STJ: personalidade do agente não deveria aumentar a pena-base
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no RHC 105.761/PE, decidiu que “é lamentável que a personalidade ainda conste do rol das circunstâncias judiciais do art. 59, do CP, pois se trata, na verdade, de resquício do Direito Penal de Autor”.
Na sequência, afirmou que não é possível que o magistrado extraia dados conclusivos sobre a personalidade do agente e que, não havendo dados suficientes para a aferição da personalidade, é incorreta a sua valoração negativa para aumentar a pena-base.
Confira a ementa relacionada:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. DOSIMETRIA. PLEITO DE REDUÇÃO DA PENA-BASE. AFASTADA A VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DA CULPABILIDADE, DA PERSONALIDADE, DA CONDUTA SOCIAL, DOS MOTIVOS DO CRIME E DOS MAUS ANTECEDENTES, QUE FORAM VALORADAS NEGATIVAMENTE SEM FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. FLAGRANTE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. MANTIDA A NEGATIVAÇÃO DO VETOR CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. RECURSO ORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO. I – o col. Supremo Tribunal Federal tem entendido que “a dosimetria da pena é questão de mérito da ação penal, estando necessariamente vinculada ao conjunto fático probatório, não sendo possível às instâncias extraordinárias a análise de dados fáticos da causa para redimensionar a pena finalmente aplicada” (HC n. 137.769/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 24/10/2016). II – O Pretório Excelso também entende não ser possível para as instâncias superiores reexaminar o acervo probatório para a revisão da dosimetria, exceto em circunstâncias excepcionais, uma vez que, ordinariamente, a atividade dos Tribunais Superiores, em geral, deve circunscrever-se “ao controle da legalidade dos critérios utilizados, com a correção de eventuais arbitrariedades” (HC n. 128.446/PE, Segunda Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 15/9/2015). III – Esta Corte Superior firmou entendimento no sentido de que a via do writ e de seu recurso ordinário somente se mostra adequada para a análise da dosimetria da pena se não for necessária uma análise aprofundada do conjunto probatório e caso se trate de flagrante ilegalidade. Vale dizer, o entendimento deste Tribunal firmou-se no sentido de que a “dosimetria da pena insere-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade” (HC n. 400.119/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 1º/8/2017). IV – In casu à culpabilidade, aqui compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta (art. 59 do Código Penal), verifica-se que o d. juízo de primeiro grau não fundamentou de maneira adequada e suficiente a majoração da pena como consequência desse vetor em particular, limitando-se a afirmar, genericamente que ser a culpabilidade do recorrente “concreta e de alta reprovabilidade”, motivo pelo qual a valoração negativa da referida circunstância judicial deve ser afastada. Precedentes. V – No tocante a personalidade do recorrente as instâncias ordinárias se valeram do argumento de que o recorrente apresenta-se como indivíduo de má índole, voltada a prática criminosa e o seu comportamentos no caso vertente assim demonstrou. Ressalto que é lamentável que a personalidade ainda conste do rol das circunstâncias judiciais do art. 59, do CP, pois se trata, na verdade, de resquício do Direito Penal de Autor. Ademais, não é possível, a meu ver, que o magistrado extraia nenhum dado conclusivo, com base em tais elementos, sobre a personalidade do agente. Assim, não havendo dados suficientes para a aferição da personalidade, mostra-se incorreta a sua valoração negativa, a fim de supedanear o aumento da pena-base. Precedentes. VI – Com relação à conduta social, vale frisar que esta retrata o papel na comunidade, inserida no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança, não sendo tal circunstância judicial idônea para supedanear a elevação da pena quando não há notícias negativas sobre esses aspectos sociais do comportamento do réu. Precedentes. VII – No que concerne aos motivos do crime, extrai-se do excerto retro, que como fundamentação para sua valoração negativa a sentença destaca tão somente que são “injustificáveis”, o que não permite a manutenção do agravo da pena-base por tal circunstância, ante a flagrante ausência de fundamentação, já que, à toda vista, aqueles não ultrapassam o tipo penal in casu. Precedentes. VIII – Quanto às consequências do crime, a fundamentação utilizada pelas instância originárias demonstra a correção na negativação de tal circunstância, com o condão de majorar a fixação da pena-base realizada na sentença, em razão da gravidade das consequências do crime, que em muito extrapolam as consequências ínsitas ao tipo penal, conforme entendimento consolidado neste Superior Tribunal de Justiça. Precedentes. IX – Na hipótese, as instância originárias fundamentaram a exasperação da pena-base da reprimenda imposta ao paciente, na valoração negativa da circunstância judicial dos maus antecedentes, apesar de asseverarem que o recorrente seria primário, o que constitui flagrante constrangimento ilegal que deve ser afastado. Precedentes. X – Preservada apenas a análise negativa da circunstância judicial das consequências do crime, fica a reprimenda final do paciente estabelecida em para 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime fechado, mais pagamento de 13 (treze) dias-multa, mantidos os demais termos da condenação. Recurso ordinário parcialmente provido. (RHC 105.761/PE, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 12/03/2019, DJe 19/03/2019)
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