Notícia publicada no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no dia 11 de outubro de 2019 (leia aqui), referente ao RHC 86305.
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a produção de estudo antropológico para melhor compreensão sociocultural a respeito de 19 índios kaingang acusados da morte de dois agricultores, caso eles sejam mandados a júri popular.
Em abril de 2014, no município de Faxinalzinho, região do Alto Uruguai (RS), durante uma manifestação dos kaingangs pedindo a regularização de seu território, houve confronto que resultou em duplo homicídio.
No recurso em habeas corpus julgado pela Sexta Turma, a defesa pedia que fosse determinada a tradução integral do processo para a língua kaingang e a disponibilização de intérprete, alegando ser direito dos indígenas – réus e testemunhas de defesa – expressar-se em seu próprio idioma quando interrogados, o que garantiria a compreensão e o direito à ampla defesa.
Foi solicitada ainda a elaboração de laudo antropológico, para que houvesse compreensão da cultura e da organização social dos índios, assegurando-se a imparcialidade do processo.
Auxílio ao julgador
O relator do recurso, ministro Rogerio Schietti Cruz, acolheu o pedido de realização do estudo antropológico, para melhor compreensão dos contornos socioculturais dos fatos analisados e dos próprios acusados, mas apenas na hipótese de os réus serem pronunciados. O estudo, segundo o ministro, apesar de não ter caráter vinculante, é um importante instrumento que pode auxiliar o julgador no processo decisório.
“Ante a concreta possibilidade de virem a ser julgados e, eventualmente, condenados pela prática dos crimes de que são acusados, será fundamental, para a precisa individualização das sanções criminais, que o juiz-presidente do tribunal do júri tenha as informações necessárias para efetuar o juízo de reprovação que consubstancia a ideia (lato sensu) de culpabilidade”, explicou.
Ao dar parcial provimento ao recurso, a turma decidiu, por maioria, que, na hipótese de serem os réus pronunciados, o laudo antropológico deve ser produzido antes da data designada para a sessão do tribunal do júri.
Tradução
Acompanhando o voto de Schietti, o colegiado negou os pedidos dos índios para disponibilização de intérprete e tradução integral dos autos da ação penal. O relator levou em conta que não houve demonstração de prejuízo para os réus e também o fato de que eles falam português.
Após o encerramento da instrução processual, os índios acusados pediram habeas corpus ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) para suspender o processo até que os autos fossem traduzidos para o idioma kaingang, mas o pedido foi negado.
Com base em informações do processo, Schietti afirmou que, durante a primeira fase do procedimento do tribunal do júri, os índios tiveram a permanente assistência de advogados que os acompanharam em todos os atos processuais, sem alegar prejuízo ou solicitar a presença de intérprete ou a tradução de documentos.
Entendimento pleno
“Tanto o juiz de primeiro grau quanto o tribunal assinalaram que os acusados, ao longo dos atos processuais, se comunicaram livremente em língua portuguesa e demonstraram plena capacidade de compreensão quanto aos termos da acusação”, disse o ministro.
O relator frisou ainda que, de acordo com o juiz, os indígenas têm pleno entendimento dos crimes dos quais são acusados, não havendo a necessidade de tradução da denúncia, até porque a defesa está a cargo de advogados constituídos por eles próprios.
“Não verifico a ocorrência de constrangimento ilegal no cenário aqui apresentado, ou, pelo menos, nada está a indicar uma situação de hipossuficiência linguística de tal monta a comprometer o direito à ampla defesa dos acusados”, observou.
Renovação da prova
Schietti esclareceu que o processo ainda está na primeira fase do procedimento inerente aos crimes dolosos contra a vida, quando se avalia a existência ou não de prova da materialidade do crime e de indícios suficientes de autoria. Para ele, se os indígenas vierem a ser pronunciados, será possível a renovação da prova perante o juízo natural da causa – o tribunal do júri.
O relator enfatizou que a defesa, antes do término da instrução processual, em momento algum solicitou a presença de intérprete – o que reitera as razões invocadas pelas instâncias ordinárias para fundamentar a idoneidade dos atos processuais, inclusive o interrogatório dos acusados.
“Isso, contudo, não impede que, constatada a necessidade de auxílio do profissional especializado, o requerimento possa ser dirigido ao juízo monocrático em atos futuros a serem realizados”, acrescentou.
Leia o voto do relator.
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