O aborto ainda é crime?
Como é sabido, o Código Penal brasileiro tipifica o aborto como crime.
Entre as hipóteses de aborto, a legislação prevê a conduta do aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento (art. 124 do Código Penal) e o aborto provado por terceiro, com (art. 126 do CP) ou sem (art. 125 do CP) o consentimento da gestante.
Com exceção do aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante, as outras espécies de aborto (arts. 124 e 126 do CP) possuem pena mínima de um ano, o que significa que é cabível o oferecimento da suspensão condicional do processo.
Caso não seja cabível ou aceita a suspensão, é possível que o(a) acusado(a) seja pronunciado(a), ocorrendo o seu julgamento pelo tribunal do júri, por se tratar de crime doloso contra a vida.
Contudo, há casos em que a interrupção da gravidez não se caracteriza como crime de aborto.
O art. 128 do CP, por exemplo, disciplina situações de aborto necessário (se não há outro meio de salvar a vida da gestante) e sentimental (quando a gravidez resulta de estupro e há consentimento prévio da gestante). Essas exceções legais estão previstas no Código Penal desde a sua redação original, de 7 de dezembro de 1940.
Conquanto o art. 128 do CP utilize a expressão “não se pune” – o que daria a ideia de que há crime, mas não é punível –, a doutrina majoritária trata desses casos no segundo elemento do conceito analítico de crime, afirmando que há uma causa especial de estado de necessidade (aborto necessário) ou que o fato não é antijurídico (aborto sentimental).
De qualquer forma, há duas decisões do Supremo Tribunal Federal – uma delas com efeito vinculante – que deixaram o público leigo em dúvida. Frases como “aborto até 3 meses de gravidez deixou de ser crime” e “o aborto foi descriminalizado” dominaram os noticiários não especializados.
No dia 13 de abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal, a partir do voto do Ministro Marco Aurélio Mello, decidiu a ADPF nº 54, declarando a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada como crime de aborto.
O STF considerou que a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos é atípica, pois tais fetos não recebem proteção jurídica, considerando que não se trata de vida em potencial. Noutros termos, como são natimortos, não há de se falar em crime de aborto, que é um crime contra a vida.
Por se tratar de arguição de descumprimento de preceito fundamental, ação do controle concentrado de constitucionalidade, a decisão tem eficácia contra todos e efeito vinculante.
Como segunda decisão do STF acerca do crime de aborto, menciona-se o julgamento do HC 124.306, em novembro de 2016, pela 1ª Turma. Nessa decisão, que foi tomada por maioria, o STF considerou que a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação não pode ser equipada ao aborto. Trata-se, assim, de um caso de atipicidade.
Vários foram os fundamentos invocados nessa decisão: desproporcionalidade da punição, direitos sexuais e reprodutivos, autonomia da mulher, paridade entre os sexos, integridade física e psíquica da gestante, entre outros.
Insta salientar que a decisão da 1ª Turma do STF não tem eficácia contra todos, tampouco efeito vinculante, porque foi tomada em um caso concreto. Assim, por mais que essa decisão possa influenciar os outros órgãos do Judiciário, não é obrigatório que ela seja seguida.
Em suma, no Brasil, a interrupção da gravidez é crime, havendo exceções legais (art. 128 do CP) e jurisprudenciais, com (aborto de anencéfalos) e sem (até o terceiro mês de gestação) efeitos vinculantes.
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