A vulgarização do Direito Penal
Nos últimos tempos, os debates sobre o Direito Penal fugiram da seara jurídica e tomaram lugar em noticiários, mesas de bares, conversas no trabalho e qualquer outro ambiente em que ocorra a comunicação interpessoal. As grandes operações policiais impulsionaram um interesse popular que, conquanto já existisse, era um pouco tímido.
Lembro-me de que, ao iniciar na docência, tive um período como professor de Direito Administrativo na graduação. Tratava, basicamente, dos poderes da Administração Pública, dos atos administrativos e de outras questões parecidas. Contudo, no semestre posterior, iniciei a atividade docente como professor de Direito Penal, disciplina da qual nunca mais me afastei. Abordava dolo, culpa, princípios, teoria da pena e vários assuntos relacionados.
Qual é a importância disso?
Entre um semestre e o outro, percebi uma significa mudança na postura dos alunos. Nas aulas de Administrativo, eram mais passivos e passavam a maior parte do tempo ouvindo. Por outro lado, nas aulas de Direito Penal, buscavam interagir e utilizar casos concretos como exemplos de determinados temas.
Comparando os dois semestres, percebi como o Direito Penal é o ramo que todos – leigos ou juristas – mais observam na sociedade. Não é o melhor, tampouco o pior, mas sim o mais percebido. Falar com alunos sobre Direito Administrativo (alvarás, autorizações, desapropriação etc) é algo que, como regra, permanece distante da realidade prática deles. Entretanto, os exemplos de Direito Penal são facilmente associados a algum acontecimento, notícia ou filme, especialmente porque todos conhecemos alguém que já foi vítima de algum crime.
Fora do ambiente acadêmico, o Direito Penal e o Direito Processual Penal também são de fácil assimilação. Aliás, há uma vulgarização em torno dos debates sobre as ciências criminais. Todos possuem soluções para o sistema prisional ou sabem se determinado réu famoso será condenado no âmbito criminal, sobretudo na Operação Lava Jato.
Conforme Zaffaroni (2013, p. 05), “em qualquer lugar da superfície deste planeta fala-se da questão criminal. É quase a única coisa de que se fala – em concorrência com o futebol, que é arte complexa”. Quase todos são, de alguma forma, opinadores acerca da questão criminal, haja vista esse interesse amplamente difundido e a afinidade com a vida cotidiana.
Infelizmente, esse interesse coletivo quanto às questões criminais gera uma indevida vulgarização de algo que deve ser o mais racional possível. Os debates sobre o campo criminal devem ser estritamente cuidadosos.
Há uma legião de leigos que, conquanto desconheçam as leis penais e tudo o que foi escrito sobre o assunto até o momento, imaginam ter a solução para diminuir a violência no país, solucionar a crise do sistema prisional brasileiro e combater a corrupção, corrigindo o sistema político por meio do Direito Penal.
O problema dessa vulgarização é que os leigos normalmente possuem respostas prontas para temas que dominam ardentes debates acadêmicos, enquanto os estudiosos do Direito Penal, que conhecem a complexidade dessa área, têm ciência de que não há soluções fáceis. Talvez o desconhecimento dos leigos aumente a vontade de opinar. Quando não se sabe a complexidade de algo, não há inibição.
A mera visualização do noticiário policial não pode continuar gerando pretensões de “autoridade” intelectual sobre criminologia, execução penal, políticas criminais etc.
Como muito bem lembra Zaffaroni (2013, p. 08), “o cidadão comum deve saber que há um mundo acadêmico que fala disso, da questão criminal, que, embora não tenha nenhum monopólio da verdade, pensou e discutiu umas tantas coisas, que se equivocou muitíssimas vezes e muito feio, mas também aprendeu com esses erros”.
Se a área jurídica mais falada no ambiente leigo continuar sendo vulgarizada, teremos soluções imediatistas emanadas de legisladores ávidos por votos. É imprescindível que o debate sobre a área criminal seja retomado racionalmente por quem se dedica assiduamente a sua análise.
Utilizando um exemplo que tenho o hábito de citar, devemos lembrar-nos de que, da mesma forma que não se cura uma doença com conhecimentos de engenharia e não se constrói um prédio com conhecimentos de medicina, também não se pune racionalmente com conhecimentos alheios ao Direito Penal.
Em suma, que tenhamos mais estudos e menos vulgarização do Direito Penal.
REFERÊNCIA
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A questão criminal. Trad. Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2013.
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