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Evinis Talon

STJ: a realização de perícia antropológica constitui-se em importante instrumento para assistir as partes nos debates em plenário (informativo 659 do STJ)

01/12/2019

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No RHC 86.305-RS, julgado em 01/10/2019, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, embora não possua caráter vinculante, a realização de perícia antropológica constitui-se em importante instrumento para assistir as partes nos debates em plenário e também o julgador na imposição de eventual reprimenda, podendo, no caso, ser realizado após a pronúncia do réu, sem prejuízo ao andamento processual (leia aqui).

Informações do inteiro teor:

Embora a perícia antropológica não possua caráter vinculante, constitui importante instrumento para assistir o julgador no processo decisório. A respeito do tema, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Embargos de Declaração na Petição n. 3.388/RR, relativo ao processo de demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, destacou a importância da realização do estudo antropológico, dado que “a inclusão de determinada área entre as ‘terras tradicionalmente ocupadas pelos índios’ não depende de uma avaliação puramente política das autoridades envolvidas, e sim de um estudo técnico antropológico.

Sendo assim, a modificação da área demarcada não pode decorrer apenas das preferências políticas do agente decisório”. Merece também relevo, mormente no âmbito penal, a Resolução n. 287/2019 do Conselho Nacional de Justiça, a qual estabelece que, “[a]o receber denúncia ou queixa em desfavor de pessoa indígena, a autoridade judicial poderá determinar, sempre que possível, de ofício ou a requerimento das partes, a realização de perícia antropológica, que fornecerá subsídios para o estabelecimento da responsabilidade da pessoa acusada”.

Portanto, resulta acentuada a relevância do estudo antropológico para a adequada compreensão dos contornos socioculturais tanto dos fatos analisados quanto dos indivíduos a quem são imputados, de modo a auxiliar o Juízo de primeiro grau na imposição de eventual reprimenda, mormente diante do que prescreve o art. 56 do Estatuto do Índio, segundo o qual, “[n]o caso de condenação de índio por infração penal, a pena deverá ser atenuada e na sua aplicação o Juiz atenderá também ao grau de integração do silvícola”.

Ante a concreta possibilidade de virem a ser julgados e, eventualmente, condenados pela prática dos crimes de que são acusados, será fundamental, para a precisa individualização das sanções criminais, que o juiz-presidente do Tribunal do Júri tenha as informações necessárias para efetuar o juízo de reprovação que consubstancia a ideia (lato sensu) de culpabilidade.

Não se verifica, assim, prejuízo ao andamento processual que, uma vez (e se) pronunciados os réus, seja determinada a realização do Estudo Antropológico, pari passu aos atos necessários à preparação do julgamento, para o qual, então, deverá o laudo estar concluído e colocado à disposição não apenas dos juízes, leigos e togados, mas também das partes, ao escopo de auxiliá-las nos debates que se desenvolverão em sessão plenária.

Confira a ementa:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL DE COMPETÊNCIA DO JÚRI. COMUNIDADE INDÍGENA KAINGANG. TRADUÇÃO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. ACEITAÇÃO TÁCITA DA DEFESA TÉCNICA CONSTITUÍDA. REQUERIMENTO DE INTÉRPRETE REALIZADO APÓS O TÉRMINO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. NÃO COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO À COMPREENSÃO DOS ATOS PROCESSUAIS. INVIABILIDADE DE CONCLUSÃO EM SENTIDO CONTRÁRIO AO AFIRMADO NO ACÓRDÃO. ESTUDO ANTROPOLÓGICO. ESTATUTO DO ÍNDIO. RELEVÂNCIA PARA A ADEQUADA COMPREENSÃO DOS CONTORNOS SOCIOCULTURAIS DOS FATOS ANALISADOS. MOMENTO OPORTUNO. SENTENÇA. DOSIMETRIA DA PENA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Os recorrentes, que pertencem à etnia Kaingang, durante a instrução relativa à primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri, tiveram permanente assistência de defesa técnica por eles constituída, que os acompanhou em todos os atos processuais, sem que, em nenhum momento até o encerramento da instrução criminal, tenham arguido algum prejuízo e solicitado o acompanhamento de intérprete ou a tradução de documentos do processo.
2. Tanto o juiz de primeiro grau quanto o tribunal assinalaram que os acusados, ao longo dos atos processuais, se comunicaram livremente em língua portuguesa e demonstraram plena capacidade de compreensão quanto aos termos da acusação, e salientaram que, dos elementos trazidos aos autos, “os indígenas possuem pleno entendimento dos fatos delituosos a eles imputados, não havendo a necessidade de tradução da peça acusatória, até porque, a defesa dos pacientes está sendo realizada por procuradores constituídos pelos próprios acusados”. Concluir em sentido contrário, como pretendem os recorrentes, esbarra na impossibilidade de, em habeas corpus, realizar-se incursão vertical sobre as provas constantes dos autos da ação penal em curso.
3. Outrossim, o processo encontra-se ainda na primeira fase do procedimento inerente aos crimes dolosos contra a vida, destinada a tão somente avaliar a existência ou não de prova da materialidade do crime e de indícios suficientes de autoria, nada impedindo que se renove a prova perante o juízo natural da causa – o Tribunal do Júri – se, por hipótese, vierem os recorrentes a ser pronunciados.
4. Por sua vez, a realização do estudo antropológico se apresenta como relevante instrumento de melhor compreensão dos contornos socioculturais dos fatos analisados, bem como dos próprios indíviduos a quem são imputadas as condutas delitivas, de modo a auxiliar o Juízo de primeiro grau na imposição de eventual reprimenda, mormente diante do que prescreve o art. 56 do Estatuto do Índio, segundo o qual, “[n]o caso de condenação de índio por infração penal, a pena deverá ser atenuada e na sua aplicação o Juiz atenderá também ao grau de integração do silvícola”.
5. Recurso parcialmente provido apenas para determinar que, na hipótese eventual de serem os réus pronunciados, se realize estudo antropológico antes da data designada para a sessão do Tribunal do Júri, cassada a liminar deferida, de modo a restabelecer o regular trâmite da Ação Penal n. 5004459-38.2016.404.7117. (RHC 86.305/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 01/10/2019, DJe 18/10/2019)

Leia também:

  • Informativo 606 do STJ: o fato de os delitos terem sido cometidos em concurso formal não autoriza a extensão dos efeitos do perdão judicial (leia aqui)
  • Informativo 609 do STJ: o interrogatório deve ser o último ato da instrução criminal (leia aqui)
  • Informativo 610 do STJ: não é típica a conduta de inserir, em currículo Lattes, dado que não condiz com a realidade (leia aqui)

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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