O que perdemos com os estudos?
Curiosamente, nesta data, ouvi de sete pessoas a pergunta “você não dorme?”. Via de regra, essa indagação é feita quando digo a alguém que estou terminando mais um livro, que escrevo um texto por dia para o meu site ou a quantidade de cursos de pós-graduação em que leciono.
É uma pergunta que, por não refletir a realidade – haja vista que eu durmo –, soa como um elogio em razão da aparente produtividade que conseguimos alcançar.
De fato, não deixo de dormir, mas eu – assim como muitos outros apaixonados pelos estudos – perco muitas noites de sono.
Ocorre que estudar não gera apenas a perda de noites de sono. Os estudos nos impõem renúncias pequenas ou enormes, dependendo dos projetos de vida e dos objetivos a serem alcançados.
Fala-se muito sobre os benefícios dos estudos e elogia-se quem, após muitos anos de dedicação aos estudos, chega a determinado patamar, como docência, aprovação em concurso púbico, atuação profissional qualificada etc.
Aqueles que já estudaram – e continuam estudando – são reconhecidos. Isto é um fato! Entretanto, experimente perguntar a essas pessoas como foi o sofrimento inicial nos estudos. Diga-lhes algo como “você deve ter abdicado de muitas coisas para estudar, não é?”. Neste momento, seja quem for essa pessoa, desviará o olhar para o lado, como se estivesse se recordando de tudo que ocorreu na sua trajetória de estudos. Provavelmente, surgem em sua memória as lembranças dos sacrifícios de uma vida dedicada à busca do conhecimento.
Sou um incentivador dos estudos. Tento, na medida do possível, incentivar todos que me procuram a estudarem mais, dedicarem algum tempo à leitura de livros de qualidade e ampliarem – ou iniciarem – suas produções acadêmicas. Como apaixonado pelos estudos, reconheço os sacrifícios diários e, por tal motivo, valorizo todos que dedica(ra)m uma vida aos estudos, conquanto os meus 28 anos de idade ainda não me permitam imaginar o que seria uma vida de leitura.
Quando leio os livros de um dos maiores juristas do país, perco-me em pensamentos que inevitavelmente surgem. Enquanto leio sobre hermenêutica, devo policiar-me para evitar perguntas mentais como “quanto tempo deve ter demorado para escrever esse capítulo?” e “qual é a rotina diária dele para conseguir escrever com enorme complexidade e, concomitantemente, continuar realizando novas leituras?”.
Quando reconhecemos as perdas e os sacrifícios enfrentados pelos autores de livros, começamos a valorizá-los adequadamente. Os livros deixam de ser apenas folhas de papel para se tornarem um histórico de dias, meses e anos dos autores que dedicaram uma parte de suas vidas para levarem alguma lição à vida de outras pessoas.
Uma vida dedicada aos estudos gera a perda ou o afastamento de amizades. Novos conhecimentos geram novos interesses, que nos afastam, ainda que inconscientemente, de pessoas que tenham interesses distintos. Não me refiro apenas a incapacidade de fazer amizades, como alguns livros descrevem o passado de Wittgenstein. Tampouco me refiro a lobos solitários que se isolam nas pesquisas, como Isaac Newton. Trato, basicamente, da mudança paulatina do círculo de amizade em virtude dos novos interesses e das recentes pretensões profissionais ou acadêmicas como decorrência da intensidade dos estudos.
E as (muitas) horas longe da família para cursar a faculdade? Quantas vezes permanecemos trancados em um quarto ou no escritório lendo um livro enquanto nossos familiares conversavam animadamente? Aprende-se duramente que cada minuto longe da família – para os estudos ou para qualquer outra coisa – é um minuto a menos com eles.
Ao fim de tudo, estudos não significam sucesso. Conheço graduados em Direito que, por falta de opção – e não por opção –, precisaram abandonar a área jurídica. Quando abri vaga para secretário(a), recebi currículos de graduados, pós-graduados, pessoas com duas graduações etc.
Ademais, há estudiosos geniais escondidos dos holofotes, das redes sociais, das editoras, dos sites da internet e da docência. Querem apenas estudar, e não há nada de errado nisso.
Precisamos considerar o que perdemos com os estudos, mas não para que deixemos de estudar (isso jamais!). O objetivo é aprender a valorizar, da forma que merecem, aqueles que se dedicam aos estudos e contribuem para a nossa tão sofrida doutrina.
Assim, deixo um convite: passem a pensar menos no que as pessoas são e mais no que elas perderam para se tornarem o que são. Produções e títulos acadêmicos são importantes, mas os sacrifícios e as perdas para obtê-los são marcantes. Cada um sabe como são os bastidores de seu palco. Quanto tempo o autor demorou para escrever o seu livro favorito? Quantos livros foram lidos – e em quanto tempo – para que um curto parágrafo de um livro fosse elaborado? Pense nisso.
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