STF: execução da pena em estabelecimento prisional diverso
Em abril de 2017, no julgamento da Rcl 25123/SC, sob relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou serem aceitáveis estabelecimentos não qualificados como colônia agrícola ou industrial (regime semiaberto) ou casa de albergado ou estabelecimento adequado (regime aberto), desde que não haja o alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado. A decisão está no informativo nº 861 do STF.
Essa reclamação constitucional foi ajuizada com fulcro na súmula vinculante nº 56 do STF, que dispõe: “A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.”
Portanto, para o STF, manter apenados em estabelecimentos prisionais diversos daqueles previstos na legislação – mas com a separação dos regimes prisionais – não se confunde com a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso. Apenas neste caso – e não naquele – se aplica a súmula vinculante nº 56.
Trata-se de mais uma decisão que fipetiza a Lei de Execução Penal (leia aqui), fazendo com que a LEP seja vista apenas como um teto inalcançável de direitos dos apenados. Quanto aos direitos, cumpre-se sempre menos que o previsto. No que concerne aos deveres dos apenados e às sanções por falta disciplinar, o Estado exige o cumprimento idêntico – ou mais rigoroso – ao instituído na legislação.
Ora, os estabelecimentos prisionais encontram-se nitidamente previstos nos arts. 91 (regime semiaberto) e 93 (regime aberto) da Lei de Execução Penal, assim como no art. 33, §1º, “b” e “c”, do Código Penal.
Infelizmente, as dificuldades estatais – orçamentárias e administrativas – para a construção dos estabelecimentos prisionais de cada regime foram consideradas pelo Judiciário em detrimento de previsão expressa da legislação.
Em nosso sistema prisional, a classificação (art. 5º da LEP) não funciona plenamente – ou é repelida por rebeliões de apenados que não querem mudar de módulos – e a utilização de estabelecimentos prisionais diversos dos legalmente especificados é permitida pelo STF. Ademais, os apenados permanecem em regimes mais gravosos após o implemento dos prazos para a progressão de regime, aguardando demoradas decisões de Juízes da execução penal. Por esse motivo, foi necessário que o STJ definisse que a data-base para a próxima progressão seria a data do implemento do prazo, e não a data da decisão do Magistrado, que, em muitas comarcas, demora semanas ou meses para analisar o pedido de progressão (leia aqui).
Portanto, a separação de regimes e o sistema progressivo são uma falácia. Mais uma vez, a LEP se torna a tabela FIPE da execução penal.
Por oportuno, urge citar a ementa da relevante decisão tomada no RE 641.320/RS, precedente adotado na reclamação constitucional em comento:
Constitucional. Direito Penal. Execução penal. Repercussão geral. Recurso extraordinário representativo da controvérsia. 2. Cumprimento de pena em regime fechado, na hipótese de inexistir vaga em estabelecimento adequado a seu regime. Violação aos princípios da individualização da pena (art. 5º, XLVI) e da legalidade (art. 5º, XXXIX). A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso. 3. Os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto) (art. 33, § 1º, alíneas “b” e “c”). No entanto, não deverá haver alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado. 4. Havendo déficit de vagas, deverão ser determinados: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado. 5. Apelo ao legislador. A legislação sobre execução penal atende aos direitos fundamentais dos sentenciados. No entanto, o plano legislativo está tão distante da realidade que sua concretização é absolutamente inviável. Apelo ao legislador para que avalie a possibilidade de reformular a execução penal e a legislação correlata, para: (i) reformular a legislação de execução penal, adequando-a à realidade, sem abrir mão de parâmetros rígidos de respeito aos direitos fundamentais; (ii) compatibilizar os estabelecimentos penais à atual realidade; (iii) impedir o contingenciamento do FUNPEN; (iv) facilitar a construção de unidades funcionalmente adequadas – pequenas, capilarizadas; (v) permitir o aproveitamento da mão-de-obra dos presos nas obras de civis em estabelecimentos penais; (vi) limitar o número máximo de presos por habitante, em cada unidade da federação, e revisar a escala penal, especialmente para o tráfico de pequenas quantidades de droga, para permitir o planejamento da gestão da massa carcerária e a destinação dos recursos necessários e suficientes para tanto, sob pena de responsabilidade dos administradores públicos; (vii) fomentar o trabalho e estudo do preso, mediante envolvimento de entidades que recebem recursos públicos, notadamente os serviços sociais autônomos; (viii) destinar as verbas decorrentes da prestação pecuniária para criação de postos de trabalho e estudo no sistema prisional. 6. Decisão de caráter aditivo. Determinação que o Conselho Nacional de Justiça apresente: (i) projeto de estruturação do Cadastro Nacional de Presos, com etapas e prazos de implementação, devendo o banco de dados conter informações suficientes para identificar os mais próximos da progressão ou extinção da pena; (ii) relatório sobre a implantação das centrais de monitoração e penas alternativas, acompanhado, se for o caso, de projeto de medidas ulteriores para desenvolvimento dessas estruturas; (iii) projeto para reduzir ou eliminar o tempo de análise de progressões de regime ou outros benefícios que possam levar à liberdade; (iv) relatório deverá avaliar (a) a adoção de estabelecimentos penais alternativos; (b) o fomento à oferta de trabalho e o estudo para os sentenciados; (c) a facilitação da tarefa das unidades da Federação na obtenção e acompanhamento dos financiamentos com recursos do FUNPEN; (d) a adoção de melhorias da administração judiciária ligada à execução penal. 7. Estabelecimento de interpretação conforme a Constituição para (a) excluir qualquer interpretação que permita o contingenciamento do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), criado pela Lei Complementar 79/94; b) estabelecer que a utilização de recursos do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) para financiar centrais de monitoração eletrônica e penas alternativas é compatível com a interpretação do art. 3º da Lei Complementar 79/94. 8. Caso concreto: o Tribunal de Justiça reconheceu, em sede de apelação em ação penal, a inexistência de estabelecimento adequado ao cumprimento de pena privativa de liberdade no regime semiaberto e, como consequência, determinou o cumprimento da pena em prisão domiciliar, até que disponibilizada vaga. Recurso extraordinário provido em parte, apenas para determinar que, havendo viabilidade, ao invés da prisão domiciliar, sejam observados (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada do recorrido, enquanto em regime semiaberto; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado após progressão ao regime aberto.
(RE 641320, Relator: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 11/05/2016) [grifei]
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