O projeto do Novo Código de Processo Penal e a investigação criminal defensiva
Atualmente, tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que instituem e disciplinam – ainda que resumidamente – a investigação criminal defensiva.
No dia 22 de abril de 2009, o Senador José Sarney (PMDB/AP) apresentou o Projeto de Lei do Senado nº 156/2009, que dispõe sobre a reforma do Código de Processo Penal. A sua aprovação em Plenário ocorreu em dezembro de 2010, sendo posteriormente remetido à Câmara dos Deputados, tornando-se o PL nº 8.045/2010.
O texto original do PLS nº 156/2009 abordava a investigação criminal defensiva no art. 14, facultando ao investigado, por meio de seu Advogado ou de outros mandatários com poderes expressos, tomar a iniciativa de identificar fontes de prova em favor de sua defesa, podendo inclusive entrevistar pessoas. Também disciplinava que as entrevistas deveriam ser precedidas de esclarecimento sobre seus objetivos e do consentimento das pessoas ouvidas.
No dia 7 de dezembro de 2010, o Deputado Federal Miro Teixeira, do PDT/RJ, apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei que “Institui o Código de Processo Penal”, o qual recebeu a numeração 7987/2010. Esse projeto foi apensado ao PL nº 8045/2010, da mesma forma que mais de 300 outros projetos.
No PL nº 8045/2010, a regulamentação da investigação criminal defensiva é feita nos seguintes termos:
Art. 13. É facultado ao investigado, por meio de seu advogado, de defensor público ou de outros mandatários com poderes expressos, tomar a iniciativa de identificar fontes de prova em favor de sua defesa, podendo inclusive entrevistar pessoas.
§ 1º As entrevistas realizadas na forma do caput deste artigo deverão ser precedidas de esclarecimentos sobre seus objetivos e do consentimento formal das pessoas ouvidas.
§ 2º A vítima não poderá ser interpelada para os fins de investigação defensiva, salvo se houver autorização do juiz das garantias, sempre resguardado o seu consentimento.
§ 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, o juiz das garantias poderá, se for o caso, fixar condições para a realização da entrevista.
§ 4º Os pedidos de entrevista deverão ser feitos com discrição e reserva necessárias, em dias úteis e com observância do horário comercial.
§ 5º O material produzido poderá ser juntado aos autos do inquérito, a critério da autoridade policial.
§ 6º As pessoas mencionadas no caput deste artigo responderão civil, criminal e disciplinarmente pelos excessos cometidos.
De início, observa-se que foi adicionado o Defensor Público ao lado do Advogado e de outros mandatários com poderes expressos. Concordamos com essa alteração, haja vista que deve ser plenamente admitida – e até incentivada – a instauração e condução de uma investigação defensiva por membro da Defensoria Pública.
A utilização do referido procedimento pela Defensoria Pública é crucial para consolidar a ampla defesa, porquanto se trata de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados (art. 134 da Constituição Federal). Se não fosse possível que a Defensoria investigasse em favor dos seus assistidos, haveria desigualdade entre os poderes das defesas realizadas por Advogado e Defensor Público, prejudicando, portanto, os investigados e réus. Por esse motivo, defendemos não apenas a permissão, mas também o incentivo a essa forma de atuação.
O §2º apresenta uma limitação, que consiste na impossibilidade de interpelar a vítima na investigação criminal defensiva, salvo se tiver autorização judicial e o seu consentimento. Na autorização, o Juiz poderá fixar condições para a entrevista (§3º).
De fato, a inserção da vítima na investigação criminal defensiva gera muitos receios e necessita de alguns cuidados que reduzam os riscos de que o convite para a sua oitiva pareça ser uma tentativa de intimidação. Acreditamos, contudo, que é uma limitação que prejudica o principal objetivo da investigação defensiva: a efetivação da ampla defesa.
Para não prejudicar a defesa, é imperativo que o Advogado participe do depoimento da vítima no inquérito policial, com possibilidade de formular toda as perguntas que entender pertinentes.
O §4º apresenta algumas condições para o pedido de entrevista, quais sejam, discrição, reserva e apenas em dias úteis, com observância do horário comercial. Consideramos que esse parágrafo, apesar de integrar um projeto de lei, deve ser considerado como parâmetro de atuação para os Advogados desde já. Evidentemente, por não se tratar de legislação em vigor, trata-se, ainda, de mera recomendação, servindo como um possível parâmetro que pode evitar riscos desnecessários.
O §5º representa um retrocesso, por considerar que o material produzido poderá ser juntado, a critério da autoridade. Mantém-se, portanto, a discricionariedade que já existe quanto aos requerimentos de diligências (art. 14 do CPP), o que em nada contribui para a efetivação da ampla defesa.
Entendemos que seria muito importante a previsão da discricionariedade do Advogado quanto a juntar ou não o material produzido. Afinal, por respeito ao direito de não se autoincriminar, não existe o dever de juntar provas contrárias ao investigado ou réu. Infelizmente, o projeto trata da (perigosa) discricionariedade da autoridade policial, mas desconsidera a discricionariedade da defesa técnica.
Por fim, o §6º prevê a responsabilização civil, criminal e disciplinar pelos excessos cometidos na condução da investigação defensiva.
Ainda que o projeto seja tímido e não contemple toda a complexidade inerente à investigação criminal defensiva, deve-se reconhecer que sua aprovação seria um avanço para o exercício da ampla defesa, em que pese a previsão da discricionariedade da autoridade policial – o que permite ocultar do inquérito policial elementos favoráveis à defesa – e a falta de regulamentação dos outros meios que podem ser empregados na investigação.
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