TRF4

Evinis Talon

TRF4: atipicidade quanto ao crime de falsidade ideológica no caso de advogado que apresenta procuração em juízo com endereço inverídico

12/02/2020

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Decisão proferida pela Sétima Turma do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF4) no Habeas Corpus nº 5037709-05.2018.4.04.0000, julgado em 16/10/2018 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

EMENTA: HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO PARTICULAR IDEOLOGICAMENTE FALSO. DECLARAÇÃO DE ENDEREÇO RESIDENCIAL PARA FINS DE REQUERIMENTO DE APOSENTADORIA PERANTE O INSS. INFORMAÇÃO SUJEITA A CONFIRMAÇÃO POSTERIOR. ATIPICIDADE DA CONDUTA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. 1. O trancamento de ação penal por meio de habeas corpus é providência reservada para casos excepcionais, nos quais é possível, de plano e sem necessidade de exame aprofundado do conjunto fático-probatório, verificar a ausência de justa causa, consubstanciada na inexistência de elementos indiciários demonstrativos da autoria e da materialidade do delito, na atipicidade da conduta e na presença de alguma causa excludente da punibilidade ou, ainda, no caso de inépcia da denúncia. 2. Segundo jurisprudência pacífica desta Corte e do STJ, a simples indicação de endereço falso pelo segurado, para fins de requerimento de benefício perante o INSS e posterior ajuizamento de ação previdenciária, não configura o crime de falsidade ideológica. 3. Ordem de habeas corpus concedida, para trancamento da ação penal, em face da atipicidade da conduta dos pacientes. (TRF4, HC 5037709-05.2018.4.04.0000, SÉTIMA TURMA, Relator LUIZ CARLOS CANALLI, juntado aos autos em 16/10/2018)

Leia a íntegra do voto:

VOTO

O trancamento de ação penal por meio de habeas corpus é providência reservada para casos excepcionais, nos quais é possível, de plano e sem necessidade de exame aprofundado do conjunto fático-probatório, verificar a ausência de justa causa, consubstanciada na inexistência de elementos indiciários demonstrativos da autoria e da materialidade do delito, na atipicidade da conduta e na presença de alguma causa excludente da punibilidade ou, ainda, no caso de inépcia da denúncia.

Na hipótese vertente nos autos, o impetrante defende o tracamento da ação penal em face da atipicidade da conduta atribuída aos pacientes (uso de documento particular que sabiam ser ideologicamente falso para fins de obtenção de benefício previdenciário indeferido na via administrativa pelo INSS) e não em face do que constou na decisão inicial, ou seja, pela ausência de descrição da conduta dos agentes.

Sob tal perspectiva, tenho que merece acolhimento a impetração, como bem analisou o Parquet Federal, em seu parecer (evento 9), da lavra do Procurador Regional da República Adriano Augusto Silvestrin Guedes, ao qual me reporto como razão de decidir, in verbis:

(…)
2.2. De início, cumpre frisar que, consoante jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores e deste Tribunal, o trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade.
2.3. De fato, impedir o Estado, de antemão, de exercer a função jurisdicional, coibindo-o de sequer realizar o levantamento dos elementos de prova para a verificação da verdade dos fatos, constitui-se uma hipótese de extrema excepcionalidade, sobretudo porque a estreiteza da via do habeas corpus não permite profundas incursões na seara probatória, razão pela qual se exige uma razoável certeza das condições acima excepcionadas para o trancamento da ação penal, com demonstrações inequívocas das alegações levantadas.
2.4. No presente caso, a ordem merece ser concedida. Vejamos:
2.5. O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de SUEINE GOULART PIMENTEL, CÉSAR PAVAN LAMARCA e DIÓGENES JOSÉ CARVALHO DE OLIVEIRA, dando os dois primeiros como incursos nas sanções do art. 304 c/c art. 299, ambos Código Penal, e o terceiro como incurso nas sanções do art. 299 do Código Penal, nos seguintes termos:

