Decisão proferida pela Turma Recursal Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no Recurso Crime nº 71006055990, julgado em 12/09/2016 (acesse aqui a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
APELAÇÃO CRIMINAL. PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO (ART. 42, I E III, DA LCP). INTERVENÇÃO MÍNIMA. ATIPICIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA REFORMADA. Impossibilidade de desconsiderar que o Direito Penal é a última ratio e que a intervenção mínima deve ser a tônica de molde a assegurar a sua utilização apenas em face das condutas que se revistam de relevância penal. Caso em que o fato objeto da peça acusatória – promoção de FESTAS em estabelecimento comercial – não se afigura, à toda evidência, como penalmente relevante. Ora, em hipóteses tais, onde configurado claramente um conflito de vizinhança, o caminho é outro, ou seja, a propositura, no âmbito cível, das medidas pertinentes, seja pelo Ministério Público, seja por aquele que tenha sido prejudicado na esfera individual, sem prejuízo de eventuais providências do Município na esfera administrativa. RECURSO PROVIDO.(Recurso Crime, Nº 71006055990, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Luiz Antônio Alves Capra, Julgado em: 12-09-2016)
Leia a íntegra do voto:
Dr. Luiz Antônio Alves Capra (RELATOR)
Conheço do recurso, pois cabível e tempestivo.
Entendo, desde logo adianto, deva ele ser provido.
Impossível se afigura desconsiderar que o Direito Penal é a última ratio e que a intervenção mínima deve ser a tônica de molde a assegurar a sua utilização apenas em face das condutas que se revistam de relevância penal.
No ponto, oportuno o que leciona Nucci:
“Fosse o Direito Penal a primeira opção do legislador para a composição de conflitos e mediação de interesses contrapostos e estar-se-ia vulgarizando a força estatal, privilegiando o império da brutalidade, pois a todos os erros seriam impostas reprimendas máximas. Assim não se dá no dia-a-dia em cenário algum, visto existir a proporcionalidade e a razoabilidade, como mecanismos justos de quantificação da demanda punitiva em face de desvios de toda ordem. Logo, não se poderia acolher, especialmente no contexto penal, o abuso e o exagero para a imposição do respeito à lei.”
A liberdade individual, estampada sob variadas formas (ir, vir e ficar; pensar e manifestar-se; crer e cultuar; associar-se; viver de maneira privada; zelar pela intimidade, possuir e usufruir de bens; unir-se em família etc), é o paradigma da sociedade democrática, regrada por leis. Destarte, as infrações às normas postas merecem ser coibidas por inúmeros instrumentos jurídicos extrapenais, antes que se possa lançar mão da última ratio (última hipótese), identificada no Direito Penal.
O eficiente equilíbrio entre liberdade e punição penal, modelado pela razoabilidade e pela proporcionalidade, constitui o demonstrativo eficaz de que se cultua e respeita o Estado Democrático de Direito, nos parâmetros delineados pelo art. 1º da Constituição Federal.
O fato objeto da peça acusatória “promoção de festas em estabelecimento comercial” não se afigura, à toda evidência, como penalmente relevante.
Ora, em hipóteses tais, onde configurado claramente um conflito de vizinhança, o caminho é outro, ou seja, a propositura, no âmbito cível, das medidas pertinentes, seja pelo Ministério Público, seja por aquele que tenha sido prejudicado na esfera individual, sem prejuízo de eventuais providências do Município na esfera administrativa.
Não se compreende, aliás, por qual motivo, diante das reclamações da comunidade, não adotou o Ministério Público tal providência, que poderia comportar, em tese, inclusive a concessão de liminar para fazer cessar a perturbação por meio mais expedito.
Posto isso, voto por dar provimento ao recurso a fim de absolver, fulcro no art. 386, III, do CPP, o réu.
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