STJ define o conceito amplo de “casa”
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no AgRg no HC 683.522/GO, decidiu que o conceito de “casa” se reveste de caráter amplo, compreendendo: “(a) qualquer compartimento habitado, (b) qualquer aposento ocupado de habitação coletiva e (c) qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade”.
Confira a ementa relacionada:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INVASÃO DOMICILIAR EFETUADA POR POLICIAIS MILITARES SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL E SEM CONSENTIMENTO DO MORADOR. DENÚNCIA PRÉVIA DE QUE O LOCAL SERIA “BOCA DE FUMO”. IDENTIFICAÇÃO DE SUPOSTOS USUÁRIOS DE DROGA QUE FAZIAM COMIDA NO QUINTAL DA RESIDÊNCIA, COM OS QUAIS NÃO FOI ENCONTRADA NENHUMA DROGA. CONDIÇÃO DE FORAGIDO DO PACIENTE QUE SOMENTE FOI DEFINIDA APÓS A ENTRADA NA RESIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS NA BUSCA E APREENSÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (…) 2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo – a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno – quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes) DJe 8/10/2010). Nessa linha de raciocínio, o ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e sua regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. Precedentes desta Corte. 3. A Corte Suprema assentou, também, que “o conceito de ‘casa’, para o fim da proteção jurídico-constitucional a que se refere o art. 5 º, XI, da Lei Fundamental, reveste-se de caráter amplo (HC 82.788/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma do STF, julgado em 12/04/2005, DJe de 02/06/2006; RE 251.445/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, decisão monocrática publicada no DJ de 03/08/2000), pois compreende, na abrangência de sua designação tutelar, (a) qualquer compartimento habitado, (b) qualquer aposento ocupado de habitação coletiva e (c) qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade” (RHC 90.376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma do STF, julgado em 03/04/2007, DJe de 18/05/2007). 4. Se o agente público não pode, sem o prévio consentimento do proprietário, ingressar durante o dia sem mandado judicial em espaço privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua atividade profissional, com muito mais razão esse raciocínio permite concluir que o espaço que circunda a residência de um cidadão, é delimitado por muros e contém portão também constitui uma extensão de sua casa e está abrangido na proteção constitucional da inviolabilidade domiciliar (CF, art. 5º, XI). 5. “a mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida.” (HC 512.418/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 26/11/2019, DJe 03/12/2019.) 6. A entrada dos policiais em terreno residencial delimitado por cerca, sem mandado judicial, sem consentimento de morador e sem fundadas razões para crer que ali ocorria crime, constitui ilegal violação de domicílio e contamina as provas recolhidas na busca e apreensão realizada no local. 7. Situação em que, após denúncia de que a residência do paciente seria utilizada como “boca de fumo”, a autoridade policial se dirigiu para o local, identificando no quintal da residência diversas pessoas supostamente conhecidas como usuários de drogas que faziam comida e com as quais nenhum entorpecente foi encontrado, tanto que não chegaram a ser detidas, após o que entraram na residência e se depararam com o paciente e outro indivíduo foragido da justiça e, realizando buscas pelo terreno cercado, encontraram 455g de maconha enrolados em uma camiseta vermelha em cima de uma mangueira. 8. A mera identificação de supostos usuários de droga que faziam comida no local e com os quais não foi encontrada nenhuma droga não constitui fundada razão para justificar a realização de busca na residência e no quintal delimitado por cerca, sem mandado judicial e sem consentimento do morador. 9. Existindo depoimento, prestado em juízo, de policial militar afirmando que o motivo da diligência foi a verificação de denúncia de comércio de drogas e que, antes de chegar ao local, não sabiam que o paciente, foragido da justiça, ali residia, não há como se considerar que a busca domiciliar efetuada teria por fundamento a averiguação da existência de foragido da justiça no local. 10. Reconhecida a ilegalidade da entrada da autoridade policial no domicílio do paciente sem prévia autorização judicial, a prova colhida na ocasião deve ser considerada ilícita. 11. Já tendo havido condenação do paciente, ancorada unicamente nas provas colhidas por ocasião de busca domiciliar ilegal, deve a sentença ser anulada, absolvendo-se o paciente, com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. 12. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no HC 683.522/GO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 26/10/2021, DJe 03/11/2021)
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