“O argüído César Pavan Lamarca apresentou pedido de aposentadoria por tempo de contribuição em 25/02/2011 perante o INSS do Rio de Janeiro, na agência da Rua Aristides Caire, 218, Méier.
O pedido foi tombado sob o número de Benefício 155.254.585-4 (evento 1 – PROCADM13 da Ação Ordinária 5051543-91.2013.4.04.7100).
Na petição constava como endereço do requerente a Estrada do Bananal, 986, bl. 2, ap. 102, Rio de Janeiro.
O pedido administrativo veio a ser indeferido por falta de tempo de contribuição.
Em 12 de agosto de 2013, em Porto Alegre RS, o denunciado Diógenes José Carvalho de Oliveira, inseriu ou fez inserir declaração falsa em documento particular com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
Isso porque Diógenes assinou uma declaração onde constava que César Pavan Lamarca residia consigo, no endereço Rua Lopo Gonçalves, 495, em Porto Alegre RS, quando em verdade César residia no Estado do Rio de Janeiro.
Diante do indeferimento do pedido administrativo feito por César, em 30 de setembro de 2013, em Porto Alegre RS, os denunciados César Pavan Lamarca e Sueine Goulart Pimentel fizeram uso de documento particular que sabiam ser ideologicamente falso.
Para tanto a denunciada Sueine ajuizou a Ação Civil nº 5051543-91.2013.4.04.7100 em favor de César e juntou ao processo a declaração ideologicamente falsa anteriormente assinada por Diógenes.
Ao ser citado o INSS ajuizou ação de exceção de incompetência, protocolada sob o nº 5038101-24.2014.4.04.7100, a qual foi julgada procedente, declinando a competência para a Subseção Judiciária do Rio de Janeiro.
Autoria e materialidade delitivas estão demonstradas nos documentos constantes no evento 1 – INIC1, evento 1 – PROC2 da Ação nº 5051543-91.2013.4.04.710, Laudo nº 0927/2016 – SETEC/SR/DPF/RS e demais documentos que instruem o inquérito policial nº 5064066-67.2015.4.04.7100.
Nestes termos incidiram os denunciados César Pavan Lamarca e Sueine Goulart Pimentel no delito previsto no artigo 304, c/c artigo 299, caput, ambos do Código Penal, e o denunciado Diógenes José Carvalho de Oliveira no delito previsto no artigo 299, caput, do Código Penal.”
2.6. Na hipótese dos autos, não há necessidade de aprofundamento da prova para se verificar se a conduta é ou não típica, bastando que se examine os termos da peça acusatória. Nesse norte, deve ser ressaltado que o crime em questão é de uso de documento ideologicamente falso, assim, importa definir o que constitui documento para os fins do delito que foi imputado aos pacientes.
2.7. A doutrina define documento como sendo “uma peça que tem possibilidade intrínseca (e extrínseca) de produzir prova, sem necessidade de outras verificações” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 7 ed. São Paulo: RT, 2008, p.1017).
2.8. Nesse sentido, o artigo 408 do CPC1 disciplina que as declarações constantes no documento particular presumem-se verdadeiras em relação a quem assinou, sendo porém uma presunção juris tantum, ou seja, relativa, admitindo prova em contrário. Já o paragrafo único do mesmo artigo diz que quando o documento contiver declaração de ciência de determinado fato, o documento particular prova a ciência, mas não o fato em si, incumbindo o ônus de prová-lo ao interessado em sua veracidade.
2.9. Dessa forma, a declaração sujeita a confirmação posterior não encerra potencialidade lesiva para a caracterização do crime de falsidade ideológica, pois, se há a possibilidade de confirmação pelo magistrado não há que se falar em falsidade. Portanto, somente se configura o crime de falsidade ideológica se a declaração prestada não estiver sujeita a confirmação pela parte interessada, gozando, portanto, de presunção absoluta de veracidade.
2.10. Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci explica:
(…) Ressalte-se que, havendo necessidade de comprovação – objetiva e concomitante -, pela autoridade, da autenticidade da declaração, não se configura o crime, caso ela seja falsa ou, de algum modo, dissociada da realidade. (Código Penal Comentado. 8ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, pp. 1016/1017)
2.11. A jurisprudência dos Tribunais Superiores é uníssona, no sentido de que é atípica a conduta de utilizar, em juízo, endereço que não corresponda à realidade dos fatos, em razão da possibilidade de confirmação da veracidade da informação.
(…)
2.12. Resta evidenciada, portanto, a atipicidade penal, já que a conduta imputada aos pacientes, não resta compreendida no texto do art. 299 do Código Penal referente à falsidade ideológica.
2.13. Assim, é de ser concedida a ordem para trancar a Ação Penal nº 5022297-74.2018.7100, diante da atipicidade da conduta imputada aos pacientes.
(…). (destaques pertencentes ao original)

Nesse sentido os seguintes precedentes desta Corte e do e. STJ:

PENAL. DECLARAÇÃO FALSA DE ENDEREÇO EM AÇÃO PREVIDENCIÁRIA. FALSIDADE IDEOLÓGICA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. 1. A simples indicação de endereço falso não configura crime de falsidade ideológica, uma vez que pode, no máximo, guardar vínculo apenas com o lugar de ajuizamento da demanda, mas não com a concessão do benefício. 2. Sendo o direito penal a expressão da ultima ratio, não é a conduta passível de apreciação no juízo criminal se no âmbito processual civil há punição suficiente prevista para a hipótese. 3. Reconhecida que a conduta apresenta-se atípica, a absolvição se impõe. (TRF4, APELAÇÃO CRIMINAL nº 5000504-30.2010.404.7013, 8ª Turma, Rel. Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, por unanimidade, juntado aos autos em 09-10-2012)

