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Evinis Talon

STJ: recusa do MP em oferecer ANPP pode levar à rejeição da denúncia

23/09/2024

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STJ: recusa do MP em oferecer ANPP pode levar à rejeição da denúncia

​A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o Ministério Público (MP) não pode deixar de oferecer o acordo de não persecução penal (ANPP) de forma injustificada ou ilegalmente motivada, sob pena de rejeição da denúncia.

Nos processos sobre tráfico de drogas, por exemplo, a recusa não pode se dar com base apenas na gravidade abstrata do crime ou em seu caráter hediondo, uma vez que a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas (o chamado tráfico privilegiado) reduz a pena mínima do delito a menos de quatro anos e afasta a sua hediondez.

Para o colegiado, já no momento de oferecer a denúncia, o MP deve “demonstrar, em juízo de probabilidade, com base nos elementos do inquérito e naquilo que se projeta para produzir na instrução, que o investigado não merecerá a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 ou, pelo menos, que, mesmo se a merecer, a gravidade concreta do delito é tamanha que o acordo não é ‘necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime'”.

Com esse entendimento, os ministros anularam o recebimento da denúncia por tráfico contra um indivíduo e determinaram a remessa do caso ao órgão superior do MP, para que seja reanalisado o oferecimento do ANPP.

Tráfico privilegiado acabou sendo reconhecido no processo

O investigado, primário e sem antecedentes, foi flagrado com pequena quantidade de maconha e de cocaína. Alegando que o tráfico de drogas é crime hediondo, o MP não ofereceu o acordo, o que levou a defesa a requerer a remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do artigo 28-A, parágrafo 14, do Código de Processo Penal (CPP), sob o argumento de que as circunstâncias do caso evidenciavam que o réu faria jus à minorante do tráfico privilegiado.

A remessa dos autos foi negada pelo magistrado, mas, ao final da audiência, em alegações finais, o próprio MP requereu a aplicação da causa de diminuição de pena, o que foi acolhido na sentença, sem recurso ministerial – confirmando que a defesa estava certa desde o início.

Ao votar pelo provimento do recurso da defesa no STJ, o ministro Rogerio Schietti Cruz, relator, afirmou que, salvo em caso de inconstitucionalidade (como reconheceu a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em relação aos crimes raciais), não cabe ao MP nem ao Judiciário deixar de aplicar os mecanismos de negociação legalmente previstos apenas com base na gravidade abstrata ou no caráter hediondo do delito, pois isso “significaria criar, em prejuízo do investigado, novas vedações não previstas pelo legislador, o qual já fez a escolha das infrações incompatíveis com a formalização de acordo”.

Oferta do ANPP é dever-poder do Ministério Público

Segundo o ministro, o ANPP (artigo 28-A do CPP) é mais uma forma de justiça penal negociada, assim como a transação penal e a suspensão condicional do processo, e traz benefícios para os dois lados: o Estado renuncia à possibilidade de condenar o réu em troca da antecipação e da certeza de uma punição, enquanto o réu renuncia à possibilidade de ver reconhecida sua inocência em troca de evitar o desgaste do processo e o risco de prisão.

Schietti comentou que a jurisprudência dos tribunais superiores considera que a oferta da transação penal, da suspensão condicional do processo ou do ANPP ao investigado é um dever- poder do MP. Sendo assim – acrescentou –, não cabe ao órgão ministerial, “com base em um juízo de mera conveniência e oportunidade”, decidir se oferece o acordo ou submete o investigado à ação penal.

Para o relator, a margem discricionária de atuação do MP quanto ao oferecimento do ANPP diz respeito apenas à análise do preenchimento dos requisitos legais, sobretudo daqueles que envolvem conceitos jurídicos indeterminados, como a exigência de que o acordo seja “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”.

O ministro concluiu que a recusa injustificada ou ilegalmente motivada do MP em oferecer o acordo deve levar à rejeição da denúncia, por falta de interesse de agir para o exercício da ação penal.

Ação penal tem natureza subsidiária e via consensual é preferencial

Schietti observou que, à luz do princípio da intervenção mínima, a ação penal tem natureza sempre subsidiária, “de modo que não se pode inaugurar a via conflitiva da ação penal condenatória sem nem sequer tentar, anteriormente, uma solução consensual mais branda (prevista em lei)”, pois, nesse caso, a ação penal ainda não seria necessária e, assim, faltaria interesse de agir para o seu exercício.

O relator mencionou, ainda, o fenômeno conhecido nos EUA por overcharging (excesso de acusação) e apontou a existência de prática similar no Brasil, mas invertida (“overcharging às avessas”). Enquanto nos EUA o overcharging é usado para levar o acusado a aceitar um acordo de plea bargain (confissão em troca de pena menor), no Brasil, diante do incremento do total de pena dos crimes imputados, o indivíduo acaba sendo impedido de celebrar um acordo de não persecução penal.

Segundo o ministro, isso faz com que todo o aparato judicial seja mobilizado inutilmente, visto que, ao final, com o afastamento do excesso acusatório na sentença, voltam a ser cabíveis os mecanismos consensuais, nos termos da Súmula 337 do STJ.

Leia o voto do relator.

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Fonte: Superior Tribunal de Justiça (STJ) – leia aqui.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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