STJ: não ter trabalho lícito não significa dedicação à traficância
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no HC 665.401/SP, decidiu que o fato de o agente acusado de tráfico de drogas não ter comprovação de ocupação lícita não significa que se dedica à traficância, configurando violação do sistema acusatório e do direito penal do fato, além de indevida incidência do direito penal do autor.
Confira a ementa relacionada:
(…)
2. No caso, deixou-se de indicar validamente a configuração de quaisquer circunstâncias que constituiriam óbice à incidência do redutor. Isso porque, para atribuir à Paciente a prática rotineira da traficância, o Tribunal a quo considerou o fato de não ter sido comprovado exercício de atividade profissional lícita. Essa circunstância consubstancia mera elucubração sobre “a indissociável ligação entre os agentes que praticam a mercancia ilícita” ao “crime organizado, conjectura que não encontra lastro na realidade e consubstancia-se em resquício da malfadada teoria do direito penal do inimigo” (STJ, AgRg no HC 638.930/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 27/04/2021, DJe 03/05/2021; sem grifos no original). A premissa de que o Agente acusado de tráfico que não tem ocupação lícita (e, portanto, não tem como comprová-la) dedica-se à traficância consubstancia ônus do qual o Réu não pode se desincumbir, em evidente violação tanto do sistema acusatório quanto do Direito Penal do fato, além de significar indevida incidência do Direito Penal do autor.
3. Ao prescrever à Paciente, ilegitimamente, maior rigor penal em razão da sua vulnerabilidade econômica, incorre-se, na verdade, no agravamento dessa situação por mantê-la mais tempo encarcerada, o que evidentemente não é a mens legis da Lei n. 11.343/2006.
4. Se a quantidade de droga apreendida com a Acusada não se mostra exacerbada, e todas as circunstâncias judiciais analisadas na fixação da pena-base forem favoráveis, a minorante do tráfico privilegiado deve ser estipulada no patamar máximo de 2/3 (dois terços).
5. Em razão da ausência de circunstâncias judiciais demeritórias, o regime prisional a ser fixado é o inicial aberto, pois as regras previstas no art. 33, § 2.º, alínea c, e § 3.º, do Código Penal, dispõem, respectivamente, que “o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto” e que “a determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código”.
6. No caso de réu “primário, com pena-base fixada no mínimo, a apreensão de quantidade não considerável de entorpecentes não constitui elemento apto a justificar a imposição do regime prisional mais severo ou o indeferimento da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos” (STJ, AgRg no HC 429.786/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 06/06/2018).
7. Ordem de habeas corpus concedida para reduzir o quantum de pena para 1 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, mais pagamento de 194 (cento e noventa e quatro) dias-multa, além de restabelecer os efeitos da sentença quanto à fixação do regime inicial aberto e a substituição da reprimenda corporal por sanções restritivas de direitos. (HC 665.401/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 16/06/2021)
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