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Evinis Talon

STJ: o crime de descumprimento de medida protetiva de urgência

22/11/2025

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STJ: o crime de descumprimento de medida protetiva de urgência

No REsp 2.182.733-DF, julgado em 8/4/2025, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que “A aplicação da agravante do art. 61, II, f, do Código Penal ao crime de descumprimento de medida protetiva de urgência, previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha, configura bis in idem, pois o contexto de violência doméstica já é elemento constitutivo desse tipo penal”.

Informações do inteiro teor:

A questão consiste em saber se a aplicação da agravante do art. 61, II, f, do Código Penal, em conjunto com o art. 24-A da Lei Maria da Penha, configura bis in idem.

O Tribunal a quo entendendo configurar bis in idem afastou a agravante em questão, pois “… o crime de descumprimento de medidas protetivas está previsto na própria Lei n. 11.340/2006, sendo certo que o cometimento do delito em contexto de violência doméstica contra a mulher caracteriza circunstância elementar do crime, já considerada pelo legislador ao tipificar a conduta e cominar a pena”.

Sobre o tema, verifica-se que a Sexta Turma do STJ, julgando caso similar (AgRg no AREsp 2.593.440/SC, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe de 16/8/2024), entendeu que a agravante prevista no art. 61, II, f, do Código Penal se aplicaria ao crime de descumprimento de medida protetiva previsto no art. 24-A da Lei n. 11.340/2006.

No entanto, ao examinar as razões que fundamentaram a conclusão do julgamento dos recursos especiais sob a sistemática dos recursos repetitivos, constata-se que a lógica empregada na fixação do Tema 1.197/STJ difere do contexto em que se insere a aplicação da mesma agravante ao delito de descumprimento de medida protetiva previsto na Lei Maria da Penha.

Isso porque, a ratio decidendi que orientou a inteligência do STJ, no Tema 1.197/STJ, ao estabelecer a aplicabilidade da agravante insculpida no art. 61, II, f, do Código Penal ao delito descrito no art. 129, § 9º, do mesmo diploma legal, reside na necessidade de assegurar uma resposta penal mais rigorosa às condutas caracterizadas pelo abuso de autoridade ou pelo exercício de relações de intimidade, sejam elas de coabitação, hospitalidade ou vinculação doméstica, mormente quando envolvem violência contra a mulher, consoante definido pela legislação específica. Tais condutas representam uma violação à dignidade da pessoa humana, demandando uma intervenção consentânea à gravidade do comportamento delituoso.

O art. 129, § 9º, do Código Penal possui como desiderato punir o crime de lesão corporal perpetrado no âmbito de relações domésticas ou familiares, independentemente do gênero da vítima. A norma busca tutelar o ambiente de convivência pessoal e familiar, preservando a harmonia e a segurança nesses espaços, sendo aplicável a todas as vítimas, indistintamente. Destarte, a lei não circunscreve sua proteção apenas a pessoas que se identificam com o gênero feminino.

A Lei n. 11.340/2006 foi instituída para coibir a violência doméstica, reconhecendo as assimetrias históricas nas relações de gênero e demandando tutela diferenciada, seja no âmbito doméstico ou extradoméstico. Seus dispositivos encontram fundamento na compreensão de que tais relações demandam medidas mais rigorosas para enfrentar a violência decorrente de desigualdades estruturais.

A aplicação simultânea de normas penais exige rigorosa análise hermenêutica, mormente quando se trata de dispositivos que tutelam idêntico bem jurídico. No caso específico da agravante do art. 61, II, f, do Código Penal e das disposições da Lei Maria da Penha, verifica-se potencial risco de duplicidade punitiva, porquanto ambas as normas convergem na reprovação de condutas que vulneram a dignidade da mulher em contextos de violência doméstica e familiar.

A Lei n. 11.340/2006, detentora de natureza especial, destaca-se em face das disposições gerais do Código Penal ao tutelar especificamente as dinâmicas de violência de gênero. Fundamentada no princípio da especialidade, que privilegia a norma especial em situações de coexistência normativa, a Lei Maria da Penha já integra, em seus dispositivos, os elementos justificadores de agravamento da sanção previstos no art. 61, inciso II, alínea f, do Código Penal.

