STJ: aplicação do princípio do ne bis in idem
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no REsp 1852049/RN, decidiu que há bis in idem na consideração da atenuante da confissão do réu quando já estabelecido o acordo de colaboração entre ele e o órgão ministerial nos casos em que aplicada a benesse de redução da pena prevista na Lei 12.850/13.
De acordo com o STJ, o princípio do ne bis in idem constitui um limite ao Estado, evitando a múltipla valoração do mesmo fato com idêntico fundamento jurídico.
Confira a ementa relacionada:
RECURSO ESPECIAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DA PARTE NÃO CONHECIDO. TRÂNSITO EM JULGADO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA, ESTELIONATO E CORRUPÇÃO ATIVA. CRIMES DE FRAUDE CONTRA A PREVIDÊNCIA. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS. RECEBIMENTO DE PROPINA. ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. ART. 4º, § § 6º e 7º, DA LEI FEDERAL N. 12.850/2013, INTERVENÇÃO JUDICIAL RESTRITA À VERIFICAÇÃO DA REGULARIDADE, LEGALIDADE E VOLUNTARIEDADE. ESCOLHA DO BENEFÍCIO. EXCLUSIVIDADE DO JUIZ. ART. 4º, CAPUT C/C § 1º DA LEI FEDERAL N. 12.850/2013. OBSERVAÇÃO DO LIMITE DE 2/3. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA E ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. INSTITUTOS DISTINTOS. PONTO EM COMUM. AMBOS ESCLARECEM A EMPREITADA CRIMINOSA NA FACILITAÇÃO DA PERSECUÇÃO PENAL. BIS IN IDEM. OCORRÊNCIA. DUPLA VALORAÇÃO DO MESMO FATO COM IDÊNTICO FUNDAMENTO. CASOS EM QUE APLICADA A BENESSE DE REDUÇÃO DA PENA PREVISTA NA LEI N. 12.850/13. REFAZIMENTO DA DOSIMETRIA DAS PENAS DE PARTE DOS COLABORADORES. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O agravo em recurso especial de Maria Lucinara Gomes da Silva não foi conhecido pela Presidência desta Corte, com trânsito em julgado certificado à fl. 6465, em 12/3/20.
2. São duas as teses trazidas pelo órgão ministerial à análise deste colegiado: 1) a impossibilidade de o juiz modificar o acordo de colaboração premiada celebrado entre as partes, reduzindo a pena dos colaboradores em maior proporção – de 1/3 para 1/2 e; 2) a ocorrência de bis in idem na aplicação cumulativa da atenuante da confissão espontânea e da causa de diminuição da pena pela colaboração premiada.
3. Consoante o preconizado no art. 4º, § § 6º e 7º, da Lei Federal n. 12.850/2013, é vedada a participação do juiz nas negociações da colaboração premiada, restando a intervenção judicial restrita à verificação da regularidade, legalidade e voluntariedade, de modo a proceder ou não a homologação do acordo.
4. Nos termos do disposto nos §§ 7º e 8º, do art. 4º, caput, da Lei Federal n. 12.850/2013 e de uma visão interpretativa da norma, fica a critério do julgador adequar a proposta ao caso concreto, alterando o quantum estabelecido de pena, sendo esta uma de suas atribuições, após análise das circunstâncias elencadas no art. 4º, § 1º, do mesmo diploma legal, observado o limite de 2/3 (dois terços), consoante dispõe o art. 4º, caput, da Lei Federal n. 12.850/2013.
5. Assim, atento as regras do sistema acusatório, ao órgão acusador cabe à titularidade da ação penal e ao juiz sentenciante compete o estabelecimento ou negociação da pena a ser aplicada, dentro do seu juízo de discricionariedade.
6. O instituto da colaboração premiada e a atenuante da confissão não se confundem.
A colaboração premiada exige requisitos mais específicos para a materialização, não sendo suficiente a mera confissão acerca da prática delituosa, mas o fornecimento de informações que sejam objetivamente eficazes.
As consequências jurídicas da colaboração premiada também são mais amplas, além do que, a confissão espontânea se submete aos limites impostos no preceito secundário do tipo penal correspondente (Súmula n. 231 do STJ), diferentemente do que ocorre quando do reconhecimento das causas de diminuição.
Quanto à voluntariedade, também se distinguem as duas figuras processuais. O Código Penal vincula a legitimidade da confissão à espontaneidade (art. 65, III, d) e, por confissão espontânea entende-se o ato realizado através da livre vontade do agente, sem provocação. Já no que concerne à colaboração premiada, o entendimento prevalente da doutrina é o de que não se exige que a ideia de praticá-lo seja do próprio agente.
7. De outra parte, faz-se necessário observar o ponto em comum entre as figuras analisadas, qual seja, o ato do réu no esclarecimento da empreitada criminosa de forma a facilitar a persecução penal.
8. Atento ao princípio do ne bis in idem ou non bis in idem, que constitui um limite ao Estado, evitando a múltipla valoração do mesmo fato com idêntico fundamento jurídico e, ainda, tomada a amplitude de consequências e benefícios extraídos do instituto da colaboração premiada, há bis in idem na consideração da atenuante da confissão do réu quando já estabelecido o acordo de colaboração entre ele e o órgão ministerial nos casos em que aplicada a benesse de redução da pena prevista na Lei 12.850/13.
9. No caso concreto, faz-se necessário o refazimento da dosimetria das penas dos colaboradores que tiveram duplamente reconhecidas a atenuante da confissão espontânea e a redução da pena pela colaboração premiada.
10. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1852049/RN, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 20/10/2020, DJe 23/10/2020)
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