STJ: inércia defensiva em sustentar a principal tese absolutória gera nulidade do júri
No HC 947.076-MG, julgado em 3/12/2024, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que o uso pela defesa de apenas fração do tempo disponível nos debates em plenário do Tribunal do Júri, somado à inércia em sustentar a principal tese absolutória que esteve presente nos autos desde a fase investigativa, configuram defesa deficiente, ensejando a nulidade do julgamento.
Informações do inteiro teor:
O direito de defesa, em uma visão individualista, privilegia o interesse do próprio imputado, mas sob ótica mais publicista, passa a ser concebido como uma garantia também da correta atividade jurisdicional. Assim, a defesa constitui não meramente um direito individual do acusado, mas uma garantia para o “correto desenvolvimento do processo”, em face de um interesse público que supera o interesse do acusado e que, portanto, tendo como premissa a paridade de armas, não transige com a ausência de um contraditório efetivo. Cuida-se, pois, de assegurar-se um fair trial, que se concretiza, em regra, com a presença em juízo do defensor, minimamente capaz e hábil para oferecer ao réu condições de igualdade em relação ao seu acusador.
A atuação do defensor, público ou particular, não se reduz à defesa formal, contemplativa, mas é também a defesa combativa e tecnicamente capacitada, sob pena de se considerar o réu indefeso.
De acordo com a Súmula n. 523 do Supremo Tribunal Federal, a falta de defesa técnica constitui nulidade absoluta da ação penal; a alegação de sua deficiência para ser apta a macular a prestação jurisdicional, deve ser acompanhada da demonstração de efetivo prejuízo para o acusado, tratando-se, pois, de nulidade relativa.
No caso, o paciente foi acusado de ser um dos autores de um homicídio qualificado tentado. O réu negou seu envolvimento nos fatos tanto no inquérito policial quanto no seu interrogatório realizado na primeira fase do procedimento especial do Tribunal do Júri. Contudo, a defesa, que usou apenas quinze minutos nos debates em plenário, limitou-se a pedir a exclusão da qualificadora, sem sustentar a tese de negativa de autoria, que era a principal linha defensiva desde o inquérito policial. Ademais, segundo o paciente, seus advogados orientaram que ficasse em silêncio perante os jurados (contrariando, inclusive, todo o seu comportamento processual até o momento).
Ainda que seja uma estratégia defensiva válida orientar que o acusado exerça seu direito ao silêncio, caberia aos seus procuradores ao menos retomar a versão dada por ele nos momentos em que foi ouvido (no inquérito policial e na instrução criminal), a fim de subsidiar as teses de negativa de autoria ou, ainda, de insuficiência de provas para a condenação.
Ademais, embora o art. 477 do CPP assegure até uma hora e meia para cada parte sustentar suas alegações em plenário, a defesa usou apenas quinze minutos desse tempo. Não se está a afirmar que o uso de apenas fração do tempo disponível, por si só, configura deficiência de defesa. Todavia, esse fator, somado à inércia defensiva em sustentar a principal tese absolutória que esteve presente nos autos desde a fase investigativa, corrobora sua atuação insuficiente.
A defesa deficiente, no julgamento em plenário, resultou em manifesto prejuízo ao acusado, que foi condenado a 8 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial fechado, por homicídio qualificado tentado.
Deveras, não há, no processo penal, prejuízo maior do que uma condenação resultante de um procedimento que não observou determinadas garantias constitucionais do réu – no caso, a da plenitude de defesa.
Desse modo, uma vez demonstrado que a defesa foi deficiente e evidenciado o prejuízo concreto ao réu, deve ser anulada a sessão plenária de julgamento, com determinação de que outra seja realizada.
Leia a ementa:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. DEFESA TÉCNICA INSUFICIENTE EM PLENÁRIO. PREJUÍZO CONSTATADO. SÚMULA N. 523 DO STF. ANULAÇÃO DO JULGAMENTO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A atuação do defensor, público ou particular, não se reduz à defesa formal, contemplativa, mas é também a defesa combativa e tecnicamente capacitada, sob pena de se considerar o réu indefeso.
2. De acordo com a Súmula n. 523 do Supremo Tribunal Federal, a falta de defesa técnica constitui nulidade absoluta da ação penal; a alegação de sua deficiência configura nulidade relativa e, para ser apta a macular a prestação jurisdicional, deve ser acompanhada da demonstração de efetivo prejuízo para o acusado.
3. No caso em exame, o paciente foi acusado de ser um dos autores de um homicídio qualificado tentado. O réu negou seu envolvimento nos fatos tanto no inquérito policial quanto no seu interrogatório realizado na primeira fase do procedimento especial do Tribunal do Júri. Contudo, a defesa, que usou apenas quinze minutos nos debates em plenário, limitou-se a pedir a exclusão da qualificadora, sem sustentar a tese de negativa de autoria, que era a principal linha defensiva desde o inquérito policial. Ademais, segundo o paciente, seus advogados orientaram que ficasse em silêncio perante os jurados (contrariando, inclusive, todo o seu comportamento processual até o momento). 4. Ainda que seja uma estratégia defensiva válida orientar que o acusado exerça seu direito ao silêncio, caberia aos seus procuradores ao menos retomar a versão dada por ele nos momentos em que foi ouvido (no inquérito policial e na instrução criminal), a fim de subsidiar as teses de negativa de autoria ou, ainda, de insuficiência de provas para a condenação.
5. O uso de apenas fração do tempo disponível, por si só, não configura deficiência de defesa. Todavia, esse fator, somado à inércia defensiva em sustentar a principal tese absolutória que esteve presente nos autos desde a fase investigativa, corrobora sua atuação insuficiente.
6. A defesa deficiente, no julgamento em plenário, resultou em manifesto prejuízo ao acusado, que foi condenado a 8 anos e 8 meses de reclusão por homicídio qualificado tentado. Deveras, não há, no processo penal, prejuízo maior do que uma condenação resultante de um procedimento que não observou determinadas garantias constitucionais do réu – no caso, a da plenitude de defesa.
7. Uma vez demonstrada que a defesa foi deficiente e evidenciado o prejuízo concreto ao réu, deve ser anulada a sessão plenária de julgamento, com determinação de que outra seja realizada.
8. Ordem concedida.
(HC n. 947.076/MG, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 3/12/2024, DJEN de 9/12/2024.)
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
LEGISLAÇÃO
Código de Processo Penal (CPP), art. 477.
SÚMULAS
Súmula n. 523/STF
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição Extraordinária nº 24 – leia aqui.
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