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Evinis Talon

STJ: aumento de pena no furto no período noturno (Informativo 738)

26/09/2022

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STJ: aumento de pena no furto no período noturno (Informativo 738)

No REsp 1.890.981-SP, julgado em 25/05/2022, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que “a causa de aumento prevista no § 1° do art. 155 do Código Penal (prática do crime de furto no período noturno) não incide no crime de furto na sua forma qualificada (§ 4°)”.

Informações do inteiro teor:

Ressalte-se, preliminarmente, que se pode pensar que a fixação de um precedente judicial guarda relação direta com a consolidação da orientação jurisprudencial uníssona e reiterada do Superior Tribunal de Justiça, sobretudo quanto coincidente com a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal.

Entretanto, essa premissa não é absoluta. Se a orientação jurisprudencial não guarda compatibilidade com a melhor interpretação dos postulados de regência e com o contexto social em que se insere a aplicação das normas jurídicas, mostra-se inequívoca a necessidade de sua revisão, mormente quando desta resultará um posicionamento judicial vinculatório que pressupõe segurança jurídica e, por conseguinte, longevidade. Assim, a construção de precedente judicial na via do recurso especial repetitivo constitui momento adequado para o reexame de entendimentos derivados da interpretação do direito infraconstitucional, para que se mantenham ou se adéquem a novas realidades.

A disposição técnica do Código Penal assim se apresenta: refere-se o art. 155, § 1º, do CP à pena do furto simples, prevista no caput desse dispositivo. Desse modo, não se refere à cominação do furto qualificado, que se encontra três parágrafos depois. Seguindo a técnica legislativa, para que considerasse aplicável a majorante no furto qualificado, deveria o legislador colocar o § 1º após a pena atribuída, o que não ocorreu. Se a qualificação do delito é apresentada em parágrafo posterior ao que trata da majorante, é porque o legislador afastou a incidência desta em relação aos crimes qualificados previstos no § 4º do art. 155 do CP. Nesse contexto, aderindo a uma interpretação sistemática sob o viés topográfico, em que se define a extensão interpretativa de um dispositivo legal levando-se em conta sua localização no conjunto normativo, a aplicação da referida causa de aumento limitar-se-ia ao furto simples, não incidindo, pois, no furto qualificado.

Outra forma interpretativa para dirimir a questão é o método hermenêutico teleológico. Aqui, o que se propõe é a averiguação do objetivo da norma, de seus fins sociais, objetivos ligados à justiça, à segurança jurídica e à dignidade da pessoa humana. Com efeito, quando se busca o atendimento a esses aspectos, especialmente o relativo à dignidade humana, devem ser atendidos os princípios da proporcionalidade e da taxatividade.

Sob o viés do princípio da proporcionalidade, objetiva-se evitar excesso de punição, mormente a possibilidade de aplicação de reprimendas mais severas a infrações que refletem menor gravidade, assim como evitar que haja proteção insuficiente aos bens jurídicos resguardados pelas normas penais.

Ora, a agravação da pena derivada da incidência da majorante do furto noturno nas hipóteses do furto qualificado resultaria em um desproporcional quantitativo. Veja-se: o dispositivo relacionado ao furto cometido durante o repouso noturno (art. 155, § 1º, do CP) prevê acréscimo fixo de 1/3 da pena. Se possível a incidência dessa mesma majorante no furto qualificado (art. 155, § 4º, do CP), seriam gerados aumentos excessivos no quantitativo da pena: se considerada a pena mínima, o acréscimo seria de 8 meses (pena mínima de 2 anos do crime qualificado, aumentada em 1/3). De outra parte, se considerada a pena máxima, o aumento resultaria em 2 anos e 8 meses. Dessa forma, a pena do crime de furto qualificado, acrescida do quantum relativo à incidência da majorante, desconsiderando-se a incidência de quaisquer outras circunstâncias agravantes ou causas de aumento, poderia resultar em 10 anos e 8 meses, pena superior à do crime de roubo, tipo penal em que se protegem não só bens patrimoniais, tal qual no crime de furto, mas também a integridade corporal. Sendo assim, não se mostra razoável que determinada pena possa ser semelhante para crimes de gravidades diversas, como são o furto, ainda que em sua forma qualificada, e o roubo.

Acrescente-se, também sob o enfoque do princípio da proporcionalidade, que, sendo a controvérsia a interpretação de normas penais que podem ensejar, em um cenário de dúvida, a incidência de penas mais severas, é razoável que também se analise o tema sob a perspectiva das circunstâncias a seguir relacionadas, muitas delas relativas à política criminal, que não contribuirão para a concretização do escopo preventivo, repressivo e reabilitatório do Direito Penal: a) busca de resolução de questões sociais mediante a exagerada edição da legislação penal e processual penal mais severa; b) existência de componentes administrativos na seara criminal que operam com deficiência, tais como os estabelecimentos prisionais, a sobrecarga dos tribunais, a ineficácia de aplicação de penas clássicas, sobretudo sobre o aspecto da reabilitação do condenado, o alto custo do sistema penitenciário associado à escassez de recursos públicos para sua manutenção e melhoria, etc.
Deve-se registrar também que o princípio da proporcionalidade destina-se igualmente a evitar a proteção insuficiente ou deficiente dos bens jurídicos resguardados pelo Direito Penal.