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FALSIDADE IDEOLÓGICA (ART. 299, CP). INDICAÇÃO DE ENDEREÇO INVERÍDICO EM PROCURAÇÕES E EM PETIÇÕES POR PARTE DE ADVOGADO. CONCEITO DE DOCUMENTO. DOLO ESPECÍFICO. ATIPICIDADE. 1. O trancamento do processo penal ou do inquérito policial, por meio da impetração de habeas corpus, é medida excepcional. 2. Não se vislumbram os elementos do tipo de falsidade ideológica em face de petições apresentadas em juízo com a indicação de endereço trocado, porquanto, a par dos precedentes no sentido de que a petição não constitui documento para esse fim, não foi sequer indicado o dolo específico: “fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”. (TRF4, HC nº 5041369-75.2016.4.04.0000, 8ª Turma, Rel. Des. Federal LEANDRO PAULSEN, por unanimidade, juntado aos autos em 21-10-2016)

PENAL. PROCESSUAL. FALSIDADE IDEOLOGICA. INQUERITO POLICIAL. TRANCAMENTO. “HABEAS CORPUS”. 1. A SIMPLES INDICAÇÃO DE FALSA RESIDENCIA DO SEGURADO, ENSEJANDO AJUIZAMENTO DE AÇÃO PREVIDENCIARIA, NÃO CONFIGURA O CRIME DE FALSIDADE IDEOLOGICA. 2. “HABEAS CORPUS” CONHECIDO; PEDIDO DEFERIDO PARA TRANCAR INQUERITO POLICIAL. (STJ, HC nº 5.477/RJ, 5ª Turma, Rel. Ministro ÉDSON VIDIGAL, DJ de 06-04-1998, p. 141)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FALSIDADE IDEOLÓGICA. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. INDICAÇÃO DE ENDEREÇO FALSO EM PETIÇÃO INICIAL. FATO SUJEITO À AVERIGUAÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE DOCUMENTO PARA FINS PENAIS. MANIFESTA ATIPICIDADE DA CONDUTA. PROVIMENTO DO RECURSO. 1. O trancamento de inquérito policial ou de ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito. 2. Já se sedimentou na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a petição apresentada em Juízo não caracteriza documento para fins penais, uma vez que não é capaz de produzir prova por si mesma, dependendo de outras verificações para que sua fidelidade seja atestada. 3. A indicação de endereço incorreto em petição inicial para fins de alteração da competência para processar e julgar determinada ação não caracteriza o crime previsto no artigo 299 do Código Penal, pois a veracidade do domicílio poderá ser objeto de verificação. Precedentes. 4. Recurso provido para determinar o trancamento da ação penal instaurada contra o recorrente no que se refere ao delito de falsidade ideológica, estendendo-se os efeitos da decisão ao corréu em idêntica situação. (STJ, RHC nº 70.596/MS, 5ª Turma, Rel. Ministro JORGE MUSSI, DJe de 09-09-2016)

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ORDINÁRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. AÇÃO PENAL. INDICAÇÃO DE ENDEREÇO INCORRETO EM PETIÇÃO INICIAL. FATO JURIDICAMENTE IRRELEVANTE. TRANCAMENTO DA PERSECUÇÃO. POSSIBILIDADE. ATIPICIDADE DA CONDUTA CARACTERIZADA. 1. Tratando-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, inviável o seu conhecimento. 2. Há possibilidade de trancamento da ação penal em sede de habeas corpus quando o reconhecimento da atipicidade da conduta não demandar revolvimento fático-probatório, notadamente como na espécie. 3. É atípica a conduta de utilizar, em juízo, endereço que não corresponda à realidade dos fatos, em razão da possibilidade de confirmação da veracidade da informação contida na inicial. (precedentes) 4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, ex officio, para trancar a ação penal n.º 0003167-07.2013.8.26.0572, da Primeira Vara da Comarca de São Joaquim da Barra/SP, não só em relação ao ora paciente, mas também para o corréu, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal.  (STJ, HC nº 379.353/SP, 6ª Turma, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe de 15-02-2017)

(destaquei)

Assim, impositiva a concessão da ordem de habeas corpus para trancamento da ação penal, em face da atipicidade da conduta atribuída aos pacientes.

Ante o exposto, voto por conceder a ordem.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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