No APn 923-DF, julgado em 23/09/2019, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que ao rito especial da Lei nº 8.038/1990 aplicam-se, subsidiariamente, as regras do procedimento ordinário (art. 394, § 5º, CPP), razão pela qual eventual rejeição da denúncia é balizada pelo art. 395 do CPP, ao passo que a improcedência da acusação (absolvição sumária) é pautada pelo disposto no art. 397 do CPP (leia aqui).
Informações do inteiro teor:
Oferecida a denúncia e após a resposta do acusado, o Tribunal deliberará acerca de sua rejeição, recebimento ou improcedência da acusação, nos termos do disposto no art. 6º da Lei n. 8.038/1990, que dispõe sobre normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.
Consoante a previsão do art. 394, § 5º, do CPP, ao procedimento especial da Lei n. 8.038/1990 devem ser aplicadas, subsidiariamente, as regras do procedimento ordinário. Diante dessa circunstância, o exame da aptidão da denúncia deve ser balizado pelo art. 395 do CPP, ao passo que o da improcedência da acusação (absolvição sumária) deve ser pautado pelo disposto no art. 397 do CPP.
Assim, o Tribunal rejeitará a denúncia: a) quando for manifestamente inepta; b) quando faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou c) faltar justa causa para o exercício da ação penal, nos termos do art. 395 do CPP.
Caso não estejam presentes esses elementos enumerados no art. 395 do CPP, a denúncia deve ser recebida e, assim, em consequência, verificada a possibilidade de exame imediato do mérito da pretensão punitiva penal, que é hipótese de verdadeiro julgamento antecipado de mérito.
Desse modo, se para a rejeição da denúncia são examinados aspectos preponderantemente processuais, para a improcedência da acusação, com a absolvição, é examinado o mérito da pretensão punitiva penal.
Confira a ementa:
PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. MEMBRO DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. PRELIMINAR. DELAÇÃO ANÔNIMA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. TEMA 990 DE REPERCUSSÃO GERAL. CONTROVÉRSIA JURÍDICA. DISTINÇÃO. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO. INDEFERIMENTO. DENÚNCIA. REQUISITOS. ART. 41 DO CPP. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI 9.613/98. CRIME ANTECEDENTE. PECULATO. ART. 312 DO CP. APTIDÃO. JUSTA CAUSA. ART. 395, III, DO CPP. LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. PRESENÇA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 397 DO CPP. INVIABILIDADE. RECEBIMENTO.
1. O propósito da presente fase procedimental é determinar se a denúncia oferecida pelo MPF – na qual é imputada a JOSÉ JÚLIO DE MIRANDA COELHO, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Amapá (TCE/AP), a suposta prática do crime de lavagem de dinheiro de forma reiterada (art. 1º, caput e § 4º, da Lei 9.613/98), por 4 (quatro) vezes – pode ser recebida ou se é possível o julgamento imediato de improcedência da acusação (art. 6º da Lei 8.038/90).
2. A delação anônima, embora não seja suficiente, por si só, para ensejar o início da persecução penal do fato nela narrado, não impede que a autoridade policial ou o Ministério Público realizem a) diligências complementares ou b) encontrem no conjunto dos outros fatos já em apuração elementos capazes de confirmar a plausibilidade e verossimilhança das informações nela constantes. Precedentes.
3. Na hipótese dos autos, a guinada das investigações ao TCE/AP, bem como as medidas de busca e apreensão domiciliar e quebras de sigilo constitucionais que se seguiram, foi fundada em diversos e entrelaçados fatos concretos da causa, cujas informações foram complementadas por diligências adicionais, não havendo nulidade a ser pronunciada.
4. Segundo a orientação perfilhada por esta e. Corte, as contas públicas, ante os princípios da publicidade e da moralidade (art. 37 da CF), não possuem, em regra, proteção do direito à intimidade/privacidade, e, em consequência, não são protegidas pelo sigilo bancário.
5. Na hipótese vertente, os dados bancários examinados pelo COAF se referem às movimentações financeiras da conta corrente de titularidade do ente público (TCE/AP), não resguardadas pelo sigilo bancário e pela proteção da intimidade/privacidade, e a quebra do sigilo bancário e fiscal do réu foi devidamente autorizada pelo Poder Judiciário, razão pela qual não há aderência da questão jurídica versada no presente processo àquela delimitada no Tema 990 de repercussão geral no STF.
6. Ao rito especial da Lei 8.038/90 aplicam-se, subsidiariamente, as regras do procedimento ordinário (art. 394, § 5º, CPP), razão pela qual eventual rejeição da denúncia é balizada pelo art. 395 do CPP, ao passo que a improcedência da acusação (absolvição sumária) é pautada pelo disposto no art. 397 do CPP.
7. A denúncia ou queixa serão ineptas quando de sua deficiência resultar vício na compreensão da acusação a ponto de comprometer o direito de defesa do acusado.
8. A aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do suposto crime prévio, bastando, com relação às condutas praticadas antes da Lei 12.683/12, a presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja proveniente, direta ou indiretamente, de uma daquelas infrações penais mencionadas nos incisos do art. 1º da Lei 9.613/98.
9. Na presente hipótese, a denúncia contém a correta delimitação dos fatos e da conduta do acusado em relação à suposta prática do crime do art. 1º da Lei 9.613/98, não havendo, por consequência, prejuízo a seu direito de ampla defesa.
10. A justa causa corresponde a um lastro mínimo de prova, o qual deve ser capaz de demonstrar a pertinência do pedido condenatório e que está presente na hipótese em exame, consubstanciada em documentos obtidos na residência do acusado por meio de busca e apreensão; depoimento de testemunha e dados obtidos mediante a quebra de sigilo bancário devidamente autorizada.
11. Na circunstância de a denúncia ser apta para ensejar a instauração do processo penal, o exame de forma antecipada do mérito da pretensão punitiva depende da demonstração indiscutível, inquestionável, dos pressupostos que autorizariam a absolvição do acusado, cuja ocorrência deve, pois, prescindir de produção probatória.
12. O tipo penal do art. 1º da Lei 9.613/98 é de ação múltipla ou plurinuclear, consumando-se com a prática de qualquer dos verbos mencionados na descrição típica e relacionando-se com qualquer das fases do branqueamento de capitais (ocultação, dissimulação; reintrodução), não exigindo a demonstração da ocorrência de todos os três passos do processo de branqueamento.
13. Na espécie, há possibilidade, em tese, de que as movimentações financeiras indicadas pela acusação à inicial tenham sido praticadas de forma autônoma em relação ao crime antecedente (autolavagem) e utilizadas como forma de ocultação da alegada origem criminosa dos valores, mediante distanciamento do dinheiro de sua alegada origem criminosa pela transferência de titularidade de quantias vultosas entre contas bancárias de titularidade de terceiros, mas supostamente controlada pelo acusado, não sendo, pois, manifesta a atipicidade da conduta.
14. Os conselheiros de Tribunais de Contas são equiparados aos magistrados, por força do princípio da simetria em relação à disposição contida no art. 73, § 3º, da CF/88, sendo-lhes aplicada, por analogia, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC nº 35/79), razão pela qual a natureza ou a gravidade do fato imputado a essas autoridades pode ensejar o afastamento do denunciado do cargo público por ele ocupado.
15. Denúncia recebida, com o afastamento cautelar do denunciado do cargo público por ele ocupado. (APn 923/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 23/09/2019, DJe 26/09/2019)
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