Ora, é evidente que a lesividade advinda do cometimento do furto qualificado durante o repouso noturno é maior que a do furto simples ocorrente no mesmo período.

Assim, é razoável admitir a possibilidade de, diante das circunstâncias fáticas, a prática do furto durante o período de repouso noturno ser levada em consideração na dosimetria da pena. Em outras palavras, se a incidência da majorante no furto qualificado mostra-se excessiva, poderá ser utilizada como circunstância judicial negativa na primeira fase da dosimetria (art. 59 do CP). Nessa oportunidade, o órgão julgador avaliará, sob a ótica de sua discricionariedade, o elemento relativo ao espaço temporal em que a infração foi cometida, podendo, se assim considerar, analisar a circunstância judicial referente às circunstâncias do crime com maior reprovabilidade. Esse proceder possibilitaria calibrar a reprimenda de modo a atender o postulado da proporcionalidade diante do caso concreto.

Entretanto, ressalte-se que essa matéria – possibilidade de consideração da causa de aumento relativa ao repouso noturno como circunstância judicial desfavorável (art. 59 do CP) quando do cometimento do furto qualificado – não enseja a fixação de tese vinculante na via do recurso especial repetitivo, visto que a variabilidade dos conceitos empregados no exercício discricionário do órgão julgador na confecção da primeira etapa da dosimetria penal é incompatível com o estabelecimento de fundamentos vinculatórios, tais como os exigidos na fixação de tese no sistema de precedentes judiciais.

Sob o prisma do princípio da taxatividade, como garantia expressa do postulado da legalidade, deve-se entender que, ao ser positivada uma norma penal incriminadora – tal como uma causa de aumento de pena -, deve ela ser clara e precisa com vistas a não permitir discricionariedades, bem como ser de fácil compreensão para os destinatários.

Efetivamente, não há precisão e clareza desejáveis na proposição penal prevista no art. 155, § 1º, do CP quando se deve definir sua aplicabilidade tanto ao furto simples quanto ao furto qualificado. Restrita essa norma a indicar situação temporal em que há aumento de pena, não se veem nela elementos que lhe confiram extensão para que incida nas hipóteses do furto qualificado. Pensamento diverso, de modo a justificar a incidência extensiva dessa disposição legal, equivaleria a um agravamento dos tipos já existentes através de uma reinterpretação de garantias do Direito Penal, especialmente aquela relacionada à interpretação favorável ao réu nos casos em que há dúvida acerca do sentido da norma. Deve-se ressaltar que a interpretação no sentido de possibilitar a existência de bens jurídico-penais não expressamente definidos amplia os espaços de riscos jurídico-penais relevantes e a flexibilização das regras de imputação e relativização dos princípios político-criminais de garantia, circunstâncias que não condizem com a excepcionalidade inerente às normas penais sancionatórias, assim como não se compatibilizam com a necessária segurança jurídica, fundamento do Direito Penal.

Também não se justifica a premissa de que, uma vez possível a aplicação da regra do furto privilegiado (art. 155, § 2º, do CP) ao furto qualificado, seria possível a incidência da causa de aumento relativa ao cometimento do furto durante o repouso noturno (art. 155, § 1º, do CP) no furto qualificado.
Essa situação merece algumas observações.

O privilégio previsto no § 2º do art. 155 e a causa de aumento relativa ao furto noturno são hipóteses fático-jurídicas diversas. A primeira refere-se a uma norma penal não incriminadora; a segunda, a uma causa de aumento, uma norma penal incriminadora.

Sendo o furto privilegiado uma norma não incriminadora, pode comportar extensividade quando utilizado para integração do sistema jurídico penal. Já o furto cometido durante o repouso noturno, por ser uma norma incriminadora, tem sua extensividade vedada, visto que tem por consectário o agravamento da situação do réu. Com efeito, o uso de raciocínio analógico integrativo no âmbito do Direito Penal é inadmissível em hipótese em que haja prejuízo para o acusado.

Desse modo, também sob a ótica de uma interpretação finalística, em que se deve conferir aplicabilidade aos princípios da proporcionalidade e da taxatividade, a incidência da causa de aumento referente ao cometimento do furto noturno limita-se ao furto simples, não se aplicando ao furto qualificado.

Veja aqui o vídeo do julgamento.

Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) –  Edição 738 – leia aqui. 

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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