A rotina dos Advogados Criminalistas se assemelha a uma guerra.
Os Advogados Criminalistas possuem uma rotina diferente daquela enfrentada por outros Advogados. Nem melhor nem pior: apenas diferente.
São vistos de outra forma, frequentam lugares que os outros Advogados raramente frequentam (presídios e delegacias) e sofrem obstáculos quase nunca presentes na carreira de outros profissionais da área jurídica.
Inicialmente, salienta-se que os Criminalistas convivem com uma desconfiança enorme da sociedade, fruto de uma confusão entre as condutas do réu e do seu Advogado. Há uma ideia coletiva de que os Advogados querem a impunidade e estão dispostos a mentir, mesmo não sendo testemunhas. Sobre esse assunto, sugiro a leitura do texto “Você defende bandido?” (leia aqui).
Quase ninguém gosta de Advogados Criminalistas. Na verdade, a maioria só tolera Advogados Criminalistas quando é preso ou tem algum familiar encarcerado.
Não são poucos os Juízes e Promotores que, por excesso de trabalho ou por mera má vontade, acreditam que os Advogados deveriam dar uma celeridade desnecessária às audiências, fazendo poucas perguntas que demandariam apenas “sim” ou “não”.
Enquanto o Ministério Público tem quase todos os seus pedidos de diligências deferidos, o Advogado tem dificuldade até para acessar os autos do processo.
Nas delegacias, o Advogado Criminalista é visto – salvo exceções – como alguém que busca atrapalhar as investigações. Conseguir extrair cópias do inquérito policial é um desafio enorme.
Nos fóruns, alguns estagiários dos cartórios das varas criminais recebem orientações para não deixarem os Advogados sozinhos com os autos dos processos. Há receio de que o Advogado rasgue folhas ou retire o DVD em que foram gravados os depoimentos, como se os Advogados tivessem interesse na destruição de provas.
Nos presídios, principalmente em cidades do interior, a situação é muito pior. Pedir para conversar reservadamente com algum apenado é uma mudança na rotina prisional, demandando movimentação nos corredores.
Além disso, diante da má conduta de alguns profissionais, há um receio de que os Advogados entreguem aparelhos celulares aos apenados ou repassem recados sobre a prática de crimes. Em razão disso, surgem ideias tolas no sentido de que deveriam ser gravadas as conversas entre Advogados e apenados.
Por ser o único profissional da iniciativa privada e por ocupar o lado defensivo, o Advogado é visto por alguns membros de instituições públicas como um empecilho, alguém a ser vigiado e afastado.
Esse preconceito ou temor por parte das instituições públicas dificulta o exercício da atividade profissional do Advogado Criminalista, quando não a inviabiliza totalmente. Às vezes, apenas para tomar conhecimento do andamento de um processo, surgem obstáculos indescritíveis.
No campo das ideias, qualquer proposta garantista defendida pelos Advogados Criminalistas é vista pelos outros – principalmente pelos acusadores – como um ato de corporativismo, isto é, uma alegação intelectual em prol da sua atuação profissional.
Aliás, esse conflito, que antes era apenas entre Advocacia e outras instituições, dividiu-se. Atualmente, a Advocacia Criminal se isolou de um lado, enquanto observa parcela considerável das outras áreas da Advocacia (Civil, Trabalhista etc.) afirmar que as penas devem aumentar e que “bandido bom é bandido morto”.
Virou Advocacia x Advocacia!
Infelizmente, também começam a surgir com maior intensidade conflitos dentro da própria Advocacia Criminal.
De um lado, os Advogados Criminalistas que recusam peremptoriamente qualquer debate teórico, acreditando que o Direito Penal se resume à prática forense e que a Advocacia seria incompatível com a docência e os estudos.
Do outro lado, aqueles Advogados Criminalistas que buscam os debates doutrinários e percebem que precisamos assumir papel de destaque na construção do Direito Penal e do Direito Processual Penal.
Os poucos que conseguem compreender um Advogado Criminalista são os outros Advogados Criminalistas, que normalmente possuem os mesmos ideais. Entrementes, alguns optam por tentar desconstruir a imagem dos outros, tentando subtrair de forma antiética os clientes alheios.
São aqueles Advogados que dizem a um investigado/réu que tem Advogado constituído frases como “eu teria feito de outro jeito” ou “ele errou aqui”.
Quando o Advogado Criminalista não obtêm êxito no deferimento da ordem de um “habeas corpus”, o cliente põe em dúvida a sua capacidade profissional. Os questionamentos passam longe da possibilidade de ter caído em uma Câmara ou Turma mais rigorosa ou de haver provas contundentes da autoria e da materialidade.
O insucesso quase sempre é visto como incapacidade do Advogado.
Aqueles Advogados Criminalistas que decidem lecionar ainda sofrem a desconfiança dos alunos quando narram, sem juízo de valor, princípios basilares, como os princípios da legalidade, da anterioridade ou da insignificância. “Ah, professor, você fala isso porque tem que defender bandido, né.”
Nas relações sociais, o Advogado Criminalista precisa escolher entre conviver unicamente com pessoas que tenham alguma noção de Direito Penal ou com “amigos” que questionarão a sua ética. Perguntas como “você defende bandido?” e “você defende mesmo se ele confessar?” são rotineiras nessas conversas com amigos.
Por esses e outros motivos, a Advocacia Criminal é uma constante guerra. O Advogado Criminalista tem a sua atuação diariamente questionada por todos, inclusive pelo investigado/réu e seus familiares.
Como demonstrei, temos de um lado o Advogado Criminalista; do outro lado, todas as outras pessoas e instituições: sociedade, instituições e órgãos públicos (Ministério Público, Judiciário, Polícias etc.), Advogados de outras áreas com pensamento punitivista, outros Advogados Criminalistas etc.
Todas essas “guerras” são externas, ou seja, contra terceiros que desconhecem o papel do Advogado Criminalista. Enquanto for assim, a dedicação, a persistência e o conhecimento vencerão qualquer batalha.
A única guerra que nunca deve ser travada é contra a própria mente do Advogado Criminalista. Quando o Criminalista começa a se questionar quanto ao que faz e passa a duvidar de sua capacidade ou, principalmente, da sua imprescindibilidade, o mundo perde um Advogado Criminalista.
Na verdade, talvez o mundo não perca, pois este indivíduo que fraqueja nunca foi verdadeiramente um Advogado Criminalista.
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