Embora o art. 61, inciso II, alínea f, do Código Penal possa encontrar aplicação em contextos diversos daqueles abrangidos pela Lei Maria da Penha, no caso específico do art. 24-A, verifica-se sobreposição quanto ao fundamento e aos objetivos perseguidos por ambos os dispositivos. Impõe-se, portanto, a primazia da norma especial, resguardando-se a coerência do sistema jurídico e evitando-se a duplicidade sancionatória por razões idênticas.

Resta evidente, assim, a ocorrência de bis in idem na aplicação simultânea do disposto no art. 61, inciso II, alínea f, do Código Penal e no art. 24-A da Lei Maria da Penha, pois ambos qualificam a mesma conduta de violência contra a mulher. Tal prática, ao desconsiderar os limites sistemáticos do ordenamento jurídico, viola os postulados da proporcionalidade e da vedação à dupla valoração punitiva.

Leia a ementa:

DIREITO PENAL. RECURSO ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA. APLICAÇÃO DA AGRAVANTE DO ART. 61, INCISO II, ALÍNEA “F”, DO CÓDIGO PENAL. BIS IN IDEM. CONFIGURAÇÃO. DISTINÇÃO DO TEMA 1.197/STJ. RECURSO IMPROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso especial interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios que afastou a aplicação da agravante de violência doméstica prevista no art. 61, II, “f”, do Código Penal, no crime de descumprimento de medida protetiva de urgência, por configurar bis in idem. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se a aplicação da agravante do art. 61, II, “f”, do Código Penal, em conjunto com o art. 24-A da Lei Maria da Penha, configura bis in idem. III. Razões de decidir 3. Configura bis in idem a aplicação da agravante genérica do art. 61, II, “f”, do Código Penal, ao crime de descumprimento de medida protetiva de urgência previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha, pois o contexto de violência doméstica já integra as circunstâncias elementares do tipo penal. 4. O Tema 1.197/STJ, que afastou o bis in idem na aplicação da agravante do art. 61, II, “f”, do Código Penal em conjunto com crimes da Lei Maria da Penha, refere-se a situações distintas, em que a agravante incidiu sobre crimes de lesão corporal (art. 129, § 9º, do CP) que não possuem como elemento específico a violência de gênero. 5. No caso em análise, o delito do art. 24-A da Lei Maria da Penha tem como pressuposto específico a violência doméstica contra a mulher, elemento já considerado pelo legislador ao tipificar a conduta e cominar a pena, o que distingue a hipótese do Tema 1.197/STJ. 6. A aplicação simultânea da agravante e do tipo penal configura sobreposição normativa, em desrespeito aos princípios da especialidade, proporcionalidade e vedação ao bis in idem. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso improvido. Tese de julgamento: “1. A aplicação da agravante prevista no art. 61, II, “f”, do Código Penal ao crime de descumprimento de medida protetiva de urgência (art. 24-A da Lei Maria da Penha) configura bis in idem, pois o contexto de violência doméstica já é elemento constitutivo do tipo penal. 2. O Tema 1.197/STJ não se aplica ao delito do art. 24-A da Lei Maria da Penha, por tratar de situações distintas, em que a agravante do art. 61, II, “f”, do Código Penal incidiu sobre crimes que não possuem a violência de gênero como elemento típico.”. Dispositivos relevantes citados: Código Penal, art. 61, II, “f”; Lei nº 11.340/2006, art. 24-A. Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema 1.197, REsp nº 2.027.794/MS, Rel. Min. Jesuíno Rissato, DJe 24.06.2024; STJ, AgRg no AREsp nº 2.593.440/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 16.08.2024. (REsp n. 2.182.733/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 8/4/2025, DJEN de 22/4/2025.)

INFORMAÇÕES ADICIONAIS:

Legislação

Código Penal (CP), art. 61, II, f e art. 129, § 9º;

Lei n. 11.340/2006, art. 24-A.

Precedentes Qualificados

Tema 1.197/STJ

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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) –  Edição nº 848, de 29 de abril de 2025 (leia aqui).

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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