em um júri por tentativa de homicídio, a defesa alegar conjuntamente a desclassificação para crime de lesão corporal e a excludente de ilicitude da legítima defesa, caso os jurados procedam à desclassificação (menos favorável), não haverá a quesitação genérica quanto à absolvição, onde se inseriria a tese da legítima defesa (mais favorável), porque o feito será julgado pelo Juiz-presidente.
Em outras palavras, em primeiro lugar, é feita a quesitação referente à desclassificação (menos favorável) e, se acolhida, não será realizada a quesitação quanto à absolvição genérica (mais favorável). O Advogado terá de escolher entre alegar tudo que é possível – e correr o risco de não conseguir a absolvição – ou focar na tese mais favorável (legítima defesa).
Não é recomendável que a defesa alegue nulidades no plenário do júri. No curto espaço de tempo no plenário, o ideal é focar na análise das provas de autoria e materialidade. Normalmente, as teses de nulidade são muito complexas até mesmo para quem tem conhecimentos jurídicos e participou de várias horas-aula.
No caso dos jurados, que dificilmente possuem algum contato anterior com o tema das nulidades processuais, seria quase impossível convencê-los das teses de nulidade em tão pouco tempo de fala.
É interessante notar que os jurados consideram tudo: pessoa que praticou e sofreu a conduta criminosa, maus antecedentes e processos em curso, consequências da pena em relação ao acusado etc.
Se o Promotor disser que o réu progredirá do regime fechado para o semiaberto após cumprir um sexto, dois quintos ou três quintos da pena, os jurados terão mais disposição para condenar, pois as consequências da pena já não serão tão graves quanto eles imaginavam no início.
Assim, no júri, é recomendável que falemos sobre tudo. Não devemos ter aqueles receios inerentes aos processos julgados por Magistrado. Os Juízes não podem condenar ou absolver considerando as condições pessoais do acusado, mas os jurados têm essa liberdade, diante da ausência do dever de motivar.
Logo, no júri, não podemos ignorar o Direito Penal do autor, que, conquanto seja inconstitucional, é considerado pelos jurados.
No júri, aprendi que o silêncio do Advogado pode ser tão importante quanto a fala. Às vezes, pausar após uma pergunta ou uma conclusão pode fazer com que os jurados interpretem aquilo que você acabou de falar, buscando achar a lógica das suas alegações.
Quem faz júri também aprende a falar olhando nos olhos das pessoas. O procedimento do júri nos ensina a falar olhando para todas as pessoas ao mesmo tempo, dando atenção a cada um dos jurados.
Uma lição do júri, mas que não devemos levar para a vida, é que às vezes precisamos ser mal-educados, interrompendo a fala de outras pessoas. No júri, é importante saber o momento de interromper a fala da acusação, cortando o seu raciocínio e a sua argumentação.
Às vezes, um barulho mais alto, uma batida na mesa ou apenas deixar cair um livro já é suficiente para que a acusação perca a linha do seu raciocínio, perdendo um tempo precioso para, posteriormente, retomar o raciocínio anterior.
O júri nos ensina a falar de forma detalhada, abordando tudo que for importante, mas também desenvolve a nossa capacidade de tratarmos um assunto de forma objetiva e concisa. O limite de tempo do Júri pode parecer muito para quem não consegue detalhar, mas também parece pouco para quem não consegue focar nos assuntos relevantes.
Também aprendi nos júris como é importante falarmos para/com a pessoa certa. No júri, não devemos falar para o Promotor, o Juiz ou a plateia, mas apenas para os jurados, porquanto são eles que decidem. Essa é uma lição que devemos levar para a vida. Por que deveríamos falar para pessoas que não querem ou não devem nos ouvir?
Os Júris também me ensinaram que devo ser humano – e ressaltar isso -, não tendo medo de demonstrar a minha vulnerabilidade. Não podemos tentar expressar palavras perfeitas que fujam do vocabulário normal dos jurados, que normalmente não são formados em Direito.
Também não devemos ter a arrogância de pretender a perfeição em tudo que falamos, pois isso nos distancia dos jurados. Devemos reconhecer que erramos, somos falhos e também nos equivocamos. Isso demonstra a todos que somos humanos e não somos diferentes dos jurados.
Sem contrariar o ensinamento anterior, o júri também me ensinou que devemos estudar para sermos perfeitos, ainda que isso seja impossível. Para o júri, devemos estudar como se quiséssemos a perfeição, ou seja, é imprescindível tentar buscar o conhecimento pleno acerca dos autos do processo e de toda a legislação aplicável.
Estudamos como se pudéssemos dominar todos os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários aplicáveis ao caso. Comportamo-nos como se tivéssemos uma obrigação de resultado, e não apenas de meio. De fato, para o júri, estudamos e nos preparamos para sermos perfeitos, sabendo que isso jamais será concretizado.
Por tudo que foi exposto, pode-se observar que algumas experiências proporcionadas pelos júris não valem apenas para os júris posteriores, mas também – e principalmente – para cada momento da vida profissional e pessoal.
As duas últimas lições são as que mais demonstram isso, porque, em tudo que fazemos, devemos agir como se quiséssemos a perfeição, mas sempre sabendo que isso é impossível, porque somos humanos e, portanto, falhamos. O Criminalista convive com a busca da perfeição e a ciência de sua vulnerabilidade.
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