Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 345.954/RS, julgado em 23/08/2016 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
HABEAS CORPUS. POSSE DE APARELHO TELEFÔNICO CELULAR. DESNECESSIDADE DE PROVA PERICIAL. FALTA GRAVE. ART. 50, VII, DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS. PAD DEVIDAMENTE HOMOLOGADO. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do writ of mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
2. O comando normativo introduzido pela Lei 11.466/2007 no rol do art. 50 da Lei de Execuções Penais incluiu as condutas de posse, utilização ou fornecimento de aparelho telefônico como caracterizadores da prática de falta grave, que possa permitir a comunicação do apenado com o ambiente externo.
3. Com efeito, a exegese desde dispositivo revela ser prescindível a realização de perícia no aparelho telefônico para que venha a atestar sua funcionalidade, pois poderíamos alcançar eventual situação in concreto hábil a esvaziar o preceito normativo, caso fossem encontrados compartimentos desmantelados, que uma vez juntos possibilitariam a montagem do equipamento de interlocução.
4. A despeito do reconhecimento da falta grave, não houve determinação de aplicação de seus consectários, sendo o paciente mantido em regime semiaberto, bem como preservados os dias remidos e inalterada a data-base para concessão de futuros benefícios.
5. Ausência de aspectos dotados de teratologia no caso em apreço.
6. Writ não conhecido.
(HC 345.954/RS, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe 01/09/2016)
Leia a íntegra do voto do Relator Min. Antonio Saldanha Palheiro:
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do writ of mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
Assim, em princípio, incabível o presente habeas corpus substitutivo de recurso. Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Na hipótese vertente, o paciente foi flagrado, por agente penitenciário, enquanto falava no celular, no interior do presídio.
O juízo da Vara de Execuções reconheceu a falta grave, por suposta violação do art. 50, VII, da Lei de Execuções Penais, homologando o PAD instaurado, deixando, porém, de aplicar os consectários legais, pois manteve o apenado em regime semiaberto e manteve inalterada a data-base (e-STJ fls. 54/57).
O mecionado decisum desafiou a interposição de recurso de Defesa ao Tribunal de Justiça Estadual, que manteve a decisão guerreada nos termos em que exarada (e-STJ fls. 85/90).
Passo seguinte, impetrou-se o presente writ of mandamus objetivando, conforme relatado, afastar o reconhecimento da falta grave, pois seria “imprescindível a realização de perícia para comprovar as condições de funcionamento imediato do aparelho”, aduzindo, neste âmbito, que não teria sido observado o devido contraditório e ampla defesa do apenado.
A despeito de tais alegações, não assiste razão ao impetrante, pois se depreende que o acusado foi flagrado no interior do presídio falando ao celular, conforme noticiado pelo magistrado.
Nesse viés, saliente-se que o juízo a quo consignou que “no caso específico, ainda que alegue não ser o dono do equipamento, o apenado admitiu ter feito uso do aparelho, contrariando as regras proibitivas de uso de celulares dentro das celas”, o que culminou com a homologação do PAD instaurado e o reconhecimento da falta grave.
Note-se que o comando legal introduzido pela Lei 11.466/2007 no rol do art. 50 da Lei de Execuções Penais incluiu as condutas de posse, utilização ou fornecimento de aparelho telefônico como caracterizadores da prática de falta grave, que possa permitir a comunicação do apenado com o ambiente externo.
Com efeito, a exegese desse dispositivo revela ser prescindível a realização de perícia no aparelho telefônico para que venha a atestar sua funcionalidade, pois poderíamos alcançar eventual situação in concreto hábil a esvaziar o preceito normativo, caso fossem encontrados compartimentos desmantelados, que uma vez juntos possibilitariam a montagem do equipamento de interlocução.
Sob essa linha de raciocínio, é firme a orientação deste Colegiado, ex vi:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. HOMOLOGAÇÃO FUNDAMENTADA APÓS REGULAR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. OITIVA JUDICIAL DO SENTENCIADO ANTES DA HOMOLOGAÇÃO DA FALTA GRAVE. DESNECESSIDADE. POSSE DE APARELHO TELEFÔNICO CELULAR NO PRESÍDIO. PERÍCIA. DESNECESSIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. É desnecessária nova oitiva do sentenciado em juízo, antes da homologação da falta grave, se ele teve a oportunidade de se manifestar no âmbito do procedimento administrativo, instaurado para apurar a infração disciplinar, acompanhado da defesa técnica. 2. A teor da jurisprudência desta Corte Superior, mostra-se prescindível à configuração da falta grave prevista no art. 50, inciso VII, da Lei de Execução Penal a realização de perícia para demonstrar o efetivo funcionamento do aparelho celular e/ou de seus complementos. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido (AgRg no HC 317.252/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/05/2016, DJe 01/06/2016, grifei)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. POSSE DE APARELHO DE TELEFONE CELULAR. FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE. CONFIGURAÇÃO. PERÍCIA PARA ATESTAR O SEU FUNCIONAMENTO. DESNECESSIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. Ressalvada compreensão pessoal diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2. Após a edição da Lei n. 11.466/2007, a posse, pelo sentenciado, de aparelho de telefonia celular ou qualquer componente imprescindível para o seu funcionamento, caracteriza falta disciplinar de natureza grave, sendo desnecessária a realização de perícia para atestar a sua funcionalidade. Precedentes. 3. Habeas corpus não conhecido. (HC 263.870/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 16/09/2014, DJe 29/09/2014, grifei)
HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 2. EXECUÇÃO PENAL. POSSE DE ‘CHIP’ DE APARELHO CELULAR. CONDUTA PRATICADA APÓS A ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 11.466/2007. FALTA GRAVE CARACTERIZADA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. 3. PERDA DOS DIAS REMIDOS NA FRAÇÃO DE 1/3 (UM TERÇO). ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. MATÉRIA NÃO SUBMETIDA AO CRIVO DO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 4. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no intuito de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente – a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício -, evitando-se prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal. 2. É cediço que o propósito primordial da alteração legislativa promovida pela Lei n. 11.466/2007 foi conter a comunicação entre os presos e o ambiente externo, evitando-se, assim, a deletéria perpetuação da atividade delitiva, notadamente se considerada a proliferação da criminalidade organizada até mesmo no interior dos cárceres. Assim, há de se ter por falta grave não só a posse de aparelho de telefonia em si, mas também de qualquer outro componente imprescindível para o seu funcionamento. Conclusão diversa permitiria o fracionamento do aparelho entre cúmplices apenas com o propósito de afastar a aplicação da lei e de escapar das sanções nela previstas. Flagrante ilegalidade inexistente. 3. Verificado que a insurgência relativa à perda dos dias remidos na fração de 1/3 (um terço) não foi submetida ao crivo do Tribunal de origem, fica esta Corte impedida de examinar a questão, sob pena de incorrer em vedada supressão de instância. 4. Habeas corpus não conhecido (HC 297.150/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 27/08/2014, grifei)
Nada obstante, ressalte-se que, a despeito do reconhecimento da falta grave, não houve determinação de aplicação de seus consectários, como já ressaltado, sendo o paciente mantido em regime semiaberto, bem como preservados os dias remidos e inalterada a data-base para concessão de futuros benefícios.
Diante de tais considerações, certo é que inexistem aspectos dotados de teratologia no caso em apreço.
Ante o exposto, não conheço do writ.
É o voto